Após dirigir Os Vingadores, Joss Whedon resolveu afastar-se momentaneamente das
grandes produções para filmar, em apenas 12 dias, na sua própria casa, com
equipe reduzida, a versão que tinha em mente para o clássico Muito Barulho por Nada, de William
Shakespeare. Sintomático, pois depois de
ver-se diluído em meio a tantos produtores e palpiteiros influentes de plantão,
no que veio a se tornar sucesso comercial sobre a reunião dos heróis do
universo Marvel, o diretor provavelmente precisou tomar as rédeas de um projeto
do qual conceberia todas as etapas, livre de gente o controlando com precisão
matemática.
A história de Muito Barulho por Nada é mais que
conhecida, envolve intrigas palacianas, dificuldades familiares, amores
avassaladores, ou seja, elementos muito característicos do bardo. Ao chegar à
casa de Leonato (governador de Messina), o jovem Cláudio, fidalgo e
acompanhante de Dom Pedro (príncipe de Aragão), se apaixona por Hero, filha do
anfitrião. Feita a corte, casamento marcado, e todos partem para juntar também
Benedito e Beatriz, dois celibatários cuja convicção não resiste à conspiração
dos demais. Mas eis que Dom João, irmão bastardo de Pedro, arma para difamar
Hero e jogar Cláudio numa espiral de vingança. Mesmo com tragédias iminentes, o
tom é cômico, principalmente no que concerne a aproximação entre Benedito e
Beatriz, ambos às turras em favor do orgulho pessoal, cegos quanto às
possibilidades do amor.
Não à toa, próximo de algo mais
autoral, Muito Barulho por Nada remete,
de alguma maneira, às raízes televisivas de Whedon. Para além da linguagem de
Shakespeare, que, empostada literalmente, confere refinamento à trama, está
estética pretensamente indie, esta
contradita, sobretudo e justamente, pela encenação e decupagem mais
características à televisão. Apenas a cena do velório, na qual os personagens
descem uma passagem empunhando velas, parece carregar força cinematográfica
“genuína” (espero a expressão não soar, nos nossos tempos fronteiriços, por demais
ingênua).
Muito Barulho por Nada é, portanto, filme estranho à tela grande, quem
sabe melhor aclimatado se na programação de alguma emissora a cabo. Pode ser
preconceito ou excesso de zelo, mas contentar-se com o hibridismo incômodo
proposto por Whedon, significa dar fé às tendências que afastam o cinema de
suas particularidades. Feitas as ressalvas, o longa explora a veia cômica presente
no texto original, trabalha bem questões de honra/vilania, e tem lá seus
méritos por justapor falas de rebuscamento arcaico e ambientação atual. O Muito Barulho por Nada de Whedon reflete
os padrões atuais de qualidade do entretenimento, mesmo gestado longe da
indústria propriamente dita. Fora isso, nada demais.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Algumas vezes fico incomodado com essa necessidade de fazer cinema experimental/autoral apenas por fazer, sem objetivos muito claros ou honestos. Invariavelmente, o resultado não sai lá essas coisas.
ResponderExcluirForte abraço.