A sala de cinema deve ter sido inventada
para que a gente pudesse assistir aos filmes de John Ford. RASTROS DE ÓDIO já
era uma obra-prima se vista em casa, nas mínimas condições, mas na telona ganha
uma proporção artística ainda maior, seguramente se instaurando naquele seleto
grupo dos maiores filmes já feitos. Desde o primeiro plano, ou seja, a chegada
do personagem de John Wayne, até o final, o icônico enquadramento que mostra a
partida desse solitário depois da missão cumprida, o filme é uma aula. Wayne,
de tantos papeis importantes, sobretudo ao lado de Ford, aqui tem seu melhor
trabalho. Ford mostra sutileza quando necessário (vide a paixão secreta entre
Ethan e sua cunhada) e esbanja técnica e talento nas tomadas grandiloquentes,
mais expressivas e diretas. Além disso, mescla a urgência da procura dramática
e momentos de humor, estes que funcionam mais que como simples áreas de escape.
Não à toa, esse longa fornece elementos imprescindíveis para, ao menos, duas
outras obras-primas: Táxi Driver e Paris, Texas, nos quais, Martin Scorsese
e Wim Wenders, respectivamente, também mostram um homem fraturado que toma como
missão o “resgate” de uma mulher em perigo. Que grande filme.
CINQUENTA TONS DE CINZA começa
muito mal. Aquela cena da menina entrevistando o multimilionário chega a ser
quase constrangedora de tão artificial. Na medida em que eles passam a se
relacionar, o que temos é um conto de fadas, com o príncipe apaixonado pela
plebeia. O que pode atrapalhá-los é a inclinação sádica dele, sua propensão a
dominar e subjugar quase completamente suas parceiras. Delineados os
personagens e a dinâmica entre eles, tudo transcorre meio sem graça, ainda que
não seja um filme aborrecedor. As cenas de sexo poderiam ser muito mais ousadas
e se não são, chuto, boa parte é por influência dos produtores, já que uma
classificação alta não é algo bom para os negócios. Dakota Johnson vai
relativamente bem como a mocinha virginal que se submete a levar umas palmadas
para satisfazer o homem que ama. Já Jamie Dornan, embora consiga num primeiro
momento encarnar a secura emocional do Sr. Grey, não é capaz de transmitir
sutilmente a influência que essa menina teimosa terá em sua vida. Fora os
deméritos da trama originária do livro, cinematograficamente é tudo muito
limpo, simétrico, arrumado, ou seja, asséptico demais.
Há coisas que eu simplesmente não
compreendi em FORÇA MAIOR, portanto faço o
mea culpa. Acho muito interessante a situação insólita da avalanche que vai
ter desdobramentos fortes na relação do casal de férias com os filhos nas
montanhas. Frente à iminência da tragédia, o cara foge, deixando a mulher e as
crianças para trás. O desconforto passa a dar as cartas, por exemplo, com
mágoas expostas em jantares a princípio amistosos. O casamento vai sendo
dinamitado aos poucos, numa derrocada testemunhada com pesar pelos filhos. Toda
essa teia sentimental é muito bem construída, assim como as belas imagens que
mostram o gigantismo da natureza em comparação à pequenez humana. Contudo,
várias passagens me soaram ou despropositadas ou reiterativas. O roteiro
ligeiramente dispersivo assinala uma necessidade de verbalizar bastante sobre
os relacionamentos, vínculos que, como bem disse uma amiga após a sessão, não
sobrevivem sem uma dose de encenação. A natureza que lá fora muda de amistosa
para hostil em questão de segundos, é semelhante ao turbilhão de sentimentos
que toma todos de assalto. A meu ver, o pecado não está no “o quê” e sim
ligeiramente no “como”, sobretudo no que diz respeito ao ritmo da narrativa.
Valeu, Celito!
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