Em LA VIE DE BOHÈME há um forte
contraste entre o discurso erudito dos três artistas (um músico, um pintor e um
escritor) e a condição de pobreza em que eles vivem. Aki Kaurismäki filma na
França, em preto e branco, com Jean Pierre Leaud, Samuel Fuller e Loius Malle
fazendo pontas. De alguma maneira, é uma homenagem ao próprio cinema, à arte
que resiste (mas nem sempre) ao estado das coisas, aos ditames do mercado, aqui
simbolizados pela dificuldade desses três homens inteligentes para encontrar
seus lugares no mundo. Um chumaço de poesias antigas é sacrificado para aquecer
a mulher amada que treme de frio ao lado do fogão apagado pela falta de
condições. Kaurismäki, que geralmente faz seus personagens experimentarem a
tragédia e/ou a tristeza antes da redenção final, antes que a centelha de
esperança apareça para iluminar o horizonte, aqui direciona a trama para um
final não tão feliz, melancólico, que desvia de possíveis alegrias. Como de
costume, seus personagens são pessoas generosas, meio alheias ao cinismo e à
desconfiança, gente que procura, embora nem sempre consiga, fazer o bem. Há
bastante humor, o contumaz viés satírico, e um tom carregado de tristeza que
vai se insinuando até não deixar muito espaço para outras sensações. No fim, o
companheirismo é a única a saída para aplacar as dores de viver, seja o dos
amigos ou mesmo do fiel escudeiro canino.
O SÉTIMO SELO é sempre lembrado
pela imagem do cavaleiro jogando xadrez com a morte, certamente uma das mais
emblemáticas do cinema. Contudo, o filme não se resume a isso. Ao voltar das
cruzadas, o protagonista encontra uma terra assolada pela peste, em plena
decadência. Apela para Deus, questionando seu silêncio. Ele encontra uma trupe
circense, artistas que levam entretenimento e ludicidade àquelas pessoas que
estão frente a morte. A cena da apresentação sendo interrompida pela caravana
dos flagelados é de uma força tremenda. Os cânticos alegres são substituídos
pelas lamúrias e gemidos do povo que mutila o corpo para pretensamente
purificar a alma. Os desígnios de Deus são igualmente postos em xeque pelo
cavaleiro, um homem atormentado, regresso de uma missão santa com requintes de
crueldade. É um filme de forte apelo visual, ambientado num passado remoto em
que a religiosidade e a fé eram ainda mais importantes para a formação do povo
e o andamento da sociedade. Em meio aos artistas, que driblam os caprichos da
morte valendo-se da arte, o personagem de Max Von Sydow encontra um pouco de
paz, antes que a inevitável ceife sua existência, dançando com ele e seus
amigos no horizonte o bailado da eternidade.
VAMPIROS, de John Carpenter, é
protagonizado por um badass, como
dizem os norte-americanos. James Woods interpreta esse cara que não se intimida
diante do Vaticano e nem mesmo frente ao mestre supremo dos vampiros que está
na sua cola. Pode-se tentar extrair de tudo que acontece até algum subtexto,
mas o filme vale exatamente pelo que mostra, pela maneira envolvente com a qual
nos inteira da rotina dos caçadores que fuçam em covis de chupadores de sangue
para exterminar essa raça de predadores da face da Terra. Há muitos buracos no
roteiro, algumas simplificações no que diz respeito à trama propriamente dita,
mas elas são completamente supridas pela maneira irresponsável (no bom sentido)
com que os fatos vão se sobrepondo, se atropelando. A supremacia da forma fica
evidente. Pouco importa se o vampiro mestre podia ou não aproveitar-se da
ligação com a prostituta recém-mordida, assim como ela se aproveita, ou se, no
fim das contas, esse vilão cai rápido e fácil demais. Relevante ali é ver esse
mundo sendo delineado na tela, numa trama protagonizada por um cara que remonta
aos cowboys durões do western de antigamente. Não é uma crítica à igreja,
embora o apontamento esteja ali. É uma diversão inteligente, daquelas que fazem
uma falta danada hoje em dia no nosso circuito combalido.
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