MAMMA ROMA é a risada de Anna
Magnani, atriz que corporifica a bravura materna levada às telas por Pier Paolo
Pasolini. Ex-prostituta, ela busca o filho criado no interior para morar na cidade grande. Acossada pelo cafetão do passado, Mamma Roma precisa
cuidar de Ettore para que ele não sucumba às más influências dos jovens vizinhos
que vivem de delitos. O subúrbio é o local das ruinas, habitat daquela geração vagante
sem eira nem beira, sem perspectivas. A descoberta do amor, a desilusão, o
mundo fracionado ao redor, fazem de Ettore um símbolo, assim como Mamma Roma,
matrona que sustenta (no sentido emocional e financeiro) o filho para que ele
não tenha as mesmas dificuldades. Seja gritando a plenos pulmões na feira livre
ou perambulando em conversas reflexivas com outros seres nutridos pelas
oportunidades noturnas, Mamma Roma reafirma sua sobrevivência contra todas as
probabilidades, personificando como poucos personagens a força do povo italiano
que resistiu à guerra e enfrentou de cabeça erguida a miséria e a dor latente
do período.
Um privilégio assistir a MORANGOS
SILVESTRES em tela grande, numa cópia nova em folha. O homem que sonha com um
relógio sem ponteiros e consigo próprio dentro de um caixão, já numa idade em
que a morte se aproxima, cruza estradas em busca de uma láurea, refletindo
sobre a existência. Em meio às lembranças da infância, ele também rememora
relacionamentos conturbados que lhe deixaram marcas indeléveis. Seja dando
carona aos jovens ávidos para viver da maneira pulsante, ou mesmo nas conversas
com a cunhada que lhe confessa pouca simpatia, o protagonista passa a limpo a
própria vida. Assim, exorciza fantasmas que lhe acompanham insistentemente. Ingmar
Bergman torna seu ídolo, o também cineasta Victor Sjöström, um personagem
emblema que carrega nos ombros a ânsia de quem busca no passado a possibilidade
de contemplar, com menos pesar, o presente e o futuro.
DE GRAVATA E UNHA VERMELHA é um
filme estruturalmente meio quadrado. Pouco do que se vê é potencializado pela
maneira como a diretora Miriam Chnaiderman articula os depoimentos. O
entrevistador Dudu Bertholini é apenas um ouvinte privilegiado. Contudo, o
documentário possui dizeres fortes, alguns até emocionantes, que dão conta de
apresentar a multiplicidade antagônica do binarismo de gênero, verdadeiros desabafos
de gente que viveu muito tempo lutando contra o próprio corpo biológico, ou não
necessariamente. Ney Matogrosso, Laerte, Rogéria, entre outros menos
conhecidos, contam histórias que nos ajudam a entender com um pouco mais de
clareza, e menos folclore, por exemplo, a transexualidade. Nos tempos nefastos
de Felicianos e Bolsonaros, importante termos filmes como este, que lançam luz
sobre questões imprescindíveis, tais como a complexa construção de gênero, suas
implicações físicas, psicológicas e sociais. Diante da relevância do
documentário, cai bem uma vista grossa às suas fragilidades.
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