Para os já iniciados na obra do
finlandês Aki Kaurismäki, não é surpresa alguma que O Porto seja tão abertamente voltado à fatia menos abastada de uma
sociedade inserida no que se convencionou chamar “primeiro mundo”. Seu cinema
bastante idiossincrático e, por isto mesmo, facilmente reconhecível, aponta com
muita frequência à luta diária de gente simples, cidadãos comuns ocupados,
sobretudo, com a manutenção ou resgate da dignidade. Pena que os longas de
Kaurismäki sejam escassos no circuito comercial brasileiro, restando a internet
como meio quase único a quem se propuser descortinar seu itinerário estilístico
e constantes temáticas.
O Porto transcorre na região portuária Le Havre, na Normandia, onde
não raro chegam contêineres carregados de imigrantes ilegais. Nesta cercania,
vive o engraxate Marx, de condição financeira delicada e esposa prostrada numa
cama hospitalar. Contra as probabilidades, o estado de espírito deste senhor é
formado basicamente de otimismo e tenacidade, atributos imprescindíveis tanto
para suportar a rotina dura e os seguidos golpes, quanto para ajudar o menino
refugiado que encontra à própria sorte. A esperança se fortalece pela adesão dos
vizinhos, na liga formada para salvaguardar o sonho londrino do garoto que
busca a mãe. Os personagens lutam para preservar intimamente a decência
esfacelada através de políticas públicas que deveriam por eles zelar.
Em O Porto, Aki Kaurismäki não utiliza o subtexto político/social apenas
para reforçar as construções dramáticas (revertendo o que costuma fazer) e sim
como linha guia na qual as figuras se equilibram contra a queda. O finlandês conserva estilo marcado, o
movimento essencial pela montagem e a luz como efetivo meio de expressão,
principalmente nos interiores que denunciam a parte degradada de um país que
vende riqueza aos demais. Acusada pela dureza com que trata a questão da
imigração, a França surge como cenário propício para esta história cujo viés
humanista se contrapõe ao protecionismo exasperado das grandes nações. Neste panorama,
em que a repressiva policial contra imigrantes afronta a negligência da
vigilância diária - evidência do ridículo,- Aki Kaurismäki aposta assertivamente
no protagonista merecedor de milagres por sua incorrigível obstinação, e
na mobilização das pessoas que pouco podem lutando sozinhas, mas que se
agigantam quando unidas.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Celo!
ResponderExcluirEstou com 'O Porto' empacado entre minhas próximas sessões, até por não ter uma experiência totalmente positiva com o cinema do Kaurismaki, mas sua resenha me deixou mais entusiasmado.
Sobre o tema tão explorado pelo cinema na França (seria um mea culpa, ou 'sua culpa', no caso do Kaurismaki?), indico "Os Nomes do Amor", que embora tenha algumas incorreções e uma abordagem bem mais leve, é excelente enquanto filme e na maneira que trata o assunto.
Olá, Celo!
ResponderExcluirComo bem sabe, não gosto muito da obra de Aki Kaurismäk. Certo, tenho um certo preconceito, pelo registro um tanto quanto frio, sem vida. Mas, quem sabe, em breve posso fornecer nova chance ao finlandês?
Abraçosss