domingo, 26 de junho de 2011

Morro do Céu e uma ilha temporal.

Ouvi John Ford?
Gustavo Spolidoro é um dos maiores talentos gaúchos que o cinema nos apresentou, ao analisarmos os últimos anos idos. Arrisco-me mais, um dos maiores talentos brasileiros. Uma visão de mundo mesclada à apurada técnica em prol de uma obra peculiar, onde suas personas agregam-se mutuamente a situações peculiares tais como elas. A fluência narrativa é possível apenas pelos meandros do cotidiano, representado por roteiros de fortes amarras e coesão exemplar.

As palavras anteriores e posteriores deste pequeno escrito são devidas pela estreia nacional no último dia 24 (sexta-feira), em algumas das principais capitais tupiniquins, do documentário Morro do Céu, de Gustavo Spolidoro (Ainda Orangotangos, 2007). Integrante do projeto de documentários DocTV Brasil, financiado e exibido pela TVE, o filme recebeu nova edição, com minutos adicionais, quase 20, a fim de viajar por algumas salas da sétima das artes no Brasil. A câmera guiada de maneira solitária pelo diretor e “faz tudo”, segue alguns meses da vida interiorana de dois primos adolescentes de uma pequenina localidade denominada Morro do Céu, na cidade de Cotiporã - RS, Joel, mas velho e Bruno, ambos Storti.

Tive a oportunidade de participar da exibição no último dia 19 em Caxias do Sul - RS, com a participação do diretor e dos primos, agora, passados dois anos da feitura da obra, maiores e estudantes de teatro. Houve espaço, por exemplo, para certos esclarecimentos sobre a intervenção do diretor quanto a cenas não documentadas de fato, e sim dirigidas, contudo exatamente como ocorreram.

A primeira cena causou um impacto excêntrico em mim: má interpretada. Mas, calma aí, Rafael. É um documentário. Má impressão sem justificativa. Ah, já sei, logo refleti. É o sotaque carregado pela tradição e colonização italiana, típicas da região, as quais promovem diversos momentos engraçados, que nos parecem artificiais na tela. O português utópico, costumeiramente aplicado, não é utilizado, bem como outras maquiagens.

A narrativa é simples, mas é exatamente sobre ela que há a grande atração desta obra. O filme é indubitavelmente documentário, todavia de narrativa ficcional. Spolidoro abre mão da linguagem tipicamente documental, ou seja, câmera na mão, imagem tremida. Não. Aqui as imagens são geralmente estáticas, com câmera no tripé, ou mesmo apoiada em alguma superfície, emulando um personagem em terceira pessoa. A montagem brinca com cronologias, aproveita momentos de encaixe narrativos, é a engrenagem mestra do entendimento da história.

Spolidoro munido de seu dom utiliza de sofisticadas ferramentas para contar uma faceta da história de pessoas que vivem no interior, com 27 famílias ao todo, no caso específico do primos, de uma mecânica montada por autodidatismo e colheita de uva, sem grades ou sistemas sofisticados de proteção, vivendo, não melhor ou pior que nós, tidos civilizados, mas forma diferente. É de conhecimento comum que o ser humano possui necessidade de encenação, de representar personagens, talvez mesmo o seu, e o jovem cineasta a captura com maestria.



5 comentários:

  1. Penalizo-me por não ter assistido a mencionada sessão que se deu aqui na cidade. Já é a segunda vez que Spolidoro vem a Caxias do Sul e que compromissos ou contratempos impedem que eu me faça presente em suas explanações. Concordo contigo Rafa, ele é um dos mais interessantes cineastas desta nova geração.

    Tenho em alta conta "Ainda Orangotangos", e desde já estou nos cascos para ver "Morro do Céu".

    Abraços

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  2. Caro amigo escritor,

    Com um documentário delicioso como este, seu texto não poderia sair por menos do que se apresenta.
    Maravilhoso filme.Um final de domingo muito agradável dia 19 de julho quando fomos assistir a Morro do Céu. Obrigada.
    O documentário é de uma leveza e naturalidade tal qual a vida de Bruno e Joel. Apesar de os dois não saberem que vivem em um lugar magnífico e com certeza invejado por muitos da cidade grande.

    Rafa, seu texto é sinceramente cativante. Adorei! Quero mais deles!

    Beijão!!

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  3. Ei Rafael, Isabella e demais, muito obrigado pela presença de vocês na sessão e principalmetne pelas palavras dedicadas ao filme. Ele foi feito com muita sinceridade e vontade de mostrar pros de fora a liberdade e beleza da vida dessa gurizada. valeu! abraços, gustavo

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  4. Rafa,

    Não preciso dizer mais nada se o próprio diretor do filme elogiou sua resenha. Parabéns pelo texto, guri!

    Grande abraço!!

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