Como um filme ruim pode ser tão
bom? É possível algo rudimentar e simplista ser, de fato, instigante e
delicioso de assistir? Tais indagações sobrevieram à sessão de Scanners – Sua Mente Pode Destruir, um
dos cults do cineasta canadense David
Cronenberg. A trama curiosa dos telepatas nascidos em experiências de
laboratório só poderia dar liga pelas mãos de alguém que investiga o bizarro com
talento e constância. No filme, Cameron Vale é cooptado pela empresa ConSec
para dar fim à tirania de Darryl Revok, assim como ele, um desses sobre-humanos
chamados scanners. A insurreição
precisa ser freada, e ao protagonista resta infiltrar-se para miná-la internamente.
Há algumas observações muito
interessantes nesse universo tipicamente cronenberguiano. Os scanners prescindem de qualquer esforço corporal,
utilizando suas carcaças como sustentáculo do que realmente importa e faz
diferença: a mente. Como parar um revoltoso capaz de manipular seus censores,
levando-os até mesmo ao suicídio (ou seria homicídio?)? Os sistemas prisionais
comuns tiram a liberdade pelo encarceramento, mas o que fazer quando o
confinado transcende limites físicos? Há de se exaltar, da mesma forma, a
encenação proposta, o climão acentuado pelo engenhoso uso do som, os ótimos
efeitos especiais e a vanguardista maquiagem.
Paralelo aos méritos, porém, sobram
inconstâncias e clichês em Scanners – Sua
Mente Pode Destruir: o vilão caricatural, a mulher que ajuda o “mocinho” (elo
frágil entre ele e seu algoz), o desvelar dos questionamentos como torrente sem
força, entre outros. O filme é uma espécie de cartão de visitas do que
Cronenberg viria a conceber com maestria, não indo mais longe por se ressentir
de desenvolvimento coeso e soluções menos batidas. Então, repito, como um filme
ruim, ainda assim, pode ser bom?
Quando há extremado talento, como
no caso de David Cronenberg, até mesmo em realizações tortas abundam lampejos
magistrais que teimam em contradizer chavões e obviedades. Alguns momentos
geralmente não salvam o todo, mas em se tratando de Scanners – Sua Mente Pode Destruir, como ficar alheio, por exemplo,
à visceralidade da ligação psíquica homem/máquina (premonição?) ocorrida em
dado momento, e mesmo ao bloco final que, a despeito de sua inocuidade enquanto
manifestação (e fraco justamente pela revelação “sem peso”), traz inesquecível
duelo psíquico, cujas maiores vítimas são, vejam só, os corpos?
Publicado originalmente em Papo de Cinema
Sim, sempre os corpos Marcelo. Cronenberg é um "viciado" em biologia, anatomia humana.. .
ResponderExcluirParabéns pelo texto!! Deve ser muito punk escrever sobre Scanners!
Carol, essa obsessão do Cronenberg pelo corpo é algo que se manifesta muito nos filmes dele, né?
ResponderExcluirCertamente "Scanners", mesmo com todas as fragilidades que possui, é um filme interessantíssimo.
beijão
Olá, Celo!
ResponderExcluirMais um comentário para marcar minha passagem por aqui.
Abraços