Valentin (Rodrigo Noya) é um
menino argentino de nove anos que sonha em ser astronauta, isso na Buenos Aires
dos anos 1960. Ele mora com a avó (Carmen Maura), já que o pai está sempre
tomado pelo trabalho e a mãe não é vista desde a separação traumática dos dois.
Em seu quarto, Valentin brinca de ser um desbravador do espaço, talvez
almejando algo que o leve para longe da Terra chata e sem graça, na qual nem
mesmo suas contagens frequentes até 1000 servem para prenunciar o tão aguardado
retorno da mãe. A avó, rígida e terna, faz o que pode para educar o menino, sua
única companhia após a morte do marido. De quando em quando o pai visita ambos
ou o tio traz notícias de longe, passagens breves que enquanto duram são só
alegria, mas que quando acabam deixam um rastro de abandono pela casa antiga.
O protagonista de Valentin (2003), filme dirigido por
Alejandro Agresti, é uma faísca de esperança em meio a tantos adultos
problemáticos, se contrapõe ao peso excessivo das rotinas de gente grande justamente
porque à sua infância ainda é permitido ter esperança ou mesmo sonhar alto sem
parecer alienado da realidade. De juventude contemporânea à morte de Che
Guevara, ocasião histórica lembrada com pesar lá pelas tantas durante o sermão
do padre, Valentin procura amenizar seus próprios problemas, sendo os
principais deles a falta de uma referência masculina e a necessidade de carinho
materno. Ele se coloca basicamente num meio termo entre as coisas boas esquecidas
e as ruins excessivamente lembradas pelos adultos que o cercam. Enquanto
criança, não entende os porquês de tanta discórdia, de tanta complicação, já
que a pouca idade ainda lhe poupa dos calos que só vêm com o tempo.
Não parece aleatória a escolha de
Alejandro Agresti pela ambiência nos difíceis anos 1960, período da contenção
das revoluções, dos movimentos ditatoriais sul-americanos que abafaram a
democracia, enfim, de anos de chumbo que só poderiam ser encarados com um pouco
menos do que desespero por aliados, alheios ou crianças. Mas Valentin passa à margem daqueles filmes
que essencialmente trazem o período nefasto filtrado por olhos infantis, uma
vez que a questão política não é necessariamente condutora, se propondo mais a
uma espécie de moldura quase translúcida e discreta. O que importa à trama é a
vida corajosa que Valentin leva, sua simpatia e ânimo para vencer os
infortúnios que batem prematuramente à porta. Além da inteligência precoce, Valentin
demonstra com seus atos que um pouco de afeto talvez seja o antídoto necessário
para combater os males diários, sejam eles quais forem.
Esse garoto que em princípio
reproduz inocentemente o preconceito da família contra os judeus, com a mesma
naturalidade com a qual abandona a discriminação ao entende-la cruel – ou seja,
passando da reprodução de uma herança familiar às próprias ideias –, se esforça
em seu cotidiano para juntar aqueles que vagam sozinhos, seja ajudando o pai
com a nova namorada – que ele quer por nova mãe – ou mesmo cultivando amizade
sincera com o amigo pianista que após conhecê-lo diminuiu o álcool, até então
seu único companheiro. O sonho do garoto de subir além do céu, a fim de tocar
as estrelas, encobre um real desejo que nada tem de extraordinário. Valentin só
quer ser como os outros e ter uma família para chamar de sua.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
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