Protagonista de O Segredo do Grão, o sessentão Slimane é
daquelas pessoas a quem o mundo parece ter vencido. Seu emprego no estaleiro
logo vai por água abaixo e a vida entre a grande família da qual se divorciou,
a nova companheira e sua enteada, esmaga-o como se já não bastasse o fardo de
ser árabe no entorno socialmente desfavorável a estrangeiros. Sim, porque sob a
superfície a sociedade francesa é das mais fechadas do mundo, arredia aos chegados
de fora em busca de sobrevivência. Esse senhor de semblante cansado sonha em
abrir restaurante num barco então caindo aos pedaços, provavelmente para dar
algum sentido aos anos porvir.
O diretor Abdel Kechiche opta
corajosamente por registro ultra-realista, inclusive com sequências acontecendo
em “tempo real”. Os mais afoitos podem se chatear nas longas passagens, sobretudo
à mesa onde de pouco em pouco aparecem intrigas, dissimulações e mágoas, entre
outras fibras do tecido familiar. O Segredo do Grão é também dos filmes em
que o protagonista surge onipresente, mesmo quando afastado do primeiro plano.
Slimane é o centro da trama, tudo se desfaz e se refaz ao seu redor, quem sabe
pela consciência diretiva da função patriarcal cara à cultura árabe.
Os filhos são reflexos dos pais? Em
O Segredo do Grão algo da
problemática filial parece mesmo conectada ao comportamento (bom e ruim) dos
progenitores. Por exemplo, Slimane nem ao menos esboça vitalidade para
influenciar o destino de qualquer descendente. Sentir-se-ia ele incapaz
moralmente de tomar partido das situações? O homem parece ligado à família erigida
no passado ao ponto de sentir dificuldades no relacionamento atual, como se
algo de culpa (ou senso de dever) nunca o tivesse o abandonado. Interessante a
dinâmica entre ele e a enteada, outra personagem central por conta do
comportamento motivador assumido.
Em mais de duas horas e meia, O Segredo do Grão traça painel
multifacetado de gente inserida num contexto difícil, social e afetivamente
falando. Alguns podem fatigar-se pela crueza das imagens e situações totalmente
desprovidas de enfeites, duras no sentido mais humano da expressão. Já os
devidamente inseridos na proposta terão a sensação complexa de amar os
personagens por suas falhas. Todas as famílias felizes se parecem, já diria
Tólstoi, e quem não há de encontrar algum paralelo entre a de Slimane e sua própria?
A festa de apresentação do
restaurante, onde se busca a validação da sociedade local, é latente exemplo de
como culturas externas ainda penam na França contemporânea. O final dispensa respostas
e felicidades calculadas. Às vezes nem todo esforço do mundo basta para mudar
comportamentos e realidades tão arraigados.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Já falei antes ,mas aproveito para reiterar aqui. Suas observações sobre " O segredo do grão" são muito pertinentes e atentas aos detalhes que o filme traz consigo. Bateu uma vontade de assistir de novo!
ResponderExcluirBoa, Celo!
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