Marcelo Oliveira da Silva é
jornalista formado na UFRGS, mestre em Ciência da Mídia pela Technische
Universitaet Berlin, e doutorando em cinema pela Freie Universitaet Berlin.
Lecionou comunicação na TU-Berlim, UFRGS e PUC-RS. Foi repórter de cultura e
vice-editor de política internacional no jornal Zero Hora e colaborador
internacional por vários anos do Grupo RBS, Canal Multishow (TV Globo) e
Deutsche Welle TV, com os quais ainda colabora desde a capital gaúcha. Mantém
coluna mensal de cinema no jornal cultural Usina do Porto. É coordenador de
comunicação da Secretaria da Cultura de Porto Alegre.
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• Como nasceu em você a paixão
pelo cinema?
Eu morava no centro de Porto
Alegre, onde se concentravam os cinemas, e devia ter uns 9 anos
quando ganhei 'permissão' pra ver filmes sozinho. Um tio que era
gerente de uma grande rede de distribuição da cidade encheu o saco de
me ver todo dia pedindo ingressos na sala dele e me deu uma
"permanente", como chamavam aquelas credenciais. A partir daí,
comecei a ir quase todo dia. Como conhecia todos os porteiros, também me
deixavam entrar em filmes adultos - em geral de terror ou suspense,
que nos de sexo não tinha jeito. Pra isso eu ficava pela loja de
balas até que todo mundo entrasse e sentasse. E precisava ser
o primeiro a sair também, pra não ser visto e comprometer os
porteiros. Depois acabaram as permanentes para quem não era crítico, mas daí já
era vício e eu às vezes assistia dois filmes por dia. Comecei a escrever sobre
cinema nos jornais de colégio.
• Qual é o sentido de ser
crítico nos dias de hoje?
Acho que é sobretudo recomendar
boas obras, agindo de duas maneiras: em primeiro lugar ajudando
na divulgação não comercial e em segundo lugar ajudando o
leitor a compreender obras que exigem um olhar mais treinado na linguagem
fílmica, uma observação mais experiente desse negócio fabuloso e
eventualmente complexo que é contar histórias. Se adivinho uma segunda
intenção nessa sua pergunta, adianto que concordo: a crítica está
morrendo. Dos anos 90 pra cá (mais ou menos a mesma época em que o cinema
passou a ser a maior indústria dos Estados Unidos) a quase totalidade dos
críticos em todo os países relativamente industrializados se tornou
uma parte do sistema de divulgação das superprodutoras de cinema. Falei no
início em recomendar boas obras porque há tempo não há mais espaço nem tempo
para se tratar de filmes que por um bom motivo merecem uma crítica negativa.
Quem trabalha num grande jornal, rádio ou tevê, arrisca o emprego
se falar mal de um filme que tenha investido bastante em
publicidade naquele veículo.
• Qual sua posição frente a nova
crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Elas são a salvação! O que sobra
de crítica livre está na internet ou nas poucas publicações
alternativas. Na grande imprensa é difícil até para o críticos experientes
evitar de falar de um determinado filme que considerem ruim ou demasiado comercial.
E como já vamos pra mais de duas décadas sob esse sistema (que resumi na
pergunta anterior), noto que grande parte dos críticos
inteligentes ativos na grande imprensa está se tornando complacente
demais. Há muita bobagem (e não falo daqueles filmes que ocupam dez ou
mais cinemas simultaneamente - com esses eu jamais perco meu tempo) de
grande estúdio com três e quatro estrelas por aí e também há muito
filme independente subvalorizado ou nem sequer visto e avaliado.
Imagina entre quem começou a criticar ontem na grande imprensa e não conheceu
outro esquema. Não culpo esses profissionais. Acho essa coisa toda inevitável
no grande circuito. Quanto ao conteúdo dos blogs e revistas virtuais:
do mesmo jeito que é necessário escolher um bom jornal ou programa e um
bom crítico em quem confiar, também é preciso desenvolver essa relação de
confiança com os bons blogs e boas revistas virtuais. Quanto mais estrada tiver
o esquema virtual, melhor vai ficar esse conteúdo.
• Como vê o academicismo de
certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de
um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a
importância da análise subjetiva?
Depende de como se compreende
"academicismo" aqui. Se com academicismo você quer dizer o uso de
jargões, o refúgio de sujeitos que deram um duro enorme pra serem doutores
e depois pararam de pensar pra ficar no conforto das citações doutas e
estéreis, feito concurseiros que viram maus funcionários públicos e só
cumprem horário na repartição até a chegada do contracheque, então eu concordo
com o que você quiser. Porém, se o doutor usa aquela experiência de ler ao
menos duas centenas de livros teóricos (doutorar-se devia requerer isso)
pra tornar seu próprio pensamento mais claro e certamente menos ingênuo,
mais cultivado, então pode ser uma delícia. Já com essa aparente divisão entre
análise objetiva e subjetiva, eu discordo que isso esteja relacionado à
experiência acadêmica. Isso vem do caráter e da maturidade de quem
analisa. Tem doutor subjetivo demais (e a quem interessa a subjetividade de
alguém?) e tem autodidata que poderia dar aula de como se ver um filme.
• Quais são seus críticos de
cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu
trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da
crítica de cinema.
De outrora: Vsevolod Pudovkin,
Sergei Eisenstein, Bela Balazs (sobretudo), André Basin, James Monaco
e Eno Patalas. Ainda hoje: Wolfram Schütte, Jean Claude Bernadet e José
Carlos Avellar. Gosto do estilo de Pauline Kael, mas acho os críticos
norte-americanos ótimos em casa, mas em geral fracos na hora
de decifrar contextos estrangeiros. Acho que isso está melhorando.
• É célebre a história de
Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John
Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da
crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou
semelhante desalento?
Acho que as pessoas param de
escrever sobretudo por motivos internos e hesito em falar de crise criativa
contemporânea, porque todas as épocas já se disseram em crise criativa. Se
tivesse sido verdade, olhando pra trás enxergaríamos apenas
crises... Não foi assim. Sobre desalento com mortes de meus prediletos:
Charlie Chaplin, mas eu era demasiado menino ainda. E Stanley Kubrick que
acho o mestre mais completo em seus passeios por diferentes gêneros; mas a vida
sempre continua e também o cinema.
• A perda de espaço de textos
críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a
busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho que já respondi acima. Acho
que o espaço pode ter se mantido, mas mudou o uso desse espaço por uma
questão comercial, ligada à necessidade mais forte de vender anúncios pra se
sobreviver num modelo de negócios como temos hoje, em que a venda em si
representa ainda menos que anteriormente. Também vejo mais competição com
espaços que não existiam antes, e isso certamente acrescentou possibilidades
que não conhecíamos. Não sei se os tempos são de menos reflexão. O tempo e
a maneira de refletir mudou certamente. Mais gente que não refletia passou a
ler. Note que os mendigos em nossa cidade hoje são alfabetizados e reagem
de outra maneira, menos passivos, mais articulados. O pai de família de hoje
talvez tenha menos tempo pra ler o jornal e pensar na vida do que o meu teve
- a siesta definitivamente acabou... Por outro lado, tanto o pai de
família atual como o mendigo estão melhor informados. E informação é algo
vital pra reflexão. Em resumo, acho que há um deslocamento daquele suporte
impresso pra outro suporte, digital.
• Discutir "comércio versus
arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Tanto o sucesso comercial quanto
o artístico influenciam sociedades. Aliás, a forma como se dá essa
influência define essas sociedades. Há quem tenha tirado o melhor proveito de
uma e de outra e se mantido em crescimento, ou pelo menos num certo nível, e há
quem tenha perdido a mão e entrado em decadência. É preciso saber
usar as duas variáveis.
• Como vê o cinema
brasileiro atual?
Muito melhor em relação aos anos
70 até o início dos anos 90, quando faltou primeiro liberdade e depois também
dinheiro. Não se vê a explosão de talentos, que criaram pelo menos dois ou até
três gêneros cinematográficos nos anos 50 e 60, mas o cinema enquanto
negócio está se estruturando como jamais antes aconteceu, alguns prêmios de
qualidade artística têm aparecido e as bilheterias voltaram a crescer. Na média,
está bem. Talvez falte acreditar mais na capacidade de inovar, arriscar um
pouco mais na linguagem, apostar um pouco mais na capacidade de o público
compreender coisas novas. Nesse sentido, nosso cinema de ficção devia
aprender um pouco com nossos documentaristas, que são ótimos. E por favor:
chega de cena de sexo que em nada contribui pro andamento da história
e de tanta ênfase na emoção à moda das novelas.
Olá, Celo!
ResponderExcluirEssas entrevistas são ótimas e enriquecem a nossa visão sobre a crítica brasileira contemporânea.
Abraçosss