Privada do sustento já na
primeira cena de Rosetta, filme dos
belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, a menina protagonista se debate
violentamente tal animal acuado, ser selvagem que vê escoar outra chance de
normatizar uma rotina repleta de pequenas derrotas. Ela clama pela ocupação que
tornaria mais digna a vivência com a mãe alcoólatra e abatida, com quem divide
o teto num acampamento suburbano de trailers. Esta raiva incontida em nada é
alimentada pelo ego ferido ou qualquer motivação mais, digamos, superficial, e
sim pela limítrofe sensação de que se esvai mais uma possibilidade de futuro.
Rosetta é seguida de perto e sem
paternalismo pelos Dardenne, que tampouco parecem dispostos a fazer dela mártir,
depositária dos males mundanos. A linguagem seca e dura acompanha ininterrupta esta
garota que vai e vem pela floresta, onde intercala o único sapato urbano com a bota
de borracha própria ao lamaçal em que vive. Não há música, e inexistem, ainda,
movimentos de câmera que redimam ou aliviem por qualquer beleza do entorno.
Tudo é registrado com a urgência que a pobre menina tem para tornar-se alguém.
Em Rosetta rareiam os espaços para julgamentos morais ou
justificativas óbvias, pois seu ideário apregoa que às pessoas resta (sobre)viver
com o peso de suas próprias falhas. Menos pela aproximação estética com o real,
a excelência da visão dos Dardenne em Rosetta
se dá por uma espécie de ética do cotidiano que alimenta pessoas e situações
cinemáticas. E no derradeiro momento, quando
a dureza atinge níveis quase insuportáveis, o beco sem saída pode
transformar-se em chance. Pode, mas não quer dizer que a tragédia iminente
venha, de fato, virar uma centelha de esperança.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Olá, Celo!
ResponderExcluirEm breve, pretendo assistir a mais filmes dos irmãos belgas.
Abraçosss
Depois do excepcional "O Garoto e a Bicicleta" reuni os demais filmes dos Dardenne para assistir, mas ainda não iniciei esta incursão. Estou bastante curioso, "Rosetta" será o primeiro a ser visto.
ResponderExcluirUm abraço!