terça-feira, 28 de maio de 2013

Uma bela forma de começar

Tempos atrás, numa mistura de curiosidade e necessidade profissional, fui até um sebo da cidade e adquiri alguns gibis em bom estado. Tinha consciência de que aquelas publicações visavam atingir faixa etária não compatível com a minha, mas e daí? Bom, mesmo assim, comprei duas ou três revistinhas infantis.

“Turma da Mônica”, do genial Mauricio de Sousa, é destinada a crianças, todavia contém enredos interessantíssimos, onde, por meio da aparente simplicidade, há tramas e personas muito bem amarradas. Os tipos ali expostos são fortes, ricos e expressam angústias e alegrias comuns nas mais diversas idades do ser humano.

Quando pequeno, não me interessava por palavras e suas ligações. Longe de ser hábito, a leitura era sofrível, surgindo apenas perante obrigatoriedade curricular. Mas não fecho os olhos para o fato de Mauricio e sua Turma terem iniciado vários leitores Brasil afora e, claro está, pelo mundo também. Meu caso foi diferente, é diferente. Nunca é tarde para começar. Não, não do começo em si. Começar a lançar os olhos para o lado e enxergar um caminho paralelo e encantador.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Doses Homeopáticas #02



Sobre o cinema de Kathryn Bigelow, troco fácil seus dois últimos e alardeados filmes – Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura – por CAÇADORES DE EMOÇÃO, de 1991. Nele, uma gangue fantasiada de ex-presidentes americanos toca o terror nos bancos de Los Angeles até que um policial novato resolve seguir o palpite improvável de seu parceiro: todos seriam surfistas querendo curtir veraneio eterno. A relação estabelecida entre o homem da lei disfarçado (Keanu Reaves) e o assaltante (Patrick Swayze), algo entre a admiração e a necessidade mútua de anulação, é o principal tempero desse molho repleto de energia e ótimas sequências.


GOODBYE SOLO é o menos pungente dos filmes de Ramin Bahrani, o que não significa demérito algum, tendo em vista uma obra ainda pequena, porém feita de humanismo e muito talento. A metáfora está lá, para quem quiser ver, pois o único personagem profundamente americano do longa quer se suicidar e encontra amizade e carinho num sorridente imigrante senegalês.  O filme de Bahrani destaca-se pela sobriedade, é construído muito nas expressões dos personagens, como bem apontou uma das minhas companheiras de sessão. Imagem e fala são complementares na criação de múltiplas significâncias, algo raro não apenas no cinema americano de hoje em dia.


Claro que o roteiro de EM TRANSE é calcado em trapaças constantes. Há muitas guinadas desviando nossa atenção dos verdadeiros fatos, e embaralhar realidade com memórias ora verdadeiras ora falsas ajuda bastante essas curvas abruptas. Mas também é fácil notar que de tanto ir e vir o filme poderia ter caído num lamaçal de chatice não fosse a habilidade de Danny Boyle que urde tudo com dinamismo imagético e sonoridade esperta. Filme bom para ver no cinema, com tela grande e som potente.  E, cá entre nós, na contemporaneidade pudica, filmar uma genitália feminina depilada como Boyle faz em EM TRANSE é sinal não apenas de liberdade, mas de coragem.


Ricardo Darín está impagável em UM CONTO CHINÊS, outro daqueles filmes que nos mostra a força do cinema argentino, convenhamos, o melhor da América do Sul há um bom tempo. A barreira linguística não impede os protagonistas de criarem laços benéficos a ambos. O chinês ganha teto e um amigo; já o argentino, mesmo obrigado, se abre à convivência para respirar outros ares que não os viciados por suas pequenas rotinas e obsessões. Absurda é a vida, mais que a ficção.  Como seres tão díspares podem encontrar apoio um no outro? Ora, na mesma medida em que uma vaca caiu do céu ou aquele amor improvável bate à nossa porta.


DEPOIS DE MAIO. Tá aí um filme de rara inteligência sobre o pós-maio de 1968. Os jovens continuam nas ruas, pichando, fazendo protestos em prol da revolução, contudo “o sistema” tolhe deles isso aos poucos. Só se pode revolucionar na juventude, parece constatar Olivier Assayas com certo amargor, pois os anos passam e as responsabilidades da vida adulta nos tornam meio conformados. A reconstrução de época é impressionante, estamos frente a outra era, antes tão viva só em livros de história e imagens de arquivo. Como de costume, Assayas lança luz sobre a desilusão, o papel e a relevância da arte, num filme sobre garotos e garotas querendo mudar o mundo. E quem nunca quis? Por que perdemos isso?

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Vale a pena ver de novo?




Sexta-feira, dia 17, foi exibido o derradeiro capítulo da novela das nove Salve Jorge, reprisado no sábado. Depois de muita polêmica, torcida fervorosa por Morena & Companhia Ltda, Glória Perez apresentou o desfecho que, como de costume, não agradou a todos.

Pois bem, mas por que afinal o The Tramps dedicaria espaço para abordar a produção da Rede Globo? Simples, bem simples: discutir algo bem complexo. Tentar compreender a influência (positiva x negativa) dessa narrativa tão tradicional em nossa telinha junto ao seu público consumidor. Claro, de maneira breve e sucinta.

O roteiro das telenovelas é previsível, chega  a ser quase cômico. Ele parte de uma matriz, de um molde e, então, constrói personagens tipificados, numa estrutura narrativa já consolidada. Há diversas facetas para explorarmos, mas pretendo apenas apontar algumas delas e promover a reflexão no leitor mais interessado no assunto.

Apesar dos pesares, podemos enxergar nas novelas, sobretudo as da Globo, ângulos bastante positivos. A grande evolução técnica da televisão, bem como a demanda por profissionais capacitados nas mais diversas áreas, contribui, ao menos em tese, à ascensão do cinema. Ganhamos força na dramaturgia, tendo em vista as oportunidades, inclusive financeiras, obtidas pelos nossos intérpretes. Essas produções tornam-se importantes produtos de exportação, quando consumidas de forma expressiva numa dezena de países. Além disso, sugerem temas pertinentes, como tráfico de pessoas, mesmo sob linhas tortas.

Agora, os pesares. Elas hipnotizam, cegam e propagam a superficialidade na leitura. O entretenimento puro e simples é a bola da vez. Depois de um dia conturbado, cheio de problemas e questões ainda pendentes, nada melhor do que relaxar, se deixar levar pela onda mais fraca e manter o cérebro em stand-by. As pessoas interagem com o aparelho, conhecem personagens e criam vínculos afetivos com eles, sabem tudo o que vai acontecer, e acham o máximo quando seus prognósticos e apostas mostram-se certeiros. Isso traz prazer, fornece sensação de competência e mostra que você é esperto, é capaz.

Todo esse quadro, timidamente esboçado acima, engendra os telespectadores em duas perigosas armadilhas complementares: o comodismo e o hábito. O lindo ímpeto da mudança, o qual nos torna seres em pleno movimento e capazes (de fato) de crescer, sofre de anemia crônica. Não sentimos mais com a mesma intensidade, nem com o mesmo prazer. Nosso mundinho fica mais mundinho ainda com o passar dos dias, tal qual um zumbi em busca de carne. Uma busca vazia e estritamente pragmática, sem vida. E hoje tem mais.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A arte da síntese

Bom, pessoal, este é um post relâmpago, mas quero compartilhar algo que venho pensando há algum tempo: as tirinhas, afluentes da arte quadrinista, são belas aulas de síntese, coesão, coerência e retórica ágil. Pois bem, aonde quero chegar? Aparentemente tímidas, elas nos ensinam muito sobre criar micro-histórias eficientes, lições bastante úteis para qualquer arte, seja pictórica, musical, literária ou cinematográfica. Afinal, arte é o dom de cortar (palavras, formas e sons). O que fica é o que conta, o que eu quero e o que você tem pra contar.


domingo, 12 de maio de 2013

Killer Joe – Matador de Aluguel


O conceito “família disfuncional” adquire contornos de crueldade em Killer Joe – Matador de Aluguel, o mais recente filme de William Friedkin, diretor de, entre outros, O Exorcista. Nele topamos com Chris, rapaz que resolve lançar mão de um expediente quase inumano na busca do dinheiro necessário para quitar sua dívida com traficantes: matar a mãe e apossar-se da apólice cuja beneficiária é Dottie, a irmã mais nova. Para isso, precisa das cumplicidades da bela jovem, do pai e da madrasta. Todos aceitam, sem muitos sinais de remorso ou quaisquer embates internos que inviabilizem o ato iminente. Contratam, então, Joe, policial e matador de aluguel, para dar cabo do serviço.

O plano e o possível assassinato são apenas catalisadores da dinâmica familiar doentia, o verdadeiro substrato de Killer Joe – Matador de Aluguel. O rapaz, que esquematiza a morte da própria mãe para livrar sua pele, conta com a anuência do pai ao passo que é acometido pelo desejo de possuir a quase infantilizada irmã (e o sonho dela se insinuando nua mostra isso). Sem dinheiro nem escrúpulos, Chris irá penhorar também Dottie como salvaguarda dos direitos do homicida, caso algo dê errado e o pagamento em dinheiro não ocorra. Aqui os tipos são cria de um mundo lapidado pelo conceito da sobrevivência a qualquer custo. Esqueça rompantes de heroísmo e nobreza, cada um atuará para satisfazer suas próprias necessidades.

Intenso, Killer Joe – Matador de Aluguel é um filme bastante diverso dos vistos comumente no nosso circuito, justo pelas qualidades apresentadas. É ancorado na narrativa dura que amplifica os eventos da trama, não pressupondo espectadores infantilizados, e no desempenho vibrante do elenco, aliás, duas das marcas registradas de Friedkin, diretor que ajudou a salvar Hollywood noutros tempos. Falando em atuações, Emile Hirsch, Juno Temple e Thomas Haden Church estão ótimos em seus respectivos papeis, mas se alguém rouba a cena é Matthew McConaughey. Sua construção de um Joe ao mesmo tempo frio e explosivo é completamente inexcedível e digna de prêmios.

Convém não analisar as reviravoltas da história - esmiuçá-las traria prejuízo aos que ainda não assistiram, porém pode-se dizer: elas temperam sobremaneira as relações entre os personagens. O criminoso Joe é agente dessa ciranda sórdida, espécie de “anjo exterminador” surgido para expurgar a família de seus pecados, sendo ele próprio pecador confesso. No ato derradeiro, William Friedkin cria sequência digna de antologia com a reunião dos protagonistas numa conversa repleta de representações, sarcasmo, tensão e violência, esta física (bem gráfica) e psicológica. No fim, o fade – out traz angústia porque nos priva do porvir. E agora? As trevas da ignorância são ideais para encerrar um longa fortíssimo como Killer Joe – Matador de Aluguel.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Cinema a Dois | Hal Hartley


Parceria com a querida Ana Carolina Grether, a série Cinema a Dois se propõe investigar os filmes de determinado cineasta, geralmente alguém cujo trabalho não chega com facilidade às massas. Escrevemos no calor do momento, logo quando findas as sessões.

O primeiro criador escolhido foi Hal Hartley, de quem, confesso, nada conhecida. Indicação da Carol, atenta ao artista à margem da indústria, um independente nato.

Após a audiência dos longas (não todos da filmografia, mas a maioria), o Cinema a Dois - Hal Hartley chegou ao seu último capítulo. Devo expressar minha alegria por fazer parte de algo assim, tão divertido como enriquecedor. Os textos estão publicados no bluevelvet blog. Fica o convite para a leitura.


Em breve o Cinema a Dois estará de volta, focando outro cineasta que acreditamos merecer atenção. Até lá.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Por que investir em cultura?



Fala-se muito sobre investimentos em cultura, geralmente pífios e quase que insignificantes. Boa parte dos críticos às políticas públicas voltadas ao setor defende somas mais volumosas e significantes do Estado. Pois bem, mas por que “gastar” dinheiro em cultura e não em educação, outro segmento alvo de negligência daqueles cuja missão é nos representar?

Toda essa questão veio à tona após assistir à ótima entrevista de Muniz Sodré concedida ano passado ao programa Roda Viva da TV Cultura. Sodré figura entre os mais respeitados intelectuais brasileiros da contemporaneidade, sobretudo quando o assunto é sociologia e/ou comunicação social. Em sua fala, coesa e bastante lúcida, permeiam anos de experiência em sala de aula e, como tema principal, a educação.

Não podemos negar a condição sôfrega de nossa educação, tanto escolar quanto familiar. Limites disciplinares inexistem ou, ao menos, estão presentes como oásis: ora miragens, ora efetivamente reais (momentos cada vez mais raros). Sem uma base sólida, rígida, tudo fica maleável, inclusive caráter e cidadania. Isso vem trazendo há anos gastos exorbitantes em segurança pública e uma verdadeira enxurrada de programas sociais objetivando recuperar e não prevenir a ruptura da ordem necessária ao bom convívio em grupo.

Nesse quadro, incentivos em produção artística e cultural são importantíssimos, na medida em que auxiliam na formação de uma identidade nacional clara, além de propiciar a reinvenção de si mesmo (produtor) e do outro (consumidor/espectador). A expressão cultural desperta, abre brechas, amplia visões, preenche lacunas, coloca em xeque o que cerca o indivíduo e fomenta a reflexão. Povo com poder de reflexão é povo livre, povo que partilha e fortalece a democracia real.

Apesar da arte não escolher condição financeira, raça e grau de instrução, ela é prejudicada quando a população tem porcentagem preocupante de analfabetos funcionais. Educação e cultura, portanto, não devem ser entendidas como excludentes, e sim como complementares. Devem andar juntas, de mãos dadas, feito melhores amigas. Enquanto isso, o Governo adota uma política secular, e que tem lhe rendido milhões de votos Brasil afora: pão e circo. Assim fica difícil, bem difícil.

domingo, 5 de maio de 2013

Doses Homeopáticas #01



Alain Resnais é uma lenda viva. Sua contribuição para o avanço da linguagem cinematográfica já está lá, impressa nas páginas da história. Não contente, vem ele aos 91 anos com um diálogo aberto entre cinema e teatro, em VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA. Confesso ter achado o início genial, mas depois, quando desfraldado o caminho a ser percorrido, tudo meio enfadonho na proposta de imbricar atores e seus respectivos personagens da peça Orpheu e Eurídice. Cenários artificiais, figuras de interpretação duplicada, às vezes triplicada, e o que ficou para mim foi a beleza da própria peça, acima da forma utilizada por Resnais para contá-la.


Baseado na canção Olhos nos Olhos¸ de Chico Buarque, O ABISMO PRATEADO é circunscrito na tradição das obras mais voltadas à criação de sensações que propriamente ao desenvolvimento direto e reto de uma trama. Violeta é abandonada pelo marido, e a partir daí vemos a imediata absorção da dor e seus desdobramentos. Muito barulhento e urbano, o filme falha, a meu ver, não por apostar na reiteração e nos tempos mortos para transbordar de Violeta ao público o lado menos tangível da perda, e sim por fazê-lo exasperando esse caráter lacunar.   


CABRA MARCADO PARA MORRER em tela grande e cópia nova é experiência e tanto. O longa mais famoso do cineasta Eduardo Coutinho, mesmo atento a uma época, envelhece pouco se retermos dele sua atemporalidade: a luta de classes, os desmandos dos latifundiários (empresários) e a força do povo.  Pessoas humildes de pouca escolaridade se apresentam como força motriz da revolução camponesa nordestina, a inteligência da sociedade orgulhosa de sua cultura acadêmica, porém cega diante dos problemas mais elementares. A recordação, o filme dentro do filme, é só um afluente, pretexto para a criação de algo que realmente discute o Brasil.


SOMOS TÃO JOVENS não é um grande filme. A preocupação do roteiro em dar conta de TUDO acerca de determinado período (grande) da vida de Renato Russo exclui, por pressa, dos momentos em si um tanto de sua real importância. Há também olhar pudico, sobretudo com relação ao sexo. Contudo, há beleza no registro daquela geração emblemática do rock brasileiro. Renato às vezes soa quase como moleque mimado e irritante na tela, mas quem disse que ele não era assim mesmo? As revoltas e chiliques desse “punk de apartamento” no seio da burguesia (assim ele é pintado), em nada diminuem seu talento poético.


Ainda que seja refém de algumas soluções fáceis (nós desatados quase como num passe de mágica), DUETS - VEM CANTAR COMIGO tem personagens interessantes, trilha sonora inspirada e alguns momentos de graça genuína. O inusitado encontro de tipos tão diferentes em busca de sucesso num circuito de karaokê é base para algo que, ainda de soslaio, discute a pátria-mãe América e seus órfãos desgarrados. Fora isso, os números musicais são ótimos e até Gwyneth Paltrow, tão insossa, sai-se muito bem. Um filme que se deixa ver entre a emoção e o deleite sonoro.

sábado, 4 de maio de 2013

O Segredo do Grão


Protagonista de O Segredo do Grão, o sessentão Slimane é daquelas pessoas a quem o mundo parece ter vencido. Seu emprego no estaleiro logo vai por água abaixo e a vida entre a grande família da qual se divorciou, a nova companheira e sua enteada, esmaga-o como se já não bastasse o fardo de ser árabe no entorno socialmente desfavorável a estrangeiros. Sim, porque sob a superfície a sociedade francesa é das mais fechadas do mundo, arredia aos chegados de fora em busca de sobrevivência. Esse senhor de semblante cansado sonha em abrir restaurante num barco então caindo aos pedaços, provavelmente para dar algum sentido aos anos porvir.

O diretor Abdel Kechiche opta corajosamente por registro ultra-realista, inclusive com sequências acontecendo em “tempo real”. Os mais afoitos podem se chatear nas longas passagens, sobretudo à mesa onde de pouco em pouco aparecem intrigas, dissimulações e mágoas, entre outras fibras do tecido familiar.  O Segredo do Grão é também dos filmes em que o protagonista surge onipresente, mesmo quando afastado do primeiro plano. Slimane é o centro da trama, tudo se desfaz e se refaz ao seu redor, quem sabe pela consciência diretiva da função patriarcal cara à cultura árabe.

Os filhos são reflexos dos pais? Em O Segredo do Grão algo da problemática filial parece mesmo conectada ao comportamento (bom e ruim) dos progenitores. Por exemplo, Slimane nem ao menos esboça vitalidade para influenciar o destino de qualquer descendente. Sentir-se-ia ele incapaz moralmente de tomar partido das situações? O homem parece ligado à família erigida no passado ao ponto de sentir dificuldades no relacionamento atual, como se algo de culpa (ou senso de dever) nunca o tivesse o abandonado. Interessante a dinâmica entre ele e a enteada, outra personagem central por conta do comportamento motivador assumido.

Em mais de duas horas e meia, O Segredo do Grão traça painel multifacetado de gente inserida num contexto difícil, social e afetivamente falando. Alguns podem fatigar-se pela crueza das imagens e situações totalmente desprovidas de enfeites, duras no sentido mais humano da expressão. Já os devidamente inseridos na proposta terão a sensação complexa de amar os personagens por suas falhas. Todas as famílias felizes se parecem, já diria Tólstoi, e quem não há de encontrar algum paralelo entre a de Slimane e sua própria?

A festa de apresentação do restaurante, onde se busca a validação da sociedade local, é latente exemplo de como culturas externas ainda penam na França contemporânea. O final dispensa respostas e felicidades calculadas. Às vezes nem todo esforço do mundo basta para mudar comportamentos e realidades tão arraigados.  


Publicado originalmente no Papo de Cinema