A lendária Boca do Lixo, em idos
tempos reduto de cineastas, prostitutas, bandidos e outros tantos exemplares da
fauna paulistana, teve um rei entre os anos 1950 e 1970: o irascível Hiroito de
Moraes Joanides. Apaixonado desde cedo pela vida boêmia, afeito a noitadas com
o meretrício local, Hiroito aos poucos conquistou o território pelo medo - muito
de sua reputação advinha da facilidade com que disparava em concorrentes ou
mesmo em quem fazia troça de sua inabilidade na sinuca - e arregimentou
lucrativas negociatas baseadas em três pilares: mulheres, subornos e drogas.
Livremente inspirados no livro
que o próprio Hiroito escreveu durante o cárcere, Flavio Frederico (também
diretor) e Mariana Pamplona criaram o roteiro de Boca (exibido anteriormente com o nome de Boca do Lixo), cinebiografia que enfoca a desvairada ascensão de
Hiroito ao topo da criminalidade local. Daniel
Oliveira encarna o protagonista, noutro trabalho notável da já vasta carreira
cinematográfica que ostenta. Aqui e acolá surgem mais figurinhas carimbadas do
cenário brasileiro, como Hermila Guedes, Leandra Leal e Milhem Cortaz. Todos
muito bem, é bom que se diga, mesmo os de pequena participação.
Flávio Frederico exibe talento,
faz de Boca um filme cheio de
energia, personagens interessantes e sequências vigorosas. Porém, a utilização
de saltos cronológicos constantes enfraquece
ligeiramente o desenvolvimento narrativo. No afã de cobrir o maior período
possível, sem para isso estender a duração final (provável amarra orçamentária),
prejudica-se algumas passagens importantes, felizmente sem maiores danos ao
todo, no geral, de feitura esmerada e habilidosa. Exemplo de qualidade, a bela
fotografia de Adrian Teijido é construída com base em evocativos matizes
esmaecidos.
Hiroito de Moraes Joanides foi
figura excepcional, bandido à moda antiga, leitor voraz, deslumbrado com as
possibilidades de ganho fácil através da exploração de mulheres e venda impune
de drogas. Criou-se a lenda enquanto a Boca do Lixo era território sem lei,
quando a polícia subornada fazia vista grossa à desordem instaurada por lá,
muito porque dela (dessa “agitação”) advinham ganhos extras. Boca explora bem o mito, e a despeito do
compasso acelerado, da trama lacunar e um tanto evasiva, tem personalidade suficiente
para não cair no infértil terreno da banalidade.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Impactante, tal qual seu último parágrafo!
ResponderExcluirOlá, Celo!
ResponderExcluirO papel da crítica, entre outros tantos, é jogar luz a certas obras obscuras, seja devido a linha narrativa que tomam ou pelas dificuldades orçamentárias que abalam a vida de tantos filmes brasileiros.
Abraçosss