O jornalista Celso Afonso Gay de
Castro morreu aos 41 anos, na cidade de Porto Alegre, em ocasião controversa de
grande repercussão na mídia da época. Ele teria ingressado junto com um amigo
no apartamento do alemão Rudolf Goldbeck, ex-cônsul do Paraguai, e falecido por
lá mesmo, em suicídio motivado pela impossibilidade de escapar. Há várias
versões, entre elas a que sustenta Celso investigando atividades nazistas no
Rio Grande do Sul e Goldbeck como ex-oficial da Gestapo. De qualquer forma o
episódio foi traumático e motivou Flávia, filha de Celso, a investir num
documentário que resgatasse a figura do pai, para além da projeção insistente após
sua morte.
Em Diário de uma Busca é forte esse senso de arqueologia sentimental, com
vistas à retomada da figura paterna que feneceu depois de anos militando à
esquerda contra a ditadura militar instaurada no Brasil. De pouco em pouco, tal
ouvinte atenta dos depoimentos que reconstroem seu pai no plano memorial,
Flávia vai também perscrutando os anos de chumbo cuja herança é marca indelével
na história brasileira. Ao passo que recria trajetos, primeiro o dos pais e
depois o próprio, ela, conscientemente ou não, se faz signatária de toda uma
geração nascida e crescida em meio a tempos turbulentos, dias incertos e futuro
ainda mais duvidoso.
Cronologicamente reto, exceção
feita a alguns desencaixes de tempo necessários para estabelecer certas
ligações contextuais, Diário de uma Busca
consegue ser extremamente pessoal e familiar, ainda quando aberto às instâncias
gerais da situação brasileira de outrora, cujos reflexos se fazem notar nos
dias de hoje. A câmera examina documentos, fotos, cartas, e mesmo os
interlocutores, com carinho de filha saudosa. O trajeto de Flávia é
visivelmente doloroso, afinal de contas, mais que desvendar um crime, ela quer
trazer à tona o pai, o passado engajado da família e a luta travada contra
sistemas opressores. Nele, por bem, não cai na hagiografia, nem mesmo parece
tentada a mitificar Celso e camaradas, inclusive sua mãe.
No Brasil temos experimentado grande
profusão de documentários e como em toda aglomeração há bons e ruins, uns
relevantes e outros nem tanto. Nesse cenário, o filme de Flávia Castro se
destaca justamente por aliar correntes geralmente incapazes de habitar o mesmo
projeto: pessoalidade e abrangência. É claro, o tema escolhido clama pelo
imbricamento, mas, é bom lembrar, nem sempre talento e oportunidade se
amalgamam com facilidade. Felizmente, em Diário
de uma Busca há discernimento suficiente para fazer caminharem juntas a
busca (conteúdo) e a forma (linguagem), na estrada que leva Flávia de volta ao
pai e nós ao encontro do passado que não temos o direito de esquecer.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Excelente texto, Celito!
ResponderExcluirDocumentários. Está aí um gênero do cinema que muito chama minha atenção.
Felizmente, temos no Brasil produções bem interessantes, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto da linguagem.
Forte abraço.