Há alguns filmes de força interna
quase inexplicável. Não necessariamente sejam os melhores, entretanto é
provável que guardemos justo esses nos recônditos da percepção como alimento da
paixão pelo cinema. Duro é tentar exprimir textualmente sensações emanadas da
tela direto aos nossos sentidos. Iluminar um plano, dissecar a construção
narrativa, nada disso parece dar conta de determinadas sessões. Papel ingrato
do crítico, o de tentar racionalizar sempre.
A Banda possui esse mistério das boas obras. Nele, certa banda
militar egípcia chega ao território israelense para a inauguração de um centro
cultural árabe. Burocracias e outros
contratempos fazem a trupe chefiada pelo coronel Tawfiq ficar à deriva numa
pequena localidade erma, onde são acolhidos na presença da solar Dina, dona de
modesto restaurante. Aqui e acolá surgem algumas animosidades, sobretudo no
início entre o experiente líder e o jovem Haled, para temperar esta narrativa em
que olhares estudiosos e gestos plácidos constroem de maneira lenta o drama
muito longe do choroso e mais distante ainda do empedernido.
Sim, há nas entrelinhas de A Banda, ou na camada logo abaixo da
superfície, claro comentário político, afinal de contas o grupo é formado por
árabes em território historicamente hostil ao seu povo. O diretor Eran Kolirin,
porém, toma todas as precauções para seu filme não carregar o ranço dos
conflitos milenares, evitando assim panfletos ou discursos inflamados. Ele
prefere lançar luz sobre o sofrimento represado de Tawfiq, contrapondo-o à
conduta de Dina para evidenciar diferenças, sem gritarias ou imposições. Conta
para isso com as interpretações milimétricas de Ronit Elkabetz e Sasson Gabai, atores
que parecem doar suas próprias vísceras aos personagens.
As tentativas de Dina, propensa a
conquistar o militar de semblante cansado, aproximam dois mundos aparentemente
opostos, ainda que entre eles resista barreira difícil de transpor. Nesse
tocante, o jovem Haled surge como o duplo de Tawfiq, avatar da geração que pode
renovar questões ainda que não bem resolvidas e aproximar pessoas. Saciar o
desejo sexual de Dina é assumir as responsabilidades que escapam daqueles já
curtidos pelo tempo e os vícios da tradição. É ato de aparência banal, mas de
simbologia importante.
A Banda se passa num dia, mas parece guardar em si a experiência de
meses. A belíssima cena na qual Haled ensina com gestos um jovem israelense a
amar é tão rica que por si valeria a audiência, só encontrando paralelo noutra,
a da epifania melódica num simples brinquedo de criança. Trocas entre rivais,
câmbios puros em meio a intolerância enraizada, de repente é isso que faz de A Banda tão tocante.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Boa, Celo!
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