O músico, compositor e escritor
brasileiro Jorge Mautner (nome artístico de Henrique George Mautner) é um homem
de alma livre que, paradoxalmente, como ele mesmo diz, faz psicanálise por
pressão pública. Não iremos longe no estudo da música popular brasileira se
omitirmos sua obra, repleta de letras bem humoradas e melodias contagiantes. A
veia de escritor é menos alardeada, mas basta lembrar o prêmio Jabuti de
literatura recebido por Deus da Chuva e
da Morte para se ter a real dimensão do artista completo que Mautner de
fato é. O filho do holocausto assim nominou-se num livro de memórias, basilar
do roteiro fílmico, por ser fruto de pai judaico e mãe vienense, herdeiro do
êxodo empreendido por muitos quando do nazismo. Enfim, é mais que bem-vindo algo
como Jorge Mautner – O Filho do
Holocausto, exatamente por lançar luz sobre este brasileiro essencial.
Dirigido por Pedro Bial e Heitor
D’Alincourt, o filme é todo captado em estúdio, seja na atmosfera em que
Mautner lê trechos da própria biografia, depois local de encontros reveladores,
ou mesmo no palco onde celebra seus principais sucessos, não abdicando das
performances que o caracterizam. O início é bastante esquemático, Mautner se lê
e logo após vem uma de suas canções. Apenas o fato de ouvir boa música no
cinema já é alentador, mas o filme quase cai no marasmo nessa primeira e
engessada parte. Felizmente logo se infiltram no tecido narrativo alguns
momentos cuja diversidade ajuda a sublinhar com mais riqueza esse tipo, feito
de muitos.
Figuras carimbadas de nossa arte
desfilam na tela, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nelson Jacobina (falecido
recentemente). Eles contam as peripécias de Mautner e reeditam parcerias. Das
filmagens de O Demiurgo, dirigido por
Mautner na casa do amigo Arthur de Mello Guimarães, em Londres, com
participação de Gil, Caetano, José Roberto Aguilar, Péricles Cavalcanti, Leilah
Assunção, entre outros, às passagens nebulosas, tudo passa pelo palco em
música. Pode-se objetar o bom gosto estético dos cenários montados, e principalmente
seu caráter restritivo. Aos diretores parece importante criar um universo
paralelo e inadvertidamente falso para acolher um tipo tão sui generis como Mautner.
Sem dúvida o ponto alto de Jorge Mautner – O Filho do Holocausto é
o encontro afetivo entre o artista e sua filha, Amora Mautner. A mulher reclama
de seu nome (feminino de amor), causador de muitos infortúnios, sobretudo na
época da escola, e lembra passagens constrangedoras como a nudez constante dos
pais e a vestimenta inusitada com a qual a buscavam na escola, porém sem
esconder o orgulho de ser filha de quem é. Jorge Mautner
apenas ri, concorda e, eventualmente, complementa, sempre com o olhar terno
rebatido na mesma medida por Amora. Então, mesmo estanque e formalmente desfavorável
à personalidade libertária de seu biografado, Jorge Mautner – O Filho do Holocausto oferece um recorte ilustrador
desse artista crente na profundidade eterna da alegria. Alguém que diz "ou
o mundo se brasilifica ou vira nazista”, é ou não um tipo para lá de
interessante?
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Muito Interessante Marcelo. Ainda mais depois do seu texto!
ResponderExcluirJorge Mautner devia sentir a valorizada que ele ganhou aqui hehe. Brincadeiras 'a parte, acho que o filme emociona e demonstra pelo menos o que senti com tua resenha, muito realismo.
beijos
parabéns.
Celo!
ResponderExcluirMal conhecia o Jorge Mautner antes do seu texto - ignorância pura. Soube do trabalho dele com a notícia do novo filme do Bial, tempos atrás, que me deixou um tanto quanto reticente... Seu texto, no entanto, conseguiu alterar minha postura.
Espero poder conferir!
Grande abraço!
Olá, Celo!
ResponderExcluirSeu comentário apenas alerta para o quanto somos ignorantes. Uma figura fundamental à cultura brasileira e desconhecia sua existência. Simples assim. Que coisa, não?
Abraçosss