Adaptação do romance de ficção
científica escrito por Robert A. Heinlein e publicado na The Magazine of Fantasy & Science Fiction entre outubro e
novembro de 1959, o filme Tropas
Estelares transformou-se em cult com
o passar dos anos. A sátira militarista orquestrada pelo diretor Paul Verhoeven
parte do ambiente escolar, onde Johnny Rico, entre flertes e outros expedientes
estudantis, resolve alistar-se na Federação (espécie de governo central) apenas
por que a namorada sonha em ser piloto. A trama se passa num futuro estilizado,
no qual o conceito de cidadania está estritamente ligado ao alistamento, ou a
alguma forma de negação da individualidade. Johnny não precisa ser “cidadão” (seus
pais têm dinheiro), mas a vontade de impressionar sua garota o leva a almejar o
engajamento.
Inepto na matemática (a
habilidade nesse quesito lhe garantiria um posto avançado), o rapaz é levado à
infantaria móvel, regimento de combate direto a ameaça que vem do planeta Klendathu:
insetos gigantes e hostis. Lá terá de lidar com a saudade da amada, a
insistência de uma garota por ele apaixonada e também com a tensão gerada após
cada missão, cujos rastros de morte e desolação são inevitáveis. Muitos teimam
em ver a progressão narrativa de Tropas
Estelares como reafirmação diegética do poder bélico. A meu ver, configura-se
quase no oposto, pois questiona a ética das forças que levam milhares de jovens
a combater em frentes desconhecidas.
Tropas Estelares é um filme violento, e essa brutalidade vista na
tela é constante servidora de um viés crítico. Durante a guerra, chegam apenas
números às pessoas que dela não participam, mas, é bom humanizar-se, pois sob
cada um deles existem vidas ceifadas por conflitos muitas vezes arbitrários. Os
soldados vitimados pelos insetos naturais de Klendathu sofrem mutilações e
outras barbáries nas mãos de seus opositores. Somos testemunhas de um
verdadeiro banho de sangue, talvez para que dimensionemos o real teor das perdas.
Ainda assim, até o espectador mais sensível provavelmente ficará estranho às
inúmeras mortes de extraterrestres, ao passo em que sentirá cada baixa humana.
A análise é clara: compadecemo-nos apenas de nossos semelhantes, legando
indiferença aos outros.
O quadrilátero amoroso de Tropas Estelares é apenas um distrativo
que traz algum romance ao entorno, porém sem muita importância ao real intento
de Paul Verhoeven que é o olhar satírico/amargo do furor militarista na dominação
ou expurgo do alheio. A sociedade vista no filme celebra uma cidadania torta
desde cedo, trata com naturalidade crianças segurando armas e almejando uma
carreira quase suicida. Tropas Estelares
se desenrola em duas frentes: a primeira mostra típico embate entre humanos e
inumanos, edificando heróis num drama sangrento; já a segunda expõe seu
substrato nevrálgico, contextualizando a guerra e a trajetória do protagonista
numa realidade essencialmente militar e, por que não, totalitarista. Mais uma
vez Verhoeven navega pelo mar das aparências, as desvelando magistralmente,
conforme sua especialidade.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Boa, Celo!
ResponderExcluirLembro de ter assistido a esse filme quando ainda inédito, lá no decadente SBT. Creio que valha uma nova visita.
Abraços