O estaleiro prestes a fechar
deixará para trás um manancial de desempregados. A praga das vespas ameaça a
existência das abelhas e, por conseguinte, o ganha-pão dos apicultores. O
cineasta diz não saber muito bem como combinar os registros do filme que pretende
fazer. AS MIL E UMA NOITES: O INQUIETO, primeira parte da trilogia dirigida
pelo português Miguel Gomes, é um filme de linguagem vigorosa, com múltiplos
vieses, que trafega com segurança pela linha que separa ficção e documentário,
não fazendo muita distinção entre ambos. As histórias que Xerazade conta se
conectam mais ou menos explicitamente, mas se conectam, com a difícil situação
político-social que Portugal enfrenta. Burocratas e políticos acometidos por
uma ereção intermitente aludem às negociatas de bastidores que, não raro,
prejudicam o povo; um galo é processado por cantar à noite, demonstrando mais
tarde antever o abismo como nenhum humano em cena; e o autoexplicativo banho
catártico dos sem trabalho nas águas gélidas do primeiro dia de 2014, com
direito à cena passada dentro de uma baleia. Os segmentos se comunicam num
nível nevrálgico, cativando tanto pela singularidade de suas abordagens e focos
quanto pelo painel que formam, um conjunto de insuspeita e pungente unidade que
celebra a fábula sem descolar-se da realidade.
Em 45 ANOS sobressaem-se os
trabalhos de Charlotte Rampling e Tom Courtenay, dois atores que dominam as
nuances responsáveis por tornar seus personagens tão humanos e profundos.
Casados há quase 50 anos, prestes a celebrar a longevidade da união, ele recebe
a notícia insólita de que encontraram o corpo congelado de uma amada do
passado. A notícia abala a ele, que passa a se recordar da mulher perdida em condições
trágicas, e também a ela, que experimenta o sofrimento do ciúme e da insegurança.
O filme do diretor Andrew Haigh vai mostrando aos poucos a vida conjugal sendo
posta em xeque, com desconfortos surgindo numa convivência que parecia mais que
solidificada, tanto em virtude do tempo quanto da força o sentimento que a
propicia. Embora Haigh algumas vezes perca o rumo, deixando a trama navegar em
águas calmas demais, o filme consegue exprimir as sutilezas que deflagram a
fragilidade e o caráter quebradiço dos relacionamentos, instituições cuja
solidez não está garantida, a despeito das aparências. Rampling e Courtenay dão
conta de expressar muito bem essa tempestade que assola o casamento de seus
personagens.
Uma casa misteriosa à beira-mar.
Padres e uma freira vivem em clausura, às voltas com o treinamento de um cão de
corrida que lhes permite vencer apostas. A chegada de um novo morador e a
sequente tragédia expõem feridas da igreja católica, pois traz à tona a
polêmica questão dos sacerdotes pedófilos. Um emissário do Vaticano vai até lá
para resolver a questão. Assim, dois homens estranhos, três se contarmos aquele
que circunda a casa vociferando a mágoa de ter sido estuprado quando pequeno,
alteram a rotina desses serventes de Deus encerrados nos muros que representam
punição. O CLUBE é um filme cinzento. O tom predominante oprime a beleza
natural do cenário, denotando a atmosfera da casa em que os párocos convivem,
numa dinâmica muito própria. Aos poucos, as intrusões se impõem, inclusive as
da burocracia de uma instituição que prefere varrer para os porões do
esquecimento, disfarçados convenientemente de local de penitência, os crimes
cometidos pelos seus. Mas o diretor Pablo Larraín não fica somente no âmbito da
denúncia, mostrando os pequenos dramas de todos que ali são acometidos, com
mais ou menos violência, pela repressão de instintos e vontades. No fim, um
cordeiro é escolhido para purificar os pecados do entorno, movimento que
utiliza a simbologia religiosa para ressaltar a violência e a agressividade dos
próprios procedimentos da igreja.
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