Mais que um clássico da Sessão da
Tarde, Robocop: O Policial do Futuro é
exemplar da veia criativa e intrépida de seu diretor, o holandês Paul
Verhoeven. Quem mais assumiria um filme ultraviolento, repleto de observações
críticas a políticas vigentes e ao jeito americano de viver, sendo financiado por
um grande estúdio, e sairia impune, ou melhor, consagrado? Só alguém como ele,
cujo trabalho mais famoso é este sobre um policial recém chegado à Detroit,
reconstruído cyborg após ser massacrado pelo crime organizado local. A cena,
inclusive, é brutal, bem ao gosto de Verhoeven, sempre disposto a exagerar (ou
seria trazer mais para o real?) os efeitos da violência. Nada de economia no
sangue, sendo decapitações e outras atrocidades visuais também parte do
cardápio.
Assim que renasce – em ótima cena
subjetiva, onde o olhar digital substitui a visão orgânica, o policial Alex
Murphy vai às ruas, trazendo status e dinheiro a seus criadores. Mesmo
resolvendo delitos, enlevando a moral dos locais, está longe de virar solução
definitiva. Combatentes da delinqüência continuam sofrendo em seus expedientes,
sendo expurgados moralmente das jurisdições. A maioria crê numa greve como forma
de chamar atenção para as precárias condições de trabalho nas ruas infestadas
de marginais. O discurso de Robocop: O
Policial do Futuro é, assim, político na essência e possui clara postura
anti-neoliberalismo, já que a polícia falida de Detroit é administrada por uma
corporação particular de interesses além do bem estar da população. Na verdade,
ela se alimenta do crime para alavancar uma obra de total remodelação urbana, é
claro, vantajosa financeiramente.
Mas há também em Robocop: O Policial do Futuro, além
desse fundo politizado, a marcante dualidade de Murphy. Quando descobre quem é,
em meio a fraturadas reminiscências de sua condição, surge a necessidade de
vingança (instinto puramente humano) contra Clarence Boddicker, o líder da
gangue que quase o levou à morte. Esqueçamos dos efeitos puramente catárticos
das desforras estilizadas com frequência por Holywood, nas quais, findas as
missões, restam os falsos sentimentos de dever cumprido. É óbvio que Robocop
busca uma “descarga” proporcionada pelo sofrimento de quem o fez padecer, mas
sua condição aponta, sobretudo, à necessidade de libertar-se enquanto
indivíduo, logo que se descobre um. Matar para efetuar essa reparação devolve a
Robocop algo de humano, no fim das contas.
Paul Verhoeven é um grande
diretor, disso não há dúvida. Sua maneira de arquitetar a natureza política do
filme, não o sufocando com panfletos e imperativos, tornando-o acessível e
profundo, é própria daqueles que procuram ampliar mensagens e não segmentá-las.
Notem como ele utiliza sabiamente o recurso do telejornal para apresentar o
mundo que circunda os personagens da trama. Prestem atenção, também, na
re-humanização gradativa de Murphy, em seu trajeto doloroso atrás do homem que
nunca mais voltará a ser. Atentem, ainda, para as múltiplas camadas, sobretudo aquelas
que interligam ação e drama. Robocop: O
Policial do Futuro é mais um filme notável de Paul Verhoeven, artista de genialidade
muitas vezes confundida (talvez por miopia) com banalidade.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Olá, Celo!
ResponderExcluirEstá aí um filme que gostaria de rever.
Lembro que, quando pequeno, adorava o filme, apesar de o achar triste. Vagamente, recordo de um robô com rosto humano, um rosto amargurado, alvo e cheio de dor. Uma hora dessas eu o revisito.
Abraçosss