O diretor Fernando Meirelles
alcançou o olimpo através de Cidade de
Deus, um dos filmes brasileiros mais celebrados dentro e fora de nosso
país. Portanto, é com a aventura cinematográfica do “Trio Ternura” (e de outros
moradores da favela carioca) que seus filmes são e serão comparados. É assim
mesmo, grandes obras trazem alegria e algum fardo ao seu criador. Mas é bom que
se entenda logo de cara: Meirelles não é um autor, suas obras são desprovidas
de constantes temáticas e estilísticas. Poucos são os pontos de convergência
entre Ensaio Sobre a Cegueira e O Jardineiro Fiel, por exemplo. Sorte o
cinema viver igualmente de habilidosos artesãos, dentre eles o próprio Meirelles,
que, após projetos erráticos, parece ter voltado aos trilhos da boa artesania
com 360, seu mais novo filme.
Não há muito, o cinema viu-se
perdidamente enamorado pelas múltiplas narrativas com personagens atrelados no
intuito de amplificar um sentimento de conexão, e até mesmo aleatoriedade. Afeito
a projetos internacionais, desiludido com os meios de fomento no Brasil,
Meirelles fez-se usuário desse expediente, num verdadeiro tour por Europa e EUA, para filmar sua versão de "La Ronde”,
clássica peça de Arthur Schnitzler. Nela, vários personagens surgem
interligados para expressar relacionamentos multifacetados, escolhas, vícios e
virtudes. Em 360, Fernando Meirelles
se posta onipresente enquanto testemunha, contudo nunca soando demasiado
onisciente. Assim o filme não bate friamente calculado no espectador, como
alguns de seus congêneres.
Todos são protagonistas em 360, até o próprio título que deflagra,
em graus, o movimento percorrido pelo roteiro do inglês Peter Morgan em seu
itinerário narrativo. Dentre os tipos, a menina que tira fotos para um catálogo
de prostitutas na internet, o marido tentado a trair sua esposa, o homem
dividido entre a fé e o amor, aquela resolvida a por fim em seu affair com um fotógrafo brasileiro, etc.
Todos se interligam organicamente dentro dessa perscrutação que expõe elementos
comuns a certas experiências e reações. O empenho do diretor surge mais
claramente no ótimo trabalho com os atores, todos muito bem. Por certo um elenco com Anthony Hopkins, Jude
Law, Rachel Weisz e Bem Foster, para citar somente alguns, ajuda e muito nesse
sentido, mas apenas a direção segura, alimentando-se do roteiro e
posteriormente contaminando a montagem, pode trazer a coesão e a força
dramática apresentadas em 360.
De todas as histórias contadas, a
mais insólita é a de Tyler, o homem recém saído da cadeia e determinado a derrotar
a compulsão por sexo. Sua luta sinaliza o quão somos vítimas de comportamentos
aditivos e vícios, banais aos olhos daqueles que os imaginam como fruto de deliberações
friamente racionalizadas. Várias das figuras de 360 debatem-se frente a impulsos, saídas dúbias, movimentos amorais
e felicidades fabricadas. O cinema é muito diferente da realidade (até quando
dela quer se aproximar), porém, há algo mais humano que a luta constante para
derrotar monstros internos? 360 é
sóbrio na medida, fotografado discretamente e contido mesmo quando passional. O
espaço que poderia abrigar firulas, facilidades e maneirismos, é ocupado por
diálogos afiados e pela observação bastante sensível de aspectos que nos tornam
humanamente prosaicos na essência.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Celo!
ResponderExcluirConcordo contigo: "Cidade de Deus" sempre acompanhará o diretor brasileiro, mas é o preço que se paga por realizar uma obra-prima como tal. Depois de sua crítica, verei o mais rápido possível esse novo Meirelles.
Abraçossss