Ao lançar seus filmes, um
cineasta se expõe, pois está à mercê de comentários e outros tipos de
julgamentos. O crítico de cinema, por sua vez, quando escreve sobre qualquer obra
também se expõe, e muito. Num mundo cada vez mais aberto às opiniões, mas,
paradoxalmente, cada vez mais fechado à boa convivência entre as divergências,
o crítico é aquele que as pessoas aplaudem na concordância e, com a mesma
voracidade, vaiam na discordância. Com a proliferação dos espaços virtuais
dedicados à critica, seja ela profissional ou amadora, em igual proporção surgiu
a dificuldade de algumas pessoas em, ao menos, argumentar com sensatez diante
de algo que vai de encontro às suas convicções.
Falou mal de um filme espírita? É
contra Deus. Relativizou o talento deste ou daquele diretor que todo mundo
gosta? É pedante. Detonou uma globochanchada? Não é patriota. Enfim, a gama de
“argumentos” e generalizações é grande e, tenho certeza que se você, caro
leitor, costuma prestar atenção aos comentários (esse recurso importante que
nós, do Papo de Cinema, apreciamos muito, pois propicia a sempre bem-vinda interação)
já deve ter se deparado com ataques furiosos às opiniões dos críticos, esses
profissionais cuja denominação já conota a muitos uma inclinação aos
apontamentos negativos. Aí vão algumas máximas pejorativas e totalmente
questionáveis, surgidas justamente da dificuldade de conviver com opiniões
diferentes.
CRÍTICO É UM
CINEASTA FRUSTRADO
Para algumas pessoas, mencionar
os pontos negativos de uma realização é sinal de vingança, mas não uma vingança
qualquer, dessas que vemos nos filmes, com direitos a tiros e sangue, mas sim
uma que remete a frustrações profundas de alguém que gostaria de ter uma
cadeira no set com seu nome e gritar “ação” e “corta” entre um plano e outro.
Sim, por que, provavelmente, para essas mesmas pessoas, o cineasta é, também
ele, tal e qual o estereótipo que construíram para defini-lo.
CRÍTICO É CHATO
Alguns são mesmo, assim como
temos bombeiro chatos, caixas de banco chatos, advogados chatos, vendedores
chatos, empresários chatos, médicos chatos, garis chatos, motoristas chatos,
etc. Chato não é o profissional, e sim a pessoa. Mais uma vez a maldita
generalização a serviço de uma contra-argumentação mequetrefe e meio infantil.
CRÍTICO É
MAL-AMADO
Essa é boa. Diz respeito à
vida sentimental e sexual do crítico. Segundo a tese, se ele está feliz,
recebendo carinho, transando regularmente, então todos os seus textos serão
verdadeiras odes aos criadores, repletos de adjetivos e adulações. Mas,
cuidado, ainda segundo a máxima, se esse mesmo crítico levou um pé-na-bunda,
estiver solteiro ou sem fazer sexo há muito tempo, suas resenhas serão rancorosas,
como que para descontar no filme a tristeza de estar só.
CRÍTICO QUE FALA
MAL DE CINEMA NACIONAL SÓ GOSTA DE FILME AMERICANO
Tem gente que concorda com
aquele famigerado slogan ufanista: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Não há motivos
para qualquer profissional disposto a analisar seriamente um filme ser
condescendente com o mesmo em “respeito” à sua nacionalidade. Ou quem sabe
deveríamos aplaudir filmes ruins apenas por falarem nosso idioma? E falar mal
de filmes estrangeiros apenas por serem estrangeiros?
CRÍTICO ODEIA
FILME QUE O PÚBLICO GOSTA
Na verdade não é assim. O que
acontece é que, infelizmente, filmes com potencial para atrair grandes massas
ao cinema nem sempre (para não dizer dificilmente) conseguem ser mais do que
produtos descartáveis para consumo ligeiro e descompromissado. Acredite, a
maioria dos críticos não tem qualquer birra contra o sucesso comercial dos
filmes, mas sim contra espetáculos vazios que ludibriam o público em sua
necessidade de entretenimento, entregando mau entretenimento.
CRÍTICO SÓ GOSTA
DE FILME IRANIANO
Essa também é boa, por que é um
duplo preconceito: contra o crítico e contra o cinema iraniano. Segundo tal
tese, crítico só gosta de filme com planos longos, ritmo lento e todas as
outras características (mal) atribuídas ao cinema do Irã. Cada crítico tem suas
preferências, é claro, e não é por que determinado profissional falou mal do
ritmo bizarro de Transformers, por
exemplo, que ele gostaria de ver os robôs de Michael Bay no deserto do Irã, em takes intermináveis. O problema é bem
mais complexo.
Façamos das opiniões contrárias
um impulso a discussões enriquecedoras, não para ataques inúteis a quem pensa
diferente. Ok?
Publicado originalmente no Papo de Cinema
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