Sexo ainda é um tabu. Crescemos
enquanto civilização, progredindo na ciência e noutros campos do conhecimento,
mas esse tão coloquial e prazeroso elemento da vida humana continua encontrando
uma série de barreiras morais para circular fora da clandestinidade. John
Cameron Mitchell, egresso da cena independente americana, abraçou com
vitalidade a ideia de criar uma comédia romântica extremamente sexualizada, sem
com isso deixar de focar emoções que, na maioria das vezes, alimentam as
pulsões carnais. Shortbus, sobre o
escândalo produzido em alguns, procura abraçar náufragos sentimentais para
depois acalentá-los.
Se para muitos soam incômodas as
cenas de homens se masturbando até sorver o próprio gozo, mulheres se tocando
como se nelas não recaísse o peso de uma sociedade machista, interações
homossexuais e taras diversas, é por que a repressão sexual imposta desde cedo atua
na contenção da libido como se disso restasse segurança. Em Shortbus temos a terapeuta de casais que
nunca experimentou o orgasmo e sente vergonha de dizê-lo ao marido. Observamos
os Jamies, aparente modelo conjugal, ambos perturbados: um pelo amor
incondicional e o outro pela depressão profunda. Surgem, ainda, a dominatriz e o
voyeur, arquétipos enriquecidos da
mesma forma por suas angústias existenciais. É bom ressaltar, todos embalados pela
linda trilha sonora de Michael Hill e do grupo Yo La Tengo.
Em meio a penetrações explícitas
e orgasmos, Mitchell vai construindo uma delicada tapeçaria das fraturas pós-11
de setembro. Pessoas emocionalmente quebradiças tentam extravasar por meio de
seus corpos o que a mente não deixa aquietar. Elas encontram num clube democrático (homônimo
do filme) o local ideal para fruir suas vidas sexuais com um pouco menos de
culpa, deixando aflorar anseios de prazer. A meu ver, a chave para entender
aonde quer chegar Mitchel com Shortbus, sobretudo
na utilização de Nova York como pano de fundo ativo, é dada no breve e
emocionante diálogo entre um jovem modelo e o já senhor ex-prefeito. O homem
mais velho abre seus pecados ao desconhecido, diz que aquela terra recém
devastada pelos ataques é um lugar de gente tolerante, perfeita para os golpes
desferidos pelos intolerantes. Acaba como sutil e bela declaração de amor.
A cosmopolita “Big Apple” refugia
aqueles que conheceram a concretude da vida pela alameda trágica da barbárie. Nesse
cenário, no qual medo e cotidiano se confundem, os “desajustados” de Shortbus sentem o baque dos problemas
(sejam eles de ordem pessoal ou global), mas, por outro lado, buscam
constantemente sobrevivência e felicidade. Se para salvar o relacionamento for
preciso incluir a terceira pessoa, um dos Jamies irá escantear seu ciúme. Se
para obter o tão sonhado orgasmo for necessário acessar os recônditos do
desejo, como faz a terapeuta pré-orgásmica, tudo bem. Aos chocados com
genitálias e atos que nem deveriam ser mais tachados de “libertinos”, dada sua
cotidianidade, recomenda-se tentar imergir sem tantas amarras na narrativa
proposta. A recompensa será a veia intimista e verdadeira de Shortbus, longa sobre pessoas e suas
interligações, não algo agressivo ou muito longe do que eu ou você (feliz ou
infelizmente) vivemos.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Olá, Celo!
ResponderExcluirExcelente texto.
Sem dúvida, sexo ainda é tabu. Todos gostam, a maioria faz, e ninguém quer conversar sobre o assunto. É difícil nos expormos, ainda mais através de ato instintivo e que, talvez exatamente por isso, fale tanto de quem realmente somos.