Estamos em Buenos Aires, porém longe
de Puerto Madero ou das ruas arborizadas em Palermo. Elefante Branco, mais recente filme do diretor Pablo Trapero, mantém-se
numa paisagem que em nada lembra cartões postais ou catálogos turísticos: a
Villa Virgem. Nesta terra dominada pelo narcotráfico e com os mesmos problemas
das nossas tão conhecidas favelas, o único raio de esperança é a presença dos
padres e de uma assistente social. Juntos, eles tentam trazer dignidade a
famílias que moram sob precárias condições. Fosse brasileiro, Trapero seria
acusado de inserir-se no filão favela-movie,
termo pejorativo que pegou por aqui após a onda de filmes ambientados nas
periferias das metrópoles.
Todo trabalho do padre Julián, interpretado
pelo onipresente (e ótimo) Ricardo Darín, é um verdadeiro teste para os nervos
e a fé de quem seja. Ele é ajudado por Luciana (Martina Gusman, esposa do
diretor), mulher combativa que igualmente enfrenta intempéries no desempenho de
sua função. Completando o trio fundamental, o padre Nicolás, personagem do ator
Jérémie Renier, colaborador contumaz dos irmãos e cineastas Jean-Pierre e Luc Dardenne,
aqui num registro pujante. E o elefante
branco do título? Carcaça do que seria o maior hospital da América Latina, edificação
abandonada provavelmente como efeito da corrupção, então moradia de mais de 300
famílias e núcleo da Villa Virgem.
Trapero nos coloca nesse mundo
doente de miséria com a câmera seguindo pessoas quase sempre de costas,
trafegando por vielas, becos enlameados e bocas de fumo. Quando nos damos por
conta, já estamos imersos na vizinhança, familiarizados com nativos e forasteiros,
estes em missão. Ao ampliar as preocupações sociais de seu filme anterior, Abutres, o diretor mostra-se cada vez
mais disposto a fazer do cinema uma testemunha das adversidades enfrentadas por
muitos de seus conterrâneos. Ele arquiteta personagens, mesclando suas
tragédias pessoais (doença e um amor proibido) com a realidade que buscam
modificar. A desenvoltura narrativa permite ao filme passar longe de algo
rançoso.
Em Elefante Branco os padres parecem única solução, pois suas atividades
são avalizadas por moradores e traficantes. Não fossem os colarinhos clericais (por
vezes a batina), e os párocos poderiam muito bem passar por voluntários sem
qualquer ligação mais direta com Deus. A inserção dos sacerdotes na trama diz
mais respeito à pontuação de uma constante em países religiosos, também alusão
aos pastores bíblicos que zelam por seu rebanho, e menos a eventuais elogios à
conduta da igreja. O amor surgido entre Luciana e Nicolás, percurso arriscado
que poderia desvirtuar a história, serve para tumultuar ainda mais o homem em
dúvida, sobretudo a respeito da passividade e da fé resignada, quase premissas de
suas vestes e cargo. Filme-denúncia, sim, mas com gente de carne e osso, não
pura representação ideológica.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Que texto Marcelo :)Parabéns!
ResponderExcluirbjs
Olá, Celo!
ResponderExcluirBelo texto. Fiquei bem curioso.
Abraçossss