Pode-se dizer que Caminhos Perigosos (1973) é uma espécie
de sequência natural de Quem Bate à Minha
Porta? (1967), com personagens e situações muito próximos dos vistos na
estreia de Scorsese, só que elevados a outro patamar, saindo da
irresponsabilidade jovial à dureza da vida adulta em meio a bandidos de
verdade, apostas de verdade e intenções violentas de verdade. É como se os
garotos à deriva, de atividade criminosa reduzida ao porte de armas pequenas e
uma que outra briga de rua, virassem os homens que regulam o banditismo no
bairro de ítalo-americanos em Nova Iorque. Harvey Keitel interpretava J.R. no
primeiro filme, um jovem religioso, refém da fé e dos princípios por ela
moldados. Já aqui, a fé novamente aparece, sobretudo na penitência almejada por
Charlie – personagem de Keitel - a fim de purificar seus pecados.
Charlie tinha tudo para trilhar
um caminho brilhante como sucessor de seu tio, o chefe que comanda as coisas no
bairro, aquele a quem todos devem, ao menos respeito. Bastaria seguir as passagens
abertas pelo irmão de seu pai e estaria tudo bem, pois garantida uma vida regada
a dinheiro fácil, mulheres e todo status que o glamour do gangsterismo trazia
aos poderosos marginais de então. Mas
Charlie decide tomar um caminho mais espinhoso, como dito antes, quem sabe com
o intuito de limpar um pouco sua barra com Deus, sacrificando a estabilidade e
as costas quentes para, sobretudo, proteger o porra-louca Johnny Boy (Robert De
Niro), e Teresa (Amy Robinson), mulher com quem mantém relacionamento à revelia
de todos que a veem como uma doente mental, inferior aos olhos dos ignorantes
por conta de sua epilepsia.
Aliás, se há um elemento bastante
presente em Caminhos Perigosos é o
preconceito, mostrado por diversos ângulos, direcionado a muitos segmentos. Num
bairro de italianos, os negros, por exemplo, são vistos com desdém, assim como
as mulheres e toda e qualquer “minoria”. Neste filme, Scorsese começa a
delinear um estilo que ficou marcado como seu, cujo ápice se deu mais tarde em
longas como Os Bons Companheiros (1990).
Há quem diga que o cineasta deveria fazer apenas filmes de gângsteres, pois não
há quem domine o gênero como ele, vide, também, a ferocidade de Cassino (1995). E tudo isso tem um
embrião bastante desenvolvido em Caminhos
Perigosos, longa no qual Scorsese combina o ambiente familiar onde a
violência irrompe a qualquer momento, mesmo entre amigos, e um protagonista
que, mesmo com os dois pés nesse mundo, age conforme sua moral (cristã).
Charlie protege duas pessoas mais
frágeis do que ele, pecado capital a quem aspira à chefia de um esquema ilícito
tão enriquecedor quanto, no limite, solitário. Por mais que os italianos
preguem valores familiares e a necessidade de justar-se aos seus, à
marginalidade é necessária a supressão de sentimentos que bloqueiem demasiado
uma visão prática e puramente objetiva, ou seja, é preciso frieza. Se Charlie
deixasse os credores darem cabo de Johnny Boy, ou se renunciasse à mulher que
ama (mesmo que não assuma esse amor), tudo seria mais simples, mas ele prefere
seguir o instinto e acaba refém da própria incompetência de desumanizar-se para
chefiar algo de brilho aparente, mas que pode desvanecer a qualquer
momento.
Guri!
ResponderExcluirPreciso revisitar a filmografia de Scorsese. Tem muita coisa boa por assistir.
Grande abraço.