Em CÃO SEM DONO, os diálogos e os
movimentos são trabalhados ao ponto de parecerem naturais, não encenados. O
protagonista é um jovem adulto meio à deriva, sem porto seguro profissional nem
mesmo afetivo. A bela mulher que entra em sua vida, infiltrando-se aos poucos
por entre as brechas da resistência, sacode seu dia a dia. O filme é feito das
deambulações dele, de sua cada vez mais evidente inquietude existencial. As
andanças pelas ruas de Porto Alegre, as conversas aparentemente banais, os
interlúdios de felicidade, são acontecimentos que preenchem apenas alguns espaços
superficiais. Nada do que ocorre parece realmente significativo, a não ser o
amor por Marcela. A trama caminha pautada pelas elipses, pelos buracos
propositalmente criados para dar dinamismo ao filme, evitando, assim, que se
desenrole de maneira convencional. É uma história de formação tardia, que
sinaliza a tendência atual do amadurecimento emocional moroso, efeito colateral
da forma como nos relacionamos, entre nós mesmos e com o mundo, nos dias de
hoje.
Muito se fala sobre Anthony
Hopkins e Jodie Foster em O SILÊNCIO DOS INOCENTES, e com razão. Que grandes
interpretações, a dele como o assassino frio, calculista e inteligente, e a dela
na pele da obstinada jovem com diversas áreas cinzentas prontas a serem
exploradas. Mas, o que me impressionou particularmente na revisão foi o
trabalho de câmera do diretor Jonathan Demme, a decupagem incomum para um filme
com fortes elementos policiais. Há predominância dos planos fechados, o que
torna tudo mais íntimo nas interações sociais e claustrofóbico nas sequências de
ação e suspense. O jogo psicológico é hipnótico, boa parte por conta dessa
predileção diretiva em demorar-se nos rostos. Sempre que possível, enquadra-se
um personagem de cada vez, bem de perto. Embora estejam juntos em cena, cada qual
trava suas batalhas particulares, e isso é ressaltado com muita eficiência pela
imagem. Demme cria um forte drama psicológico, muito mais focado na dinâmica entre
Hannibal e Clarice que em qualquer esforço para encontrar Buffalo Bill. A relação
professoral/paterna se fortalece cada vez mais como verdadeiro pilar do filme.
O protagonista de O ANJO AZUL é
um bastião da moral e dos bons costumes. Professor, ele descobre que seus
alunos estão enredados por uma atriz de cabaré. Ao tomar contato com as pernas
e a voz da personagem de Marlene Dietrich ele se apaixona, chegando a largar
sua respeitada profissão para segui-la na vida itinerante. O filme de Josef von
Sternberg deve ao expressionismo, algo visto nos cenários ligeiramente
retorcidos e na fotografia que mostra um contraste forte entre a luz e a
sombra. Emil Jannings transmite a deterioração pela qual o professor Immanuel
passa, a gradativa descida ao inferno de um homem que perdeu o chão,
atirando-se ao amor desajeitadamente, sem qualquer prudência. Literalmente
transformado num palhaço tristonho, ele encena sua miséria no palco da cidade
natal, retorno que atrai a massiva atenção dos que o conheceram nos tempos do
magistério. Marlene Dietrich, por sua vez, exala sensualidade e perigo. O final
ressalta a vocação trágica do filme, algo que se pode antever pela trajetória
cada vez mais tortuosa de todos.
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