Eu e a querida Ana Carolina
Grether, colaboradora contumaz do nosso blog e editora do Blue Velvet (espaço calorosamente recomendado), resolvemos
partilhar mesmo separados geograficamente uma sessão de O Processo do Desejo, filme de Marco Bellocchio, para depois
construir algo a quatro mãos em conversa via MSN. O resultado da experiência
segue abaixo.
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Tenho o direito de gozar de teu corpo, e este direito eu o exercerei sem que limite algum me detenha no capricho das extorsões que me dê gosto de nele saciar. (Marquês de Sade)
Como poderíamos classificar O Processo do Desejo? Não seria simples encaixar
o filme de Marco Bellocchio em qualquer gênero. No início, quando transita em
meio às obras de arte, a personagem Sandra parece menos definida enquanto
pessoa e mais como sensação espontânea, um ser guiado pelo desejo (palavra esta
que, aliás, aparecerá diversas vezes no texto). Pouco importa o passado dela e
suas aspirações. Ficamos vidrados no olhar provocante e curioso que lança a pinturas
e estátuas. Sandra está em consonância com seu desejo, absorta frente ao quadro
de Da Vinci no qual a mãe amamenta seu filho. O olhar da criança no retrato
revela o traço incestuoso e ao mesmo tempo terno próprio do amor materno.
Sandra vacila no instante em que
poderia gritar para sair do museu. A porta fecha e ela dá meia volta, sem
lamentações. A partir desse momento, sobretudo após surgir o enigma Lorenzo, o
filme adquire atmosfera onírica, porém sem perder contato com a realidade. Homem
e mulher são então regidos por algo que não lhes permite reação. Ela e seu
desejo (represado) de ser possuída ali no museu, enquanto ele - espera-se que o
macho aborde a mulher disponível - é "obrigado" a tê-la. Sandra mostra-se,
até certo ponto, histérica. Lorenzo é libertário, maduro e atraído pelo
inconsciente dela.
Logo a jovem precisa sair da posição
de desejante, negando o intuito de fazer amor, ao passo que ele (afirmativo por
excelência) segue firme. Há embate entre desejo e “necessidade”, certo e errado
digladiando-se. O sexo aparece quase num bailado, feito de pequenos coitos
interrompidos até a “aceitação” final. O sol da manhã trás consigo chave
reveladora que “autoriza” a mulher a culpar seu parceiro, ou seja, ela goza,
aproveita, mas precisa acusar o outro para justificar seu ato (de prazer).
Após elipse genial e incisiva, vem
o julgamento. Sandra leva Lorenzo à corte, literalmente. O réu dá lição de
consciência ao juiz e, de alguma maneira, o depoimento autopiedoso de Sandra o
complementa. Dessa passagem em diante nota-se com clareza a encenação de O Processo do Desejo como que buscando
transcender o real precisamente por tocar algo tão íntimo e verdadeiro que
parece irreal, dados os códigos sociais.
Giovanni, promotor encarregado de
apontar o dedo condenatório, é afetado sobremaneira pelo caso. Cartesiano, ele
defende Sandra, mas se vê confuso especialmente diante do acusado. Mônica,
esposa do magistrado, acende a fogueira que periga consumi-lo, tomando as dores
de Lorenzo, grosso modo, pois ela mesma é incapaz de gozar com seu marido, uma
vez que ele transa como se fosse obrigado e não desejoso. Ao julgar Lorenzo,
Giovanni aprisiona e condena a si mesmo. Desolado, parte em jornada particular
de autoconhecimento num cenário pastoril onde, lá pelas tantas, pensa estar
salvando uma mulher do estupro. Após o incidente, ele finalmente deflagra o
complexo jogo do desejo, por vezes camuflado de qualquer coisa mais banal.
No fim, Giovanni e Lorenzo são
como duas faces da mesma moeda. O advogado de valores sociais bem introjetados desajeitado
para sedução, e o arquiteto sem a moral dominante, talentoso no entendimento do
bel-prazer. Já as mulheres (Sandra, Mônica e a campesina) possuem traços comuns
e representam o feminino complexo. Afinal, o que querem as mulheres? Justamente
o desejo. Dentro de tal cenário, os homens de O Processo do Desejo são malditos, seja por sua impulsividade (Lorenzo)
ou culpa (Giovanni).
Parabéns pelo trabalho Marcelo :)Estou impressionada com a rapidez e qualidade do teu texto e mais ainda de ter juntado nossas impressões e transformado em tantas linhas, todas sem exceção significativas e consistentes.
ResponderExcluirFiquei pensando que se eu não tivesse assistido o filme, depois de ler seu texto, iria correndo atrás hehe.
Obrigada pela oportunidade! beijos
Olá, Carol.
ResponderExcluirPreciso te agradecer, pois foi uma experiência ótima essa de compartilhar impressões para um texto posterior, o nosso texto. Sim, porque por mais que eu tenha feito as junções, a redação final e tanto minha quanto tua.
beijos
Oi Carol e Marcelo. Belíssimo texto. Vi o filme já umas duas vezes há muito tempo, mas fiquei louca para ver de novo, a partir desse olhar compartilhado de vocês. bjs irene
ResponderExcluirOlá Irene,
ResponderExcluirObrigado pelos elogios. Compartilhar comentários acerca do filme com a Carol, dessa maneira, foi bastante enriquecedor.
Foi a primeira vez que vi "O Processo do Desejo", mas certamente voltarei a ele em breve. Grande filme.
Abraços e obrigado pela visita.
Olá, Carol e Celo!
ResponderExcluirExcelente, aguardamos por mais experiências como essa.
Até mais.
como coseguir ver esse filme online?
ResponderExcluircomo coseguir ver esse filme online?
ResponderExcluirOnde encontro o filme ??
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