FILME DEMÊNCIA é a descida ao
inferno empreendida pelo homem que se depara com a falência do negócio herdado do
pai. Livre adaptação de Fausto, de
Goethe, o filme de Carlos Reichenbach acompanha o protagonista em andanças desnorteadas, em contato com todo tipo de representante do submundo,
transitando por entornos onde a degradação é latente. O povo
professa em prosa e verso as injustiças vigentes enquanto este Fausto moderno
atravessa São Paulo mirando um oásis que lhe vem em sonho e cuja imagem o
persegue durante toda trama, configurando-se numa espécie de ponto a ser
alcançado. Carlão realça a condição terceiro-mundista das pessoas e de suas
aspirações, ressaltando a importância do sexo por meio dos corpos nus das
mulheres que se insinuam ao protagonista. O fluxo é onírico, instância em que
matar pode significar libertação, enquanto morrer não é uma opção a quem já vive
no fio da navalha. As deambulações de Fausto por prostíbulos de quinta
categoria, bares infestados de fracassados, ruelas decrépitas, bem como a
companhia de tipos estranhos, evidenciam a vontade de Reichenbach de mesclar o
popular e o erudito, pintando com tintas de subdesenvolvimento a escrita original
do alemão.
TERRA EM TRANSE é uma alegoria
complexa da política terceiro-mundista, com seus personagens trocando de lugar,
torcendo a própria ideologia em busca de votos e poder. O poeta apoia o
candidato tecnocrata até que ele se eleja senador, depois transfere sua pena à
causa do vereador populista que, então, vira um postulante ao cargo de
governador. A intenção é abrandar a situação do povo, a miséria que toma conta
das camadas menos abastadas da fictícia Eldorado. As forças econômicas são
desmascaradas como manipuladoras da conjuntura social, elas que usam políticos
como títeres para alcançar seus objetivos. Um magnata da mídia também escancara
sua influência, o poder que comumente se intitula de o quarto, mas que pode
assumir um protagonismo disfarçado de isenção, no que tange aos destinos da
nação. Glauber Rocha fez um filme instigante, no qual a linearidade temporal é abertamente
desrespeitada em prol de uma estrutura narrativa signatária do caos que se
pretende deflagrar. Essa realização de Glauber é um convulsionado retrato da
política brasileira, sobretudo do conturbado período do início dos anos 1960.
Obra-prima.
Não há nada de mais em UM SENHOR
ESTAGIÁRIO. Um cara resolve voltar a trabalhar depois dos 70 anos, virando
estagiário numa empresa moderna, repleta de jovens. Claro que sua presença vai
alterar a rotina, servir de contraponto experiente à imaturidade de muitos ali.
O que faz o filme ser muito bom, divertido, é a maneira como Robert De Niro
interpreta esse cara boa praça, acolhedor, que observa a todos com carinho,
sem julgamentos excessivos. Há também méritos no trabalho de direção de Nancy
Meyers, especialista neste tipo de filme que, se por um lado, navega em águas
calmas, sacolejadas vez ou outra por ventos que sabemos serem passageiros, por
outro, não se acovarda de apresentar as falhas e as dificuldades de seus
personagens. Embarcamos, assim, nessa nau comandada por Meyers sabendo o tipo
de narrativa que nos espera, algo não necessariamente ruim se estivermos em
busca de uma história bem contada, protagonizada por gente carismática. Aqui, o
estagiário de De Niro serve como uma espécie de anjo da guarda que ajuda a
chefe a ser uma pessoa melhor, além de auxiliar os colegas nas mais diversas
tarefas (inclusive amorosas) e encontrar, ele próprio, o amor. Cinema que deixa
um sorriso no rosto do espectador ao fim da sessão.
Tô desatualizada aqui... e encantada de sempre constatar seus textos cada vez mais elaborados e bons de ler :)
ResponderExcluirMuito obrigado, Carol =D
ExcluirSempre é muito bom poder contar com tua leitura e comentários.
Beijão