Um Tira Acima da Lei é daqueles bons filmes que chegam ao Brasil
diretamente em DVD, ou seja, na tese mercantil, abaixo de inúmeras porcarias que
“contaminam” nosso circuito exibidor. Fruto da recente (e boa) safra de
diretores americanos menos preocupados em gestar apenas sucessos de público, Oren
Moverman, cuja credencial mais expressiva enquanto realizador era, até então, O Mensageiro (confesso, ainda não vi,
mas li maravilhas a respeito) dá claros sinais de talento nesse longa-metragem que
foge do amplamente comercializável por ser violento, seco e complexo à sua
medida.
Nele, o tira do título (quem no
Brasil chama policiais de “tiras”?) é um sociopata que dimensiona bem a
truculência da lei no condado de Rampart. Veterano do Vietnã, David Brow, ou
simplesmente “Estuprador” – como seus colegas o chamam, possui uma ficha
repleta de inconstâncias e acusações, legítimas defesas não tão autênticas
assim. No plano pessoal, tem filhas de casamentos falidos com duas irmãs, uma
após a outra, como bem frisa frente à dúvida da herdeira mais nova sobre o
imbróglio familiar. Acusado de racismo depois de espancar um cidadão negro, se
mostra bastante articulado e meticuloso para alguém supostamente desorientado por
lembranças da guerra.
Moverman não parece lá muito disposto a investir em psicologismos e tentativas de
justificar as atitudes do protagonista pela via do trauma. David se assemelha mais
ao tipo “alistado pela vontade de matar com licença no front” do que próximo ao
“regresso sequelado”. Através da abordagem, calcada no roteiro escrito em
conjunto com o grande literato James Ellroy, o cineasta reforça esse caráter
irascível de David, valendo-se do acúmulo de situações para fazer emergir alguém
só não totalmente abominável, pois construído de camadas reveladoras.
É um crime (desculpem o
trocadilho) Woody Harrelson, em desempenho irrepreensível, não ter colhido
maior reconhecimento na temporada de prêmios por seu trabalho em Um Tira Acima da Lei. O onipresente
David parece sempre no fio da navalha, entre o céu não almejado e o inferno ao
qual se resigna, e Harrelson é o maior responsável por essa sensação limite que
guia a trama. A narrativa volta e meia ameaça descarrilar, ser tragada pelo
turbilhão da figura central e perder-se em questionáveis enquadramentos e
outras opções fotográficas. Felizmente há tato suficiente para manter o filme
na esteira das produções americanas que não trilham o rastro de mediocridade
deixado por alguns de seus conterrâneos. Melhor assistir algo como Um Tira Acima da Lei em casa do que ir
ao cinema ultimamente.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Olá, Celo!
ResponderExcluirConcordo com essa última frase escrita por ti. Ultimamente, ir ao cinema é sofrível,visto os filmes em cartaz. Cinema de qualidade? Em Caxias, apenas lá para as bandas do Fórum.
Abraçosss
Rampart! Tenho esse filme faz algum tempo na lista dos 'próximos'. Creio que vou passar ele na frente de outros títulos agora, depois que seu texto me instigou grande curiosidade.
ResponderExcluirO Moverman já tinha ganhado minha atenção com o ótimo "O Mensageiro". Harrelson, por sua vez, é excelente - pena que subestimado!