domingo, 29 de novembro de 2009

Crítica: "Lua Nova"

Direção: Chris Weitz
Roteiro: Melissa Rosenberg (adaptação do livro de Stephenie Meyer)
Elenco: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Dakota Fanning, Nikki Reed, Peter Facinelli, Cameron Bright.

Lua Nova faz parte de duas categorias de filmes que é composta, em grande maioria, por obras fraquíssimas. A primeira delas diz respeito a filmes que adaptam obras literárias de grande êxito comercial e de público. A segunda está no fato de o filme ser a sequência de outra produção muito bem sucedida. Para felicidade de seus produtores e público, Lua Nova se destaca nos dois quesitos: é uma adaptação extremamente fiel ao livro que a originou e uma sequência muito superior ao filme que a antecede, Crepúsculo. Mesmo com sucesso nos dois pontos supracitados (o que não quer dizer muito, considerando o grau de dificuldade nos dois quesitos), Lua Nova falha em muitos outros aspectos.

Como escreveu Stephenie Meyer, autora da série de livros extremamente rentável conhecida como The Twilight Saga (A Saga Crepúsculo, no Brasil), Lua Nova se inicia no aniversário de 18 anos de Bella Swan, a jovem que encontrou em um vampiro, Edward Cullen, o seu grande amor. Quando um acidente faz Edward perceber que sua presença causa perigo para Bella ele decide se afastar pelo bem dela, abandonando-a na cidade de Forks. Sem rumo e extremamente depressiva, Bella encontra em Jacob algum conforto para, como ela própria diz, preencher o vazio de seu coração – ou algo piegas que o valha.

O que move grande parte da trama de Lua Nova é justamente este abandono, que desestabiliza Bella e a deixa totalmente perdida. Ela encontra em Jacob alguma distração, mas faz o que for para reavivar a presença de Edward junto a si. Diferente de Crepúsculo, Lua Nova deixa Robert Pattinson, interprete de Edward, como o coadjuvante da história, dando maior ênfase para os outros vértices do triângulo amoroso recém-criado: Bella e Jacob.

Uma realidade que prejudica Lua Nova está em sua necessidade e relevância quando se leva em consideração que o filme faz parte de uma série. Com exceção da entrada dos lobisomens na história (que são apresentados através de fracos efeitos visuais), quase nada muda desde o término de Crepúsculo até o final do novo filme, o que faz de Lua Nova um grande filler (termo aplicado aos desenhos japoneses que adaptam mangás e inserem grandes arcos narrativos para explorar comercialmente uma série) ou, grossamente dizendo, uma imensa enrolação.

Já dito que o filme é desnecessário à série (e ao cinema como veículo da arte e não do entretenimento), vamos aos outros fatos que se destacam na produção, como seu roteiro e direção. Enquanto Melissa Rosenberg apenas transpõe a narrativa novelesca e melodramática de Meyer para as páginas de seu roteiro, Chris Weitz faz um ótimo trabalho atrás das câmeras e, mesmo que peque um pouco no que diz respeito à direção de atores, entrega à série um olhar ideal e muito superior ao que Catherine Hardwicke havia apresentado em Crepúsculo. Weitz, que já trabalhou com jovens nos distintos American Pie – A Primeira Vez é Inesquecível e O Grande Garoto, desenvolve bons planos e sequências privilegiando a eficaz fotografia de Javier Aguirresarobe - ótimo fotógrafo espanhol que trabalhou em filmes como Vicky Cristina Barcelona e Mar Adentro.

Um desses bons momentos de Chris Weitz está nas inteligentes soluções visuais empregadas para dar ideia de passagem de tempo, como na cena em que Bella olha pela janela, bastante desiludida pela partida de Edward, e os meses passam em um único plano-sequência. Mas a direção correta de Weitz não salva ou se sobrepõe ao fiasco de roteiro elaborado por Melissa Rosenberg, que, como feito em Crepúsculo, dá ênfase a cada chavão melodramático que Stephenie Meyer escreveu, incluindo as frases de efeito (aparentemente retiradas de cartões bregas de dia dos namorados) que são ditas a cada dois minutos de filme.

Outro problema que certamente não irá mudar na saga Crepúsculo está no desempenho de seus atores. Kristen Stewart continua apática e por algumas vezes até mesmo patética representando a mocinha da história – mas está bem mais bonita do que em Crepúsculo, o que não quer dizer muito. Com maior destaque, Taylor Lautner até que se sai razoavelmente bem, aparentemente confortável mesmo estando sem camisa em 99,9% do tempo de projeção de Lua Nova (curiosamente ele aparece vestido enquanto dorme!). Já Robert Pattinson permanece canastrão e não convence como o vampiro altruísta Edward Cullen, servindo meramente como o rostinho bonito (e nada expressivo) que faz garotinhas suspirarem nas salas de cinema. Ainda sobre os atores, a participação de dois jovens que pareciam promissores quando crianças, Dakota Fanning e Cameron Bright, são tão pequenas que sequer têm a chance de estabilizar ou comprometer ainda mais o elenco do filme.

Por fim, Lua Nova serve para fazer a alegria da meninada fanática pela saga de Stephenie Meyer e pelo trio formado por Pattinson, Stewart e Lautner, principalmente por trabalhar com elementos simples e de fácil identificação por parte de seu público-alvo. Mas aqueles que estão realmente felizes são seus produtores, que se encontram neste momento, fantasio eu, nadando numa piscina de dinheiro obtido com a arrecadação do filme, ao melhor estilo Tio Patinhas. O faturamento do filme é tão gigantesco que certamente acabaria com a fome em algum país terceiro-mundista. Mas quem está preocupado com os famintos quando temos na tela uma produção tão relevante? E que venha Eclipse!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Espaços Exíguos

Meu final de semana cinematográfico foi composto de dois filmes que, a priori, não tem relação alguma: O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski e 12 Homens e uma Sentença, de Sidney Lumet. Disse “a priori”, pois hoje me peguei tentando, não sei por que cargas d’água, estabelecer alguma relação entre ambos, num impulso de análise que me levou, finalmente, a achar uma semelhança entre eles: a exiguidade dos espaços onde se passam as tramas, seja ela por representação psicológica e/ou espaço físico.

No filme de Polanski, o tal bebê, sujeito do título, nada mais é do que ponto inicial para a desestabilização de Rosemary, mulher que acabou de se mudar com o marido para um prédio de onde saem as mais escabrosas histórias, tidas como parte do folclore inerente a qualquer grande cidade estadunidense. A ambigüidade, ponto mais marcante do filme, faz com que fiquemos sempre com a dúvida: estaremos vendo uma conspiração satanista ou simplesmente a instabilidade psíquica da protagonista, que vê em tudo e todos algo que sua mente fabricou, seja por um mecanismo de defesa ou por qualquer outro motivo que nos foge a compreensão? É um filmaço, muito bem interpretado e orgânico. Não é propriamente “terror”, como muitos dizem, e quem procura sustos nele, irá achar a frustração. Considero-o uma alegoria psicológica, uma espécie de estudo de personagem, destes a que Polanski já tinha nos proposto em obras anteriores, como no delirante Repulsa ao Sexo. Por falar neste filme, ele, somado a O Bebê de Rosemary e O Inquilino, formam a chamada “trilogia do apartamento”, já que o trio comunga do mesmo cenário master.

O filme de Lumet é calcado no conflito. Doze jurados têm a missão de decidir o futuro de um jovem de dezoito anos, a quem a promotoria acusa, com provas quase que irrefutáveis, de ter matado seu pai. Para que o veredicto seja aplicado, é necessária a unanimidade, ou seja, que os doze jurados votem pela absolvição ou condenação do jovem à cadeira elétrica. Ocorre que na primeira votação, há onze que optam pela condenação e um que vota pela inocência, não propriamente porque acredita na falta de culpa do acusado, mas porque crê que, em se tratando de decidir o rumo de uma vida, precisam discutir mais, debater e analisar com mais calma as evidências. O que se vê em um pouco mais de uma hora é um emblemático e instigante debate que transcende o ponto de discussão, que expõe, por meio dos doze tipos, algumas características da sociedade americana, e porque não, de todas as sociedades, tais como preconceito, apatia, falta de personalidade, egocentrismo, entre outros. É outro filme memorável, que junta um roteiro brilhante com uma direção das mais difíceis. Lumet criou uma obra predominantemente dialética, deixando de lado qualquer tendência formalista.

Os ambientes são personagens, em ambos filmes.

Em O Bebê de Rosemary, temos de início a felicidade do casal composto por Mia Farrow e John Cassavetes, que vê na mudança para o apartamento novo a oportunidade de mudar de fase, de dar uma guinada positiva em suas vidas. Eles chegam, alteram o visual lúgubre do local, enchendo as paredes e os objetos de decoração de uma claridade que os faz sentir realmente em seu lar, doce lar. Digo que o apartamento do filme é exíguo, não por ele ser acanhado, desconfortável, mas por simbolizar uma delimitação da ação, e a medida que a mesma avança, ele vai se configurando, mesmo que de maneira velada, num dos potencializadores da instabilidade da personagem de Mia Farrow, já que faz divisa com a moradia dos vizinhos de quem ela tanto suspeita. Corredores estreitos, “passagens secretas” e ângulos reducionistas fazem do apartamento de Rosemary um local de clausura, um calabouço labiríntico de impacto dramático, menos direto, é verdade, do que o habitado por Catherine Deneuve, em Repulsa ao Sexo (este sim um filme em que Polanski transforma o “espaço” em personagem quase que pulsante), mas igualmente cenário que auxilia na construção narrativa. Já em 12 Homens e uma Sentença, Lumet encarou a difícil tarefa de ambientar seus personagens e história dentro de uma pequena sala de júri, onde ocorre o desenrolar da trama, em meio a discussões, divergências e embates entre os doze homens irritados, como explicita bem o título original. Neste caso, o cenário diminuto é, primeiramente, artifício de acuação, pois os personagens, imagino eu, sentem-se quase que presos, o que potencializa, e muito, o clima de tensão no qual estão inseridos. Junte isso ao fato da história se passar num dia de extremo calor, e a sala não possuir um item de ventilação que funcione, a não ser suas janelas, e teremos outro elemento que, psicologicamente, contribui para a inflamação dos ânimos entre os que acham o acusado culpado e os que ainda creem na insuficiência de provas e na necessidade de mais análises e debates a cerca do caso. Por mais que haja diferenças óbvias entre o apartamento de Rosemary e a sala de júri onde se passa o filme de Lumet (a repressão do segundo é mais latente, enquanto no primeiro o local tem um efeito mais sutil) ambos se prestam a bons exemplos de como um bom diretor, ciente de suas intenções, busca no elemento “cenário” o apoio necessário para refletir, seja sobre os processos mentais (esotéricos?) de uma personagem, ou mesmo para potencializar estados de ânimo. Duas aulas de cinema, indubitavelmente.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Angústia Lunar

Em resumidas palavras (recurso do qual me valho neste texto não por preguiça, e sim por medo de que o mesmo adiante detalhes cruciais da trama a quem ainda não viu o filme), Lunar fala sobre um homem que reside a trabalho numa base lunar. Ele, Sam Bell (numa arrebatadora interpretação de Sam Rockwell), vive a expectativa de voltar para casa, para sua esposa e filha, após três anos de extrema solidão, atenuada, é verdade, pela presença quase humana do computador Gerty, que zela por ele.

A estreia de Duncan Jones no cinema não poderia ser mais promissora. Longe de ser apenas o filho do ícone do rock David Bowie, o diretor, que em Lunar também é um dos roteiristas e responsável pelo argumento, mostra uma clara vocação para o ofício de narrar. Seu debut, que vem sendo merecidamente elogiado pela crítica internacional pelo vigor e pretensão justificada, apresenta ecos de Stanley Kubrick e Andrei Tarkovsky, autoridades da ficção científica espacial com seus trabalhos contemplativos, lentos e existenciais. Muito bem poderia Duncan ter utilizado estas referências mais óbvias como muleta, se valendo da arte de “homenagear” como subterfúgio para justificar o "requentamento" de clichês e elementos que em obras seminais fizeram a diferença por seu caráter vanguardista. Felizmente, o que Lunar denota é que Duncan não pretende apenas figurar no showbizz como filho de Bowie, e que ele também não se mostra propenso a ser mais um acomodado imitador. Talento, ele parece ter de sobra.


sábado, 7 de novembro de 2009

Anselmo Duarte (1920 - 2009)

Morreu, na noite de ontem, Anselmo Duarte, um dos mais importantes artistas do cinema brasileiro. Dizem os críticos mais empedernidos que foi homem de uma obra só, aquela que detém, até hoje, o relevo de ser o único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, este o mais significativo prêmio do cinema mundial, no que tange sua abordagem como arte. O Pagador de Promessas foi ovacionado em sua passagem pelas telas francesas em 1962 e reza a lenda que foi o crítico e cineasta François Truffaut quem puxou o aplauso que garantiu a inesperada Palma de Ouro para o filme. Anselmo foi duramente criticado em seu próprio país pelos cinemanovistas, pois, segundo eles, realizava apenas filmes comerciais e apelava à estética de Hollywood. A verdade é que não se pode negar duas coisas: a relevância de Anselmo Duarte para o cinema nacional, mesmo por seus filmes menos reconhecidos pela crítica, já que sua carreira tanto de ator como de diretor é bastante extensa, e a importância de O Pagador de Promessas, sua obra maior. O filme é magnífico, e mesmo visto hoje, mostra uma resistência impressionante à passagem do tempo. A história de Zé do Burro é um dos grandes marcos do cinema brasileiro, nascido em plena efervescência do Cinema Novo, num registro à margem da estética proposta por este que foi o maior movimento cinematográfico que o país já presenciou. Acertaram em muitas coisas os cinemanovistas, mas erraram feio ao discriminar O Pagador de Promessas, fechando os olhos para suas inegáveis qualidades e importância. Ainda bem que, se a lenda é verídica, Truffaut ergueu as mãos ao final da projeção francesa e bateu palmas à obra de Anselmo.

Clique aqui para ler uma crítica que escrevi sobre O Pagador de Promessas quando vi o filme pela primeira vez.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Elegância do Rústico

Olá, caro amigo-leitor!
Eis novamente minha presença ativa, quanto a postagens, neste espaço, passadas três décadas inteiras. Por favor, me permitam a exacerbação dos fatos, o que acaba destoando da realidade, já que a idade que tenho adicionada à deste blog, não totalizam o tempo descrito acima. Todavia, uma pitada de drama normalmente desperta certo sentimento de indulgência nos indivíduos.

Bom, chega de divagação ou, como diria o Celo, Filosofia do Bar 13. Seria incorreto de minha parte não compartilhar as impressões que tive acerca do livro datado de 2006, A Elegância do Ouriço, da francesa Muriel Barbery. A história é construída a partir do edifico de classe alta da Rue Grenelle, número 7 e duas de suas moradoras: Paloma Josse, uma garota-gênio prestes a completar 13 anos, a qual possui tendência suicida e a Sra.Michel, para os mais íntimos, e são poucos, simplesmente Renné, a concierge (zeladora) que usa dos estereótipos de sua profissão para ocultar uma mente fervilhante e ávida por conhecimento e arte.

Interessante como Barbery edifica as personagens, essencialmente as duas que dividem as vozes narrativas da trama, Paloma e Renné, essa última nitidamente com mais espaço e força no decorrer das 350 páginas da versão em português. A consciência comungada pelas protagonistas do mundo e de suas engrenagens, destinada à penumbra por muitos, gera uma visão tomada de resíduos putrefatos, local onde a luz e a beleza ganham maior esplendor. Embora em dados momentos o livro se perca em apontamentos recorrentes da arte, conferindo tom pejorativamente pop ao clássico e artístico, a leitura é extremamente prazerosa, comovente e, citando sem citar seu final, surpreendente.
Então, fica a dica e até breve.