Em MISS JULIE é lacerante a
tirania do desejo, mais especificamente da impossibilidade do gozo sem culpa,
em virtude dos grilhões das convenções sociais. Tudo principia num jogo de
submissão, em que o cavalariço resiste até onde é possível ao assédio da filha
do Barão, sua patroa, no mais das vezes semelhante a uma menina mimada. O
empregado é feito um animal encurralado pela dona sádica. A terceira personagem
deste filme de Liv Ullman é a cozinheira que testemunha tudo, não sem seu
próprio investimento emocional. A consumação muda as coisas, bagunça as
máscaras que aqueles pessoas usam, precipitando um torvelinho de agressões
motivadas por poderes alheios ao controle dos que digladiam. Embora se passe
quase num único cenário, o filme não se presta ao pejorativamente chamado “teatro
filmado”. Há muito cinema na câmera que ora desliza contemplando, ora muda
bruscamente de face a face, só para citar o aspecto da imagem. Colin Farrell,
Jessica Chastain e Samantha Morton, que trio em cena. Dona de um olhar muito
particular às vicissitudes do humano, Liv Ullman busca apoio em Strindberg para
fazer um ótimo filme.
DRÁCULA DE BRAM STOKER é um conto
de amor trágico centrado no senhor dos vampiros. A cena em que o príncipe
regresso da guerra renega Deus após deparar-se com sua amada morta é primorosa.
A armadura em forma de músculos tem duplo significado, pois, ao passo em que
aterroriza pelo visual é uma metáfora à exposição do personagem de Gary Oldman
às brutalidades do mundo. Simbolicamente sem pele, depois literalmente sem
alma, ele vaga séculos até encontrar novamente sua amada. A sensualidade anda
de mãos dadas com o perigo, a sedução é a arma do demônio para angariar
soldados ao seu exército. A imagem barroca, a trilha sonora, a progressão dos
personagens por cenários claramente construídos em estúdio, tudo remete à
abordagem clássica dos contos de terror pelo cinema. O drama maior é o do
próprio Conde Drácula, um homem que devota vida e morte ao amor que perdeu para
as traquinagens do desconhecido. A criatura repugnante se transmuta em nobre
para reaver sua paixão, para reconciliar-se consigo mesmo. Os outros
personagens são meras peças, agentes que ajudam a história a progredir até o
desfecho doloroso. Antes de ser um demônio, Drácula é vítima da desgraça nessa
obra-prima de Francis Ford Coppola.
Calvero é um palhaço arruinado
pela passagem do tempo. Embriagado, ele salva uma jovem bailarina que tenta se
suicidar. Por conta desse encontro inusitado, motivada pelas palavras do homem
mais velho por quem se apaixona, ela se recupera e começa uma carreira
ascendente. Já ele remói as próprias feridas, bebe cada vez mais para esquecer
o fracasso. LUZES DA RIBALTA fala sobre o crepúsculo do artista, aquele
instante em que ele passa a não mais interessar como antes. Dar passagem aos
mais novos pode ser um esforço hercúleo, bem maior que um simples gesto altruísta.
Chaplin homenageia os que viveram no palco, nas telas, mas que sucumbem
inevitavelmente ante a velocidade com que o público cobra coisas novas. O
relacionamento de seu personagem com a menina devotada e agradecida é o
ingrediente romântico dessa tragédia inevitável. Ele sabe que não há como
fazê-la plenamente feliz, por isso, como muitas vezes o vagabundo de
chapéu-coco fez, renuncia ao amor em prol do futuro alheio. A lamentar apenas o
pouco tempo em que Carlitos e Buster Keaton contracenam e alguns esquetes que
se estendem ligeiramente. No mais, um grande filme.
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