Direção: Yojiro TakitaRoteiro: Kundo Koyama
Elenco: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Ryoko Hirosue, Kazuko Yoshiyuki, Kimiko Yo e Takashi Sasano.
Uma das maiores surpresas da cerimônia do Oscar em 2009 ocorreu na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira, onde dentre os premiáveis se encontrava o vencedor da Palma de Ouro em Cannes Entre os Muros da Escola e também o muito elogiado Valsa com Bashir. Eis que o prêmio foi parar nas mãos do japonês Yojiro Takita por seu drama A Partida. A surpresa aconteceu para a maioria e até mesmo para o diretor pela grande expectativa na disputa entre os dois filmes supracitados, o que não tira o mérito do belo drama japonês, que mereceu esta e outras honrarias recebidas.
Daigo Kobayashi é um músico que presencia a dissolução da orquestra em que toca violoncelo. Surpreendido pela situação e sem muitas opções, decide deixar Tokyo e retornar à sua cidade natal junto com sua esposa. Já vivendo no local e em busca por uma nova profissão, após relutar contra a ideia, passa a trabalhar em uma funerária, no meticuloso e antigo processo japonês de preparar corpos sem vida para cerimônias de despedida. Ganhando mais que o suficiente para viver, Daigo permanece sem aceitar muito bem o que faz, escondendo o fato de sua esposa e daqueles que o cercam, que acreditam que ele trabalha em uma agência de viagens.
Yojiro Takita, que dirige A Partida, é bastante conhecido no oriente por uma série de filmes eróticos classificados como filmes ‘pink’, onde o roteiro não é descartado e todo o sexo é apresentado de maneira mais leve, ou seja, uma espécie oriental de pornôs softcore. O diretor assume que encarava tais produções como quaisquer outras e diz que apenas com esses e outros projetos conseguiu desenvolver seu feeling cinematográfico. A Partida demorou mais de 10 anos para ser concluído desde que o diretor teve o primeiro contato com o roteiro de Kundo Koyama, quando aceitou dirigir a história do escritor estreante.
A maneira de Takita apresentar o percurso do violoncelista que passa a ser considerado uma espécie de burakumin – casta japonesa historicamente descriminada por suas profissões, consideradas sujas – é ora bem sucedida, ora incorreta, pois o filme abusa do humor, o que quebra o ritmo narrativo da produção, para abordar de forma leve um assunto considerado ainda tabu: a morte. A cena em que a esposa de Daigo descobre sua profissão é um dos exemplos: com potencial para ser um dos momentos mais sérios do filme, em que existe o confronto entre o amor que ela sente por ele e a repulsa por sua profissão, os toques cômicos acabam prejudicando toda a sequência, assim como a atuação caricata de Ryoko Hirosue, linda atriz que infelizmente parece uma personagem de animação japonesa.
Além das atuações exageradas de parte do elenco, o humor recorrentemente empregado em A Partida é apenas um de seus problemas, que refletem a inexperiência de Koyama como roteirista. Algumas escolhas são desnecessárias e criam uma aura melodramática desnecessária para o filme, como a subtrama de Daigo com seu pai desaparecido, que possui um desfecho bastante previsível. O principal ponto elogiável do texto de Koyama são, evidentemente, suas escolhas por inserir sua história em um contexto belo e acessível a um tema sombrio, tradicionalmente abordado no cinema em dramas densos ou em comédias escrachadas.
Como não poderia deixar de ser, por contar a história de um violoncelista, a trilha sonora de A Partida é linda e feita para ser ouvida muitas vezes mesmo após o término do filme. Joe Higashi, colaborador habitual do estúdio japonês Ghibli que compôs a trilha de vários dos filmes de Hayao Miyazaki, insere composições de Brahms, Beethoven e Schubert que aprofundam ainda mais o filme de Takita. Em um de seus grandes momentos vemos Daigo, interpretado pelo carismático Masahiro Motoki, tocando seu pequeno violoncelo no topo de uma colina, em uma mesma sequência onde se mostra o protagonista preparando alguns rituais fúnebres de diferentes religiões – sempre apresentados de forma poética pelas câmeras do diretor.
Em suma, A Partida funciona e consegue o difícil feito de ser um drama agradável, enquanto narra os momentos de transição na vida de um personagem que, mesmo carecendo de certa veracidade, funciona perfeitamente na ficção. E o Oscar, mesmo se tornando um prêmio que cada vez menos pode ser levado a sério, brilha merecidamente na prateleira de Takita.

Fugirei da tentação de começar este texto versando sobre a pouca audiência que Som & Fúria teve. Não gastarei um parágrafo, sequer, tentando entender esta quimera chamada “público” que prefere um filme de ação desenfreada sendo exibido na emissora concorrente, em detrimento da beleza de uma minissérie que tem a coragem de falar de Shakespeare na televisão aberta. Mesmo querendo fugir de tais críticas e de uma visão mais incisiva sobre a “audiência”, acabei por me trair e falei um pouco do que não me propus a falar. Agora sim, farei de conta que os números não contam, que os resultados não influem no desenvolvimento da arte e falarei somente do que importa, que é a própria arte.
Som & Fúria foi uma realização belíssima, um programa com o refinamento do qual precisávamos na televisão brasileira, tão dominada por shows que maquiam a realidade ou mesmo programas que nos transformam em macacos de auditório. Meu entusiasmo com estes primeiros doze capítulos (torço por uma segunda temporada) é tamanho que ouso a dizer que, desde Cidade de Deus, Meirelles não apresentava uma obra tão densa e relevante, tão cheia de nuances, independente do meio. O diretor geral começou acertando na escolha do tema: Shakespeare. O dramaturgo inglês, que em sua época buscava escrever para um público amplo, acabou sendo erroneamente elitizado com o tempo, e no aspecto da aproximação de seus textos e temáticas universais com o grande público, Fernando Meirelles acertou no tom leve, irônico, sem abdicar de passagens emocionantes, dramáticas, emulando, mesmo que limitado pelo meio, a pluralidade de temas que Shakespeare abordou em seus escritos. Porém, os acertos da equipe de produção não se limitaram a abordagem sensível das obras imortais de Shakespeare.
Uma viagem pessoal pelo cinema americano
No início, uma cena forte, belissimamente filmada, mostra Kelly, uma mulher batendo em um homem bêbado que, representado pela câmera subjetiva, cambaleia, levando o público a começar o filme num misto de agonia e espanto. Já dá, de início, para perceber que as cenas de Fuller são fortes. Os personagens bem delineados e multidimensionais só aumentam o interesse pela trama, que ganha novos contornos com a chegada de Kelly a uma cidadezinha do interior. Ela guarda um segredo, que não o será por muito tempo, ainda mais quando sua presença começa a criar raízes na comunidade, influenciando a vida de todos, mas especialmente a de um policial, a de um solteiro rico, a da dona de um bordel e a rotina da clínica de reabilitação ortopédica para crianças, aonde Kelly trabalhará. O que marca muito a narrativa desenvolvida por Samuel Fuller é a utilização freqüente de elipses, de uma dinâmica que privilegia o desenrolar ágil dos acontecimentos, sem que para isso se sacrifique a fluidez, sem que o enfoque se torne apressado, atropelado. Fotografado em preto-e-branco, o filme tem um interessante jogo de luz e sombra, que auxilia no desenvolvimento psicológico dos personagens. 
A imagem acima é do filme Lua de Papel, de Peter Bogdanovich e mostra pai e filha contracenando. Ele, Ryan O’Neal, um astro na época, os idos anos de 1973, nos quais a história foi filmada. Ela, Tatum O’Neal, uma menininha que tinha entre oito e nove anos, era só filha de celebridades (sua mãe era a também atriz Joanna Moore). Foi então que Bogdanovich, substituindo John Huston, que abandonara o projeto antes da pré-produção, se encantou com a espontaneidade da filha de Ryan, anteriormente seu colaborador, e a convidou a dividir as telas com ele, num debute que entrou para a história. Tatum não somente se mostrou um fenômeno, embasbacando o mundo com uma interpretação magistral, como também se tornou a mais jovem ganhadora do Oscar, em uma categoria competitiva, na história da premiação. Ela ganhou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante com apenas dez anos.