sábado, 21 de março de 2009

Crítica: Deixe Ela Entrar

Direção: Tomas Alfredson
Roteiro: John Ajvide Lindqvist
Elenco: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar, Henrik Dahl, Karin Bergquist, Peter Carlberg, Ika Nord e Mikael Rahm.

Não são novidades para o cinema produções sobre a figura mitológica de vampiros, e há muito tempo o assunto é abordado em filmes ora bem realizados, como Entrevista com o Vampiro, de Neil Jordan, ou em baboseiras comerciais como sua sequência, A Rainha dos Condenados. Em geral, o que falta a essas produções menos interessantes é o que Deixe Ela Entrar apresenta em demasia, como personagens bem construídos, que por sua vez estão justificados em uma trama inteligente, realizada com o propósito principal contrário ao de proporcionar apenas entretenimento.

No início do filme conhecemos Oskar, um garoto de aparência incomum que vive praguejando contra alguns colegas de escola, que costumeiramente o agridem. Enraivecido pelas chacotas e perseguições diárias, Oscar teme as revidar. É durante um desses momentos de indignação que ele conhece Eli, uma estranha nova vizinha, que aos poucos demonstra possuir grandes habilidades, não sentir frio e que apenas sai de casa durante a noite. Para o espectador, é o suficiente para compreender o segredo da garota.

O relacionamento dos dois cresce à medida que percebem a solidão os assola. Enquanto Oskar opta pelas frias e solitárias brincadeiras fora de casa, deixando a mãe e a televisão para trás, Eli o procura cada vez mais por sentir uma conexão com o garoto. A vampira pré-adolescente aos poucos vai dando pistas de sua real identidade à Oskar, mas este se mostra despreocupado, interessado primeiramente na companhia e cumplicidade da garota.

A complexidade dos personagens centrais apenas aumenta conforme a história se desenvolve, e a gama de sentimentos que ambos dividem fica implícita, aparente apenas por pequenas indicações e traduzida em uma interessante metáfora: o vidro que separa o encontro das mãos dos protagonistas em um determinado momento, embora não seja um recurso visual inovador, representa a barreira presente no relacionamento dos dois, que mesmo estando muito ligados, possuem um obstáculo intransponível que entre eles.

O roteiro de John Ajvide Lindqvist é instigante por esses e outros motivos, quando exige do espectador a interpretação de certos fatos que expõe durante sua construção, e nunca os esmiúça para assim facilitar sua inteligibilidade. O roteiro dá o tempo exato necessário para que as duas tramas paralelas do filme se desenvolvam, amadurecendo sem pressa o rancor de Oskar por aqueles que o humilham na escola, enquanto compõe seu estranho amor por Eli, dando ênfase também na condição maldita que dificulta a vida da garota. Lindqvist, renomado escritor sueco, adapta em Deixe Ela Entrar seu livro homônimo, e por isso é possível confiar na transposição do texto para a tela de forma fidedigna, sem exagerar no que é convencional ou recorrente em filmes do gênero. O escritor, fã confesso de Morrissey, não esconde ainda que o título de seu livro e filme são baseados em uma composição do cantor, chamada Let The Right One Slip In, que diz o seguinte em determinado trecho: “Eu diria que você tem todo o direito de dar uma mordidinha na pessoa certa e dizer: ‘O que fez com que você demorasse tanto?’”.

Na direção, Tomas Alfredson também responde pelas escolhas inteligentes para compor a história do envolvimento dos dois adolescentes. O diretor opta por cenas que privilegiam seu elenco e o texto de Lindqvist, valorizando com paciência a trama que, caso fosse acelerada, perderia muito de seu significado. Alfredson mostra também imensa habilidade na condução dos dois jovens interpretes, ainda mais quando seu filme exige de ambos a capacidade de tornarem seus personagens críveis, em meio à ficcionalidade metafórica proposta pelo projeto.

Mesmo que algumas vezes Alfredson e Lindqvist entreguem o filme a certas obviedades, como o corpo que aparece em um lago congelado, são várias as sutilezas que ambos inserem em Deixe Ela Entrar, tornando o longa muito mais provocador. O personagem que mora com Eli e que é seu servo, por exemplo, é apresentado através de uma figura paterna, mas poderia com alguma interpretação ter sido outro envolvimento da garotinha, que esteve ao seu lado por muito tempo enquanto envelhecia, contemplando a imortalidade dela. O pai ausente de Oskar é outro caso interessante. Quando está com o garoto ambos se mostram extremamente cúmplices e afetuosos um com o outro, mas a chegada de outro homem à casa do pai deixa o garoto bastante desconfortável. Quem seria ele? Apenas um amigo ou poderia tal personagem ser um atual envolvimento romântico de seu pai? Essas e outras indagações podem surgir e, mesmo não sendo respondidas, apenas acrescentam ao longa a qualidade de não se desenvolver repleto por explicações que não acrescentariam muito à trama.

Como não poderia deixar de ser após a repercussão de Deixe Ela Entrar, criticado positivamente em muitos festivais e vencedor de mais de 40 prêmios mundo afora, Oskar e Eli ganharão suas versões americanas, em um filme comandado por Matt Reeves, diretor de Cloverfield. Aproveitando-se talvez do fenômeno adolescente Crepúsculo, teremos em breve outro exemplo do cinema comercial americano atual, extremamente carente de originalidade, que importa produções aos montes para suprir a falta de competência da maioria de seus profissionais. Felicidade para aqueles que conhecerem a obra original antes.

Nota: 8,0