Como li por aí, QUE HORAS ELA
VOLTA? corre o risco de ser eclipsado pela atuação de Regina Casé. Mas, para
além desse trabalho excepcional de interpretação, fica a visão madura e muito
bem construída das tensões sociais ainda muito vivas no Brasil. Lugares
pré-determinados, ambientes exclusivos, artigos de consumo restrito, são muitos
os detalhes que evidenciam os abismos responsáveis por separar classes. Da
perplexidade da patroa com a “petulância” da filha da empregada que deseja
cursar arquitetura numa concorrida faculdade pública à própria reação da
personagem de Casé à maneira desavergonhada com que Jéssica reivindica espaços,
tudo está a serviço de uma visão bastante ampla, não restrita aos estereótipos
e arquétipos, flertando com tais expedientes apenas como forma de sustentar
papeis que deles realmente se alimentam. A cena da piscina é emocionalmente
forte, possui simbologia política diretamente ligada às conquistas das classes
C e D nos últimos anos. A vitória que quebra a hereditariedade da miséria
propicia a ocupação de lugares até então restritos por uma lei não escrita,
proporcionando esperança de liberdade e crescimento, onde antes havia apenas
servilismo. Um ótimo filme.
CORRENTE DO MAL vem sendo
celebrado como exemplo de vida inteligente no cinema contemporâneo de horror,
não sem razão. O clima de tensão é constante nessa trama centrada na garota que
recebe uma maldição após transar. Por mais que corra, se afaste, seja onde
estiver, ela é perseguida por uma entidade macabra que assume formas diversas.
Para livrar-se, precisa fazer sexo e passar adiante a praga. A câmera se
incumbe de boa parte do clima de opressão, com personagens desavisados enquanto
ao longe vemos a aproximação do perigo, por exemplo. O diretor David Robert
Mitchell constrói habilmente uma atmosfera carregada de apreensão, impregnada
da sensação de morte iminente. Não há muito tempo para a protagonista
problematizar seu dilema – passar ou não adiante a força maligna – já que cada
instante de reflexão mais demorada pode significar a aproximação do perseguidor
e de suas intenções assassinas. Não há explicações de origem, pois o que
importa são as consequências. Pode não ser uma obra-prima, mas não faz feio
diante de bons exemplares do gênero, sobretudo alguns dos anos 1980.
LOVE, mais recente filme de
Gaspar Noé, chama a atenção, à primeira vista, pelo despudor, pela maneira
explícita com que mostra o sexo, a carnalidade do amor. Masturbações, felações,
penetrações e o gozo, tudo irrompe na tela menos pelo potencial do choque e
mais para materializar o amor e a posterior dor da perda. O corte deflagra a
ausência, ausência do corpo de Electra, da mulher que se foi deixando Murphy
numa vida burocrática. Sem reverência alguma à cronologia, Noé constrói aos
poucos, aos solavancos, a história de um sentimento que parou de tanto pulsar.
Há um desequilíbrio entre a primeira e a segunda parte, pois com o passar do
tempo percebemos reiterações indesejadas. Contudo, ainda que não seja isento de
percalços, o filme de Noé dá conta de exteriorizar uma dor que parece
particular demais para ser cinematográfica, no sentido espetacular que o termo
às vezes carrega. Frustração, tempo perdido, tudo está ali, entre uma transa e
outra, na busca pelo equilíbrio entre as forças que emanam das relações. Cinema
sensorial, que excita e nos permite criar empatia com os personagens que vagam
buscando momentos de felicidade.
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