domingo, 3 de janeiro de 2016

Doses Homeopáticas #60


(500) DIAS COM ELA tem The Smiths na trilha sonora, um roteiro esperto que utiliza muito bem o vai e vem temporal, Zooey Deschanel e Joseph Gordon-Levitt ótimos como o casal cujo relacionamento nasce, cresce e morre na nossa frente, referências ao cinema europeu (Godard, Bergman, etc), entre outras qualidades. Acompanhamos o entusiasmo de Tom quando ele conhece Summer, garota que, desde o começo, diz não acreditar em relacionamentos. O sexo é bom, a convivência é legal, ele a faz rir, então porque cargas d’água Summer não aceita ficar junto, assumir namoro, fazer, quem sabe, planos para casamento? É justo ao lançar essas questões e tornar as respostas, ou melhor, as não respostas, tão naturais, que o filme de Marc Webb se diferencia de muitos congêneres. Os sentimentos em voga não são tratados como respostas óbvias e formatadas a certos comportamentos, mas sim condicionados a uma série de questões, bloqueios e anseios muito particulares, que nem sempre evanescem na vida a dois. A cena da tela dividida entre as expectativas e a realidade em determinado encontro dos protagonistas é um dos grandes achados do filme, bem como a sequência musical responsável por denotar a felicidade extrema do rapaz que acabou de passar a noite com a mulher amada.  


O jovem acordado cedo pela mãe afetuosa, uma típica matrona italiana, é o protagonista de O EMPREGO, segundo filme de Ermanno Olmi. A vocação neorrealista se vê na maneira como a câmera perscruta criticamente a Itália empobrecida. O menino passa por uma série de testes até conseguir a ocupação numa grande empresa. Tímido, ele se enrabicha por uma colega. A paixão e o primeiro trabalho marcam, a um só tempo, o crescimento desse rapaz constantemente trajado com um sobretudo, cuja voz claudicante é relativamente pouco ouvida em todo filme. Os demais funcionários da empresa demonstram os ambientes laborais viciados, a opressão à qual o homem se submete em busca de subsistência. A miséria vista em filmes italianos anteriores aqui aparece nas entrelinhas, como uma herança cuja maldição só será parcialmente quebrada com a penhora do suor em favor do crescimento econômico, ou seja, em prol do capital e seus ditames. O olhar do garoto expõe perplexidade e curiosidade em contato com a necessidade de crescer e assumir seu lugar de adulto numa Europa efervescente e voltada ao progresso, nem que para isso precise privilegiar uma realidade em que o lazer é exceção e o trabalho é valorizado como dádiva.  


VIVER É FÁCIL COM OS OLHOS FECHADOS é o tipo de filme que nos arranca facilmente sorrisos. Protagonista cativante, personagens secundários com luz própria, história muito bem contada, registro visual bonito, atores aparentemente bastante à vontade em seus papeis, humor na medida e certa dose de melancolia para não deixar tudo adocicado demais. O professor interpretado por Javier Cámara empreende uma viagem para conhecer seu ídolo, John Lennon. No caminho, dá carona a dois jovens que se tornaram amigos, e mais, parceiros nessa jornada. A singularidade das pessoas em cena é bem trabalhada pelo roteiro, assim como são precisas as viradas que vez ou outra dão uma chacoalhada na missão principal, evidenciado que há dramas humanos latentes nesse grupo que parte em busca do Beatle. Talvez seja essa precisão que ateste ligeiramente contra o filme, a sensação de conferirmos algo milimetricamente construído, sem espaço para arestas ou outros “detritos” que poderiam injetar organicidade à trama, enfraquecendo assim o engessamento do qual ela padece. Ainda assim, a realização de David Trueba tem a capacidade de emocionar, sem apelações, de nos prender na tela e nos fazer torcer para tudo dar certo.

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