O amor, sempre ele. Entre
covardes e corajosos, quem há de viver sem olhar para trás? O cineasta francês
Christophe Honoré tem uma queda por amores desbragados, alheios a obstáculos
comuns. Gosta também dos musicais, pois, segundo ele, a melodia ajuda a traduzir
com mais fidelidade o que os personagens sentem. Em Bem Amadas, seu mais recente filme, tudo é muito colorido na
observação daquilo que nasce fortuitamente entre duas pessoas. Madeleine, linda
vendedora de sapatos e prostituta nas horas vagas, encontra o tcheco Jaromil durante
um programa de rastros, pode-se dizer, eternos. A história deles, feita de
encontros e desencontros, idas e vindas, desenrola-se entre a reprimida
Tchecoslováquia e a Paris dos enamorados. A traição será estopim da separação,
rompimento não suficiente para sufocar algo teimoso em sobreviver, mesmo à
distância e ao novo casamento de Madeleine.
Bem Amadas move-se cronologicamente quase reto dos anos 1960 aos
tempos atuais. Nestes, acompanhamos especialmente Véra, a filha do casal. A
bela interpretada por Chiara Mastroianni é emblema da nossa era de carentes,
perdida entre anseios e possibilidades. Sofre apaixonada por alguém que não
pode corresponder-lhe, consolada pela mãe disposta à entrega e pelo pai surgido,
vez ou outra, como guia (sem ranço professoral) de sua menina desorientada. As
dificuldades afetivas da jovem servem para sublinhar o caráter dos
relacionamentos de hoje, mais crus e cínicos.
Se em Canções de Amor (2007), outro dos musicais de Honoré, a
irrealidade, própria ao gênero, contrapõe-se com muita propriedade ao
naturalismo também presente, em Bem
Amadas ela esfria e endurece na medida em que o filme avança, flagrada, sobretudo,
pelas mudanças sonora e cromática. Desbotam-se as eras românticas, as cores se
acinzentam e canções, antes fartas, ficam menos frequentes na expressão oral. É
como se num segundo movimento, o de Véra, a obra trocasse a realidade
estilizada por algo menos idealizado.
Há travas em Bem Amadas, problemas que, se não chegam a comprometer, tornam
algumas partes deslocadas ou até descartáveis, vide a inserção sem maiores
efeitos dos atentados de 11 de Setembro. Mas, no fundo, resiste a beleza às
vezes solar, noutras sombria, do olhar lançado sobre o amor e suas
complexidades. Honoré merece ser celebrado, entre outras coisas, pela reverência
ao passado, indo além da emulação ao conjugar signos e figuras ilustres.
Como é bom ver Catherine Deneuve e Milos Forman juntos em cena, dois grandiosos
símbolos de um saudoso pretérito cinematográfico, assim como as músicas de Alex
Beaupain, evocativas, por exemplo, das sonoridades próprias aos filmes de
Jacques Demy (sem comparações, por favor). No fim, há de se exaltar os méritos
adiante das fraquezas, pois Bem Amadas
pode não ser definitivo, nem brilhante, mas é repleto de poesia e graça.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Como sempre, fico encantada com seus textos Marcelo. Não curto Christophe Honoré,seu estilo não me atrai em nada.., mas seu texto sim. E talvez por conta dele, eu assista o filme!
ResponderExcluirbeijos e parabéns.
Celo!
ResponderExcluirBom, Honoré sempre tem algo de importante/diferente para mostrar.
Abraçosss