sábado, 28 de fevereiro de 2009

Hipnotizado pelo cinema de Lucrecia Martel


De tempos em tempos eu (acredito que todos sejamos assim, na verdade) fico particularmente instigado por um artista, geralmente um cineasta e sua visão do mundo, sua forma de produzir filmes. Isto pode acontecer com a literatura, mas, como minha paixão pelo cinema é mais forte e pulsante, lembro de poucos casos de excitação plena com um estilo, uma forma de construção literária. De pronto, lembro de um. O mais arrebatador em termos literários foi com Kafka, assim que li O Processo, livro que, ainda hoje, é meu predileto. A narrativa labiríntica, os personagens que transitam por um mundo absurdo, cheio de situações que soam surrealistas somente para nós, leitores desconcertados com o estilo do tcheco de escrever, me fascinaram ao ponto de, até hoje, eu priorizar a leitura de tudo que se refira a Kafka. O que me encanta nele também, de um modo bem particular, é como seus personagens, mesmo lutando contra as situações, não conseguem escapar de um final trágico e pessimista, como se o escritor nos dissesse que, no final das contas, o sofrimento e a morte, nesta ordem, nos aguardam. Mas, como eu disse antes, o cinema me provoca com mais freqüência esta fascinação que faz com que eu procure ver mais filmes de determinado diretor, ou de determinada escola cinematográfica.

No momento estou fascinado pelo cinema de Lucrecia Martel, cineasta argentina que atua na vanguarda do chamado Novo Cinema Argentino. Ela é uma das mais autorais do movimento, diga-se de passagem. De seus três longas, só não assisti, ainda, A Menina Santa. O Pântano é uma obra-prima, uma epifania que nos joga, à beira da piscina, no seio de uma família tão comum quanto a minha e a sua. Nada acontece, tudo acontece. Este parece ser o fado de Lucrecia, a abordagem de histórias que ocorrem, não no primeiro plano, mas nas entrelinhas, nos olhares enviesados, nos ressentimentos acalentados, nos silêncios que gritam por um socorro, pela salvação de existências que não tem salvação, isto tudo sem fatalismo. Em A Mulher sem Cabeça, Martel se aventura por o que poderíamos chamar de um “thriller mental” (seria a definição correta?) em que, acompanhamos uma mulher, perturbada por um acontecimento que ela julga de proporções trágicas. Por mais que não seja tão magnífico quanto O Pântano, por perder um pouquinho do ritmo no final, esta nova realização de Lucrecia traz consigo suas marcas. Os enquadramentos que fracionam os personagens, a utilização da água como catalisador, a sexualidade, a diferenciação das classes sociais e, principalmente, o hipertexto como estrutura básica, são as marcas do cinema de Lucrecia Martel, presentes também em A Mulher sem Cabeça. Agrada-me muito a forma como começamos quase que órfãos de ligações e vamos, pouco a pouco, sendo munidos de informações, criando os laços que dão corpo à trajetória dos personagens, geralmente capitaneados por uma mulher. Enfim, estou entusiasmado com o cinema desta latina que, mais do que se mostrar oriunda de uma área terceiro-mundista, está preocupada em fazer cinema de qualidade, abordando temas interessantes, vitais na verdade, com classe e um senso de ritmo e estética, impressionantes.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Visitante

Direção: Thomas McCarthy
Roteiro: Thomas McCarthy
Elenco: Richard Jenkins, Haaz Sleiman, Danai Jekesai Gurira, Hiam Abbass, Marian Seldes, Laith Nakli

Este modesto filme é o responsável pela indicação ao Oscar de Melhor Ator de Richard Jenkins. Mas, afinal, quem é Richard Jenkins? Confesso, na minha ignorância, que, até a nominação, não conhecia este ator, cujo trabalho já acumula mais de cinquenta filmes. Confesso também que, quando vi seu nome entre os indicados, especialmente num ano de intensas e poderosas interpretações masculinas e, depois de umas pesquisas na internet a seu respeito, fiquei com um pé atrás, pensando que poderia ser uma espécie de prêmio de consolação à um ator tão rodado e tão pouco reconhecido. Acabo de assistir O Visitante e devo dizer que estou desestruturado pela atuação de Jenkins e pelo belíssimo filme de Thomas McCarthy.

Richard Jenkins é Walter Vale, um professor entediado, chato e pouco sociável que é obrigado pela faculdade onde trabalha a viajar para Nova York a fim de participar de uma conferência sobre países em desenvolvimento. Ao entrar no apartamento que mantém na Big Apple, ele encontra o músico sírio Tarek e a artesã Zainab morando em sua casa. A confusão acaba mudando radicalmente a vida de Vale, que começa a ver tudo com outros olhos. O gosto de Walter pela arte, mais especificamente pela música, vai fazendo com que, crescentemente, ele se identifique com Tarek, que passa a ajudá-lo a realizar um sonho.

Há algum tempo atrás, assisti à O Agente da Estação, primeiro longa de McCarthy e lembro de ter ficado impressionado com a simplicidade e objetividade deste diretor, com a maneira com que tratava seus personagens e cuidava para que tudo na história se encaixasse, para que todas as peças formassem uma imagem coesa e interessante. Além de diretor, Tom (maneira a qual gosta de ser identificado quando atua) também é roteirista daquele filme e isto, lembro também de ter imaginado, deve ter contribuído para a fluidez narrativa e o domínio que ele, como diretor, tinha da história. Se, em O Agente da Estação, McCarthy já demonstrava talento e visão, em O Visitante ele se supera, ao apresentar o mesmo cuidado e ternura de sua obra inicial, porém, criando uma realização mais densa. Mesmo quando aborda a imigração ilegal nos EUA e o clima de constante vigilância contra os estrangeiros, após a derrubada das torres gêmeas, McCarthy não perde a suavidade. Ele versa sobre temas espinhosos, sem desgastar personagens e, ainda, tece uma trama intensamente política, contestadora dos valores americanos pós-11 de setembro, por meio deste professor e seu amor, quase que velado, pela arte.

O chavão “pequeno-grande-filme” se aplica com perfeição à O Visitante, uma obra modesta, simpática, cheia de mensagens liminares e subliminares sobre a paranóia americana, muito bem escrita, e dirigida com uma elegância típica dos realizadores europeus. E Richard Jenkins? Agora sim eu sei quem é, e acompanharei sua carreira de perto, inclusive retrocedendo no tempo, recuperando o que perdi. E gravem este nome: Thomas McCarthy. Um diretor com tamanha sensibilidade, ora ou outra, será amplamente reconhecido e aí, espero que ele não se perca no meio dos milhões, deixando de lado uma visão tão privilegiada e sincera sobre as pessoas e seus problemas.

Oscar 2009 - Poucas surpresas

E mais um Oscar se passou. Muita gente ainda diz que esta premiação não tem importância, que não deve ser levada em conta, etc. É certo que não devemos nos deixar levar somente pelos agraciados pela academia, que rola muita politicagem e interesse na distribuição das estatuetas, mas, é hipocrisia dizer que o prêmio não tem seu imenso valor. Basta ver a emoção de atores, atrizes, diretores, produtores e demais artistas do cinema, ao subir no palco do Kodak Theatre para receber o Academy Awards.

Este ano a cerimônia foi mais curta, com menos cara de stand-up e, das inovações, a que mais me agradou, foi o quinteto de padrinhos e madrinhas ilustres na entrega dos prêmios de atuação. Deveria entrar no roteiro habitual da cerimônia. Bom, abaixo você pode ver os dois Podcasts que fizemos, um antes e outro depois do Oscar. Mais abaixo ainda, a lista com os vencedores.

Até 2010.


Rafa, Kon e Marcelo, antes da cerimônia do Oscar 2009, que premia os melhores de 2008, tentando adivinhar quem ficaria com os prêmios. Há, também, a reafirmação da aposta anual e mimos para quem acertasse mais categorias.




Influenciados pelo sono, Rafa, Kon e Marcelo comentam, sucintamente, a premiação e, finalmente, dizem quem venceu sua aposta pessoal. Alguém arrisca um palpite?



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Melhor Filme
Quem Quer Ser um Milionário?

Melhor Ator
Sean Penn, por Milk - A Voz da Igualdade

Melhor Atriz
Kate Winslet, por O Leitor

Melhor Ator Coadjuvante
Heath Ledger, por Batman - O Cavaleiro das Trevas

Melhor Atriz Coadjuvante
Penélope Cruz, por Vicky Cristina Barcelona

Melhor Diretor
Danny Boyle, por Quem Quer Ser Um Milionário?

Melhor Filme Estrangeiro
Departures

Melhor Filme de Animação
Wall-E

Melhor Roteiro Adaptado
Quem Quer Ser Um Milionário?

Melhor Roteiro Original
Milk - A Voz da Igualdade

Melhor fotografia
Quem Quer Ser um Milionário?

Melhor direção de arte
O Curioso Caso de Benjamin Button

Melhor figurino
A Duquesa

Melhor documentário em longa-metragem
Man on Wire

Melhor documentário em curta-metragem
Smile Pinki

Melhor montagem
Quem Quer Ser Um Milionário?

Melhor maquiagem
O Curioso Caso de Benjamin Button

Melhor trilha sonora original
Quem Quer Ser Um Milionário?

Melhor Canção
Jai Ho (Quem Quer Ser Um Milionário?)

Melhor Curta-Metragem de Animação
La Maison de Petits Cubes

Melhor Curta-Metragem
Spielzeugland (Toyland)

Melhor Edição de Som
Batman - O Cavaleiro das Trevas, Richard King

Melhor Mixagem de Som
Quem Quer Ser Um Milionário?

Melhores Efeitos Visuais
O Curioso Caso de Benjamim Button

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Famílias se Parecem

Volta e meia surgem filmes, independente do país ou orientação cinematográfica, que tem a chamada “família disfuncional” como mote. Sempre tive uma vaga idéia do que seria uma disfunção em família, mas, como é sempre bom se render à uma boa pesquisa, eis a definição* que encontrei:


“Uma família disfuncional é aquela que responde as exigências internas e externas de mudança, padronizando seu funcionamento. Relaciona-se sempre da mesma maneira, de forma rígida não permitindo possibilidades de alternativa. Podemos dizer que ocorre um bloqueio no processo de comunicação familiar. Pode-se falar em dois modelos básicos de desestruturação nas relações familiares: "há as famílias 'cindidas' e as famílias 'simbióticas'". Nas primeiras, os membros das famílias não conseguem se relacionar entre si. Encontram-se divididos, dispersos. Funcionam e se relacionam como se, ao ficarem juntos, todos corressem riscos do ponto de vista emocional. Assim, as pessoas não podem ter um relacionamento afetivo, são frias entre si. Já no extremo oposto, temos as famílias simbióticas, aquelas em que os membros da família vivem num estado de fusão. Não há diferenciação entre os papéis familiares, estes são confusos e não divididos. As pessoas sentem dificuldades em viver independente dos outros membros da família, estão num estado de constante 'grude'.”


Como pude constatar, não tinha a dimensão exata desta patologia coletiva e, muito menos, que ela tinha variações. Mas, por que diabos estou falando sobre isto? Acabei, há pouco, de assistir O Casamento de Rachel, de Jonathan Demme, um filme que trata, entre outras coisas, de uma família disfuncional. Por mais que o tema seja recorrente, inclusive, de alguma forma, é o mote do meu primeiro curta, sempre é estimulante ver alguém que trate o assunto com tanta sutileza e originalidade. Ok, não há nada de original em uma “ovelha desgarrada” que volta para a companhia dos seus, abrindo velhas feridas, sendo o estopim de um turbilhão de sentimentos, por vezes, conflitantes a respeito de pessoas que, a priori, ela “deveria” amar. A originalidade, aqui, também não se refere ao uso de uma linguagem seca, câmera na mão e maior proximidade com o espectador. Isto já foi visto, com semelhante efeito dramático, no ótimo O Lutador. A grande sacada (aqui abandono a palavra “originalidade” por entender que nem sempre um filme original é um filme bom) em O Casamento de Rachel, reside na forma como o diretor segue um roteiro cheio de silêncios constrangedores e perturbantes, emoldurando personagens simples, espelhos que refletem dramas cotidianos. Alguns são infelizes pelo peso da convivência, outros por não serem convencionais, por não poderem conviver harmoniosamente. Elogiar Anne Hathaway por sua destrutiva e incrível interpretação é fácil, ela, a interpretação, é evidentemente poderosa e surpreendente. O Casamento de Rachel merece ser visto e, eventualmente revisto se você gostar, assim como eu gostei, pelas múltiplas dimensões com que olha para a família, não taxando ou estigmatizando, mas sim, tratando-a como ela é: por vezes, lar de infortúnios, frustrações e conflitos, e, em outras, único ninho para o qual, pássaros desgarrados precisam voltar em busca de redenção.

*http://boasaude.uol.com.br/lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3985&ReturnCatID=1800

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Fazer um Filme

Fazer um filme. Do início, quando parecia idéia, um tanto quanto, estapafúrdia, até agora, quando encerramos as filmagens, muita coisa aconteceu. Quando isto se tornou claro para mim, que poderia fazer um filme, convidei pessoas muito queridas e talentosas para ajudar a tocar o projeto. Chamei o Rafa para escrever o roteiro comigo, afinal ele é especialmente talentoso com as palavras, e convoquei o Kon para dirigi-lo em conjunto, afinal ele é um cinéfilo voraz e sua visão me pareceu complementar à minha, algo que, sem dúvida, enriqueceria o projeto. Da escrita, lembro-me, claramente, de ser, particularmente, regado pelas palavras de Kafka (eu estava lendo O Processo durante o desenvolvimento do roteiro). Cada vez que eu lia um capítulo, me dava uma vontade louca de sentar na frente do computador e escrever um pouco mais. Ainda bem. Tivemos algumas divergências quanto a história, quanto ao nome do curta, mas, no final, quando nos demos conta, já tínhamos criando um projeto, envolvido um monte de gente bacana, e lá estávamos nós, sendo avaliados pelo poder público para saber se tínhamos qualidade suficiente para estrearmos no cinema. Passamos, tivemos o roteiro elogiado e, de lá para cá, lidamos com números, RPA’s, cópias de cheques, tudo aquilo que devemos dominar para lidar com o dinheiro do povo. Nos últimos meses, também sentimos na pele o trabalho desgastante de um produtor, afinal corremos atrás de tudo, conciliando com nossos trabalhos regulares, sem perdermos a cabeça ou esmorecermos.

Partimos, então, para a parte artística da coisa. Tivemos um ensaio, que se mostrou bem proveitoso no sentido de passar aos atores a visão que tínhamos dos personagens. Não queríamos perder o foco, por mais que déssemos liberdade aos atores para sugestões e outras contribuições, que foram feitas, sem dúvida. E o dia chegou. No sábado chegamos cedo ao apartamento e demos os últimos retoques. Os atores foram chegando, a equipe veio logo após e, depois de quase uma hora ajustando a luz e posicionando a câmera, coube a mim gritar o primeiro “AÇÃO”. Foi um dia ótimo, muito produtivo, vendo pelo lado profissional, e muito divertido pelo lado pessoal, já que tínhamos uma equipe que nos respeitava muito, que nos ajudava muito e que era, além de tudo isto, legal e bem humorada. O segundo dia foi, a meu ver, mais tranqüilo ainda. Trabalhávamos com locações mais amplas, com mais liberdade de movimentos e, no final das contas, o roteiro foi preservado em mais de 90%, retirando-se, apenas, seguimentos que notamos irrelevantes para a história. Confesso que, no domingo à noite, próximo das oito horas, quando fizemos a última tomada, me bateu certa melancolia. Pensei em como a experiência foi magnífica e em como voltar ao meu trabalho regular seria um pouco doloroso. E realmente foi. Na toada das confissões, digo que meu trabalho como estagiário de RP perdeu um pouco da graça, da importância. Quem sabe um dia eu não possa viver disto, de fazer filmes e lidar com o meu imaginário e o dos espectadores em tempo integral? Só o tempo dirá.

Famílias Felizes se Parecem está em pós-produção e deve demorar um pouco ainda para estrear. Estou louco para ver ele pronto e, por mais que uma pontinha de medo de ter falhado surja, a vontade de conferir o resultado de nosso trabalho, é maior e mais latente. Gostaria de, agora que acabamos de filmar, agradecer à todos que fizeram isto possível, à todos que, por pura amizade e camaradagem, nos ajudaram a realizar um sonho. Obrigado aos figurantes que foram pacientes, aos atores principais que se mostraram extremamente flexíveis ao serem dirigidos por dois iniciantes, ao pessoal da SPA que nos deu um apoio imenso, enfim, à todos que, de alguma forma, nos auxiliaram no início de um caminho que será longo, nós esperamos. Aguardem, Famílias Felizes se Parecem, em breve, num cinema perto de você.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O Leitor

Direção: Stephen Daldry
Roteiro: David Hare, baseado no romance de Bernhard Schlink
Elenco: Ralph Fiennes, Jeanette Hain, David Kross, Kate Winslet, Susanne Lothar, Alissa Wilms, Florian Bartholomäi, Friederike Becht, Matthias Habich, Frieder Venus, Marie-Anne Fliegel, Hendrik Arnst, Rainer Sellien, Torsten Michaelis, Moritz Grove

Stephen Daldry é um daqueles casos sui generis no mundo do cinema. Egresso do teatro, aonde gozava de prestígio como diretor na renomada casa de espetáculos Royal Court Theatre, em Londres, Daldry resolveu explorar novos caminhos, abraçar novos desafios, se aventurando pelo cinema. Sua primeira incursão foi o curta-metragem Eight, indicado ao BAFTA. De posse de uma estréia tão positiva, o diretor, responsável em sua vida teatral por mais de cem peças, resolveu quebrar mais uma barreira. Billy Elliot foi seu primeiro longa-metragem, e sua primeira indicação ao Oscar de melhor diretor, além de diversos prêmios conquistados ao redor do mundo. Depois deste, veio As Horas, filme do qual sou fã incondicional, e que deu a Daldry, em seu segundo longa, sua segunda indicação ao Oscar. Estão vendo porque disse que o caso dele era sui generes? Dois filmes, duas indicações. Aí, eis que este ano estréia O Leitor, e pasmem. Terceira indicação ao Oscar de melhor direção. Alguns acham exagero todo este reconhecimento, sua mais recente nominação foi vista com maus olhos por alguns, muito, é verdade, pelo fato de O Leitor ter sido indicado também à melhor filme, desbancando os queridinhos do público, Wall-E e Batman – Cavaleiro das Trevas. Não tenho dúvidas de que, pelo menos, Wall-E poderia figurar entre os cinco, já que se trata de uma obra-prima, mas não creio que O Leitor devesse ficar de fora, pois é um grande filme também.

O Leitor se passa na Alemanha, numa época pós-guerra e na qual se buscavam os culpados pelo Terceiro Reich como forma de redenção. Os alemães queriam, mais do que ninguém, punir quem trabalhou para a SS a fim de mostrar ao mundo que, nem todos faziam parte ou comungavam da ideologia irracional e preconceituosa de Adolf Hitler. Mas, pelo menos no início do filme, o enfoque exclui um pouco o meio, para se concentrar no amor que surge entre Michael, um jovem de 15 anos, e Hanna, uma mulher madura, que trabalha no sistema alemão de trens. A forma como Daldry, lentamente, explora o envolvimento dos dois, é uma verdadeira aula de ritmo, de como não atropelar fatos ou acelerar indevidamente a narrativa, qualidade, aliás, que era marca registrada de seus dois belíssimos filmes anteriores. Gradativamente nos inteiramos, de forma bem orgânica, do impacto que este envolvimento tem na vida de Michael. Hanna é uma personagem um pouco mais reservada, Daldry parece não ter a intenção de nos mostrar mais dela, pelo menos não na primeira metade do filme. De Hanna só sabemos do seu gosto pelas histórias, principalmente quando existe alguém para lê-las para ela.

O Leitor é um filme muito emocional, dotado da sensibilidade característica dos trabalhos anteriores de Daldry. Por emocional não quero que você, leitor, interprete que seja sentimentalóide ou piegas. A emoção que aflora, nos mais de 120 minutos do filme, é genuína, e provém da soma dos esforços de um diretor competentíssimo, aqui realizando mais um trabalho brilhante, com um núcleo de atores que dão veracidade e alma à história, que, nas mãos de outras pessoas, poderia ser contada de maneira mais trivial. O que mais gosto em O Leitor, e que é outra marca característica de Daldry, é a sutileza de sua abordagem, a forma nada histriônica de apresentar sentimentos, conflitos e mesmo tragédias históricas que, volta e meia, são pano de fundo para enfoques menos inspirados e unidimensionais. Talvez o único senão em O Leitor seja a transição de enfoque, quando a dimensão da história contada vai para além dos dois amantes. Há alguns saltos temporais, e o foco se alarga, situando o casal num contexto mais histórico, usando seu envolvimento para alavancar o que antes era subtrama, e que, por certo tempo, passa a ser o centro da história: o Holocausto. Pensando bem, até este enfraquecimento momentâneo colabora para engrandecer o todo, ao passo que, de alguma forma, amplifica o elo entre Michael e Hanna. No final, O Leitor é mais um belíssimo trabalho de Stephen Daldry. Em minha opinião, ele é um dos grandes diretores da atualidade, seja por seu senso de ritmo, por sua câmera elegante, por seu profundo conhecimento de atores ou por sua simplicidade, que o faz flertar com o cinema clássico, distanciando-o de exibicionismos, mostrando que seu centro é a história. Sua ambição é contar uma boa história, da melhor forma possível. Para mim, O Leitor é isso, sua terceira grande realização. Levando em conta que este é seu terceiro filme, aguardo ansioso o quarto, o quinto, o sexto...