Neusa
Barbosa começou como repórter de Cidades na Folha de SP. Passou rapidamente
pela Folha da Tarde – onde trabalhou na editoria de Cultura. Depois, pelo
Estado de S. Paulo, também na editoria de Cidades. Em seguida, um ano como
editora de Internacional na extinta Revista Visão. Logo foi para Veja S. Paulo,
onde assumiu a coluna de Cinema por seis anos, período em que acumulou outras
colunas, como a de música clássica.
Quando
saiu da Veja SP, em 1996, começou a trabalhar como free lancer para vários veículos, como o jornal Correio Popular de
Campinas. Em 2000, criou o site Cineweb (www.cineweb.com.br), especializado em cinema
e fornecedor de conteúdo para agência Reuters e portal UOL. Atualmente, edita o
site, onde escreve críticas, reportagens e tem um blog (Celuloide Digital), sendo,
ainda, colaboradora das revistas Bravo e Select.
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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Começou
bem cedo, quando eu era criança e meu pai me levava para assistir desenhos animados
tipo Walt Disney. Eu sou a filha caçula e também ia com meus irmãos mais velhos
assistir algumas coisas censura livre. Profissionalmente, eu sempre quis ser
jornalista de cultura, mas no começo da carreira isso não foi possível. Eu
comecei como repórter de Cidades, na Folha de SP. E acho que foi muito bom
profissionalmente, ter essa experiência mais urgente, de cobrir emergências do
dia a dia, greve de ônibus, de professores, eleições municipais, etc. Eu
comecei mesmo a escrever sobre cinema anos depois, quando assumi a coluna de
cinema da revista Veja SP, onde trabalhei seis anos. Daí em diante, não parei
mais.
• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de
hoje?
É
uma atividade que se transformou enormemente por conta de mudanças
tecnológicas, sobretudo. Hoje em dia o público tem sua própria rede de
comunicação, via twitter, facebook, trocando informações. Também houve a
explosão da internet, a multiplicação de sites e blogs. E, ao mesmo tempo – mas
não pelo mesmo motivo -, encolheu o espaço dedicado à cultura nos jornais.
Ainda assim, a crítica não perdeu sua razão de ser, seu sentido. A reflexão
sobre a arte, não só sobre o cinema, continua tão fundamental como sempre foi,
até para que essa arte respire, se reolhe, se transforme. Sem a reflexão, a criação
se empobrece. Claro que estou tendo em vista uma crítica informada, preparada,
profissionalizada, responsável, não os “chutadores” que existem em tantos meios
por aí.
• Qual sua posição frente a nova crítica de
cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Acho
que na era dos blogs os espaços críticos se multiplicaram, mas nem sempre eles
merecem ser considerados assim. Há muita opinião gratuita, muito “achismo”
amador, isso não pode a rigor ser considerado crítica. Por outro lado, há sites
e blogs que conseguiram firmar sua identidade como locais de reflexão e diálogo
com os cineastas, criadores, e também com o público. É um processo de depuração
normal, necessário e permanente.
• Como vê o academicismo de certas linhas de
pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando
a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da
análise subjetiva?
O
academicismo é um vício, quando ele acarreta uma atitude fechada, esnobe, que
tende a tentar criar um clubinho com poucos sócios com direito à palavra. Não
gosto dessa atitude, que é comum também em meios universitários. A dissecação
de um filme pode recorrer a várias ferramentas, mas entendo que a crítica
fundamentada conjuga a objetividade com a subjetividade, tendendo ao
equilíbrio. Mas não sou contra a paixão, ela cabe dentro da crítica. O que não
cabe é subordiná-la a antipatias pessoais...
• Quais são seus críticos de cinema
favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho,
e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de
cinema.
Paulo
Emílio é sempre um farol, porque ele conjugava o rigor intelectual com o humor,
com uma leveza exemplar. Dos atuais, gosto muito do José Geraldo Couto, do Luiz
Zanin e do Inácio Araújo, são pessoas que leio sempre com prazer e atenção,
ainda que discorde deles em vários casos. Dos estrangeiros, gosto bastante do
Peter Bradshaw, do jornal inglês The Guardian, e da Mannohla Dargis e do A.O.
Scott, do The New York Times.
• É célebre a história de Antonio Moniz
Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois
acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise
criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante
desalento?
Vários: Federico Fellini, Stanley
Kubrick, Ingmar Bergman, Robert Altman, Theo Angelopoulos. Eles fazem
uma falta enorme! E são insubstituíveis.
• A perda de espaço de textos críticos nos
veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida
dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho
que há um conjunto de razões: os veículos querem economizar papel, então a
primeira vítima é o caderno de cultura, que muitas chefias e direções de
redação, por uma visão enviesada – e por, em geral, estas pessoas serem
provenientes mais das editorias de política ou economia -, acreditam supérfluo
ou dispensável. Há também um empobrecimento cultural na escola nos últimos
anos, especialmente por ser movida por uma visão mercantilista, que encara o
processo educacional como mero treinamento pare entrada no mercado de trabalho.
Por essa visão, matérias como literatura, teatro, filosofia, história,
sociologia, etc., não valem muito. E são elas que oferecem o estofo mais
reflexivo de uma educação integral, que forme um pensamento analítico, crítico.
Outra razão de “tempos de pouca reflexão”, como você diz, está na televisão.
Nossa TV, nas últimas décadas, se empobreceu culturalmente – ela que começou
nos anos 50 com teleteatros onde se encenava Tchecov e Nelson Rodrigues hoje
produz novelas de dramaturgia indigente. Sem contar programas como BBB. A TV
tem moldado hábitos culturais para o pior, também com seus programas de
auditório, onde nunca se veem os melhores músicos do País. A melhor cultura
nacional vive nos circuitos alternativos. O
cinema brasileiro, com raras exceções, também está fora da televisão – que
deveria ser sua parceira (e não só no modelo Globo Filmes, deveria haver
modelos mais parecidos com a Arte europeia). É de se perguntar porque a TV
estatal e educativa não segue um modelo como o da Arte, produzindo projetos
para exibir também no cinema, de alta qualidade.
• Discutir "comércio versus arte"
ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
É,
sim, em qualquer cinematografia essa dicotomia se estabelece. São raros os
filmes que conseguem conjugar os dois, mas existem. Em todo caso, é preciso
haver mecanismos de produção para que os filmes de arte não deixem de ser
feitos. Os comerciais, aliás, não precisariam de incentivos – deveriam ser
produzidos por produtores privados, que colocassem seu dinheiro e corressem os
riscos do jogo capitalista. No nosso mercado, não há produtores com esse
perfil.
• Como vê o cinema brasileiro atual?
De
um lado, com otimismo, porque a retomada deixou de ser um fenômeno temporário.
Ao que parece, desde 1994 estamos finalmente tendo uma produção regular de
cinema, que autoriza pensar na formação de uma indústria – por mais que haja
sinais claros da necessidade de uma revisão das leis de incentivo. Por outro
lado, vivemos um momento de transição, de uma certa crise de modelos. Temos a
comédia de grande público, de modelo televisivo, bem estabelecida. Do lado dos
filmes mais empenhados, com maior ambição dramatúrgica, parece que há uma certa
dificuldade de dialogar com todo o público que se desejaria – um caso recente é
“Xingu”, que os produtores pensaram para 1 milhão de espectadores, mas parece
que não chegará a 400.000 espectadores. Como toda crise, é um momento de pensar
e mudar de direção, o que enriquecerá os resultados futuros.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Ótimo!
ResponderExcluirMais uma bela entrevista.
Até mais.