Não são raros os relatos, mesmo
no cinema, de jornalistas cujas vidas foram alteradas pelos rumos de determinadas
matérias, ao mergulhar em situações e pessoas fugidias de seu cotidiano. Elles, da diretora Malgorzata Szumowska,
funda-se nesse princípio do investigador transformado pelo objeto de
investigação. Anne, interpretada com a qualidade de sempre por Juliette Binoche
(a atriz dispensa maiores comentários), vê sua pequena burguesia atormentada
pelas duas meninas ouvidas para seu artigo sobre prostituição juvenil na
França. Alicja é imigrante polonesa, atira-se na vida escondendo da mãe o
ganha-pão, da mesma maneira que a francesa Charlotte o faz do namorado. Óbvio,
temem olhares julgadores, assim como na realidade.
Longe de quaisquer alterações
bruscas, aos poucos, a jornalista vai ansiar por sorver o tesão cotidiano das ninfas.
A ideia, me parece, é contrapor a comodidade dessa mulher de meia-idade, à
excitação de uma juventude ávida por oportunidades. Anne deveria, então, sentir-se
convidada a provar o mel da mocidade revisitada, na experiência dos outros,
mais excitante que condenável. Também já vimos isso muitas vezes: gente
desperta da longa inércia quando comparada a seus distintos. Até aí novidade alguma,
mas por que precisaria sê-lo? A originalidade maior há de residir na forma como
a trama se desenrola, e Elles bem que
tenta achar sua identidade em meio a tantos similares.
Há esforços visíveis para evitar
eventuais quedas no lugar-comum. Prova
disso, a sobriedade do registro e a distância mantida de pré-concepções e
facilidades. Por paradoxo, tal busca acaba apequenando potenciais, quem sabe, melhor
empregados se abertos ao erro, menos compromissados com o acerto. Há sexo,
masturbações e algumas cenas ousadas, como a da menina resignada ao ser
sodomizada por um objeto, mas há também resguardos de moralismo travestido, e um
exemplo é o momento em que Anne se dá ao desejo, entrega testemunhada sob a bruma
de um desfoque quase total e castrador. A hesitação tira a possibilidade de Elles sobrepujar o mero registro
distanciado.
Por fim, é uma obra desgastada justo onde deveria crescer: na observação
das peculiaridades femininas. Mundos tão díspares, como o da estável Anne e o das
garotas que locam seus corpos sem a esperada culpa, entram em atrito sem nunca,
de fato, colidir. O porto seguro no qual o filme ancora é lugar onde as qualidades
são tragadas pela timidez predominante na abordagem. Evitando posicionamentos marcados,
constatando de longe, a arquitetura narrativa proposta pela polonesa Malgorzata
Szumowska se insere desarmada num meio termo confortável e, por isso mesmo, acaba
indefesa à maioria das objeções feitas a ela.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Sou fã do The Tramps, por isso já nem ligo de rasgar tanta seda aqui hehe. Mas ia dizendo que..os textos são sempre muito claros,detalhados,mesmo considerando teu ponto de vista, como no caso de " Elles" Marcelo!Quero dizer que independente de agradar ou não,vocês parecem se preocupar em passar para nós leitores elementos significativos do filme comentado. Ótimo texto. Parabéns!
ResponderExcluirbjs
Celo!
ResponderExcluirA sempre grata participação da Carol...
Sobre o filme, Celo, certamente, gostei mais do que você. Talvez, alguns de seus apontamentos tenham realmente relevância para o apequenar, todavia, mesmo assim, considero um registro muito bom e pertinente.
Abraçoss