quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cem Nelson Sem Rodrigues


Por Raulino Prezzi

Um dos textos mais densos do dramaturgo Nelson Rodrigues. Depois de, digamos, 25 anos, tive a oportunidade de rever O Beijo no Asfalto, dirigido em 1981 por Bruno Barreto e com um elenco, além de extremamente eclético, de linhagem onde os atores chegavam dos tablados e emprestavam seus fenótipos e talentos para a sétima arte. Reunir num mesmo set, nomes como os de Tarcísio Meira (Aprígio), Ney Latorraca (Arandir), Christiane Torloni (Selminha), Lídia Brondi (Dália), Osvaldo Loureiro, Telma Reston e até mesmo Daniel Filho, só mesmo numa época em que o cinema (sem nada de efeitos) era calcado apenas no fato de fazer qualidade. 

1981...um dos melhores momentos para mostrar Nelson colocando, como sempre, o dedo na ferida. Julgamento? Desejo? Paixão? Traição? Exposição? Ou apenas o fato de realizar um último desejo? O que falar de Arandir, um homem comum, casado, que por piedade dá um beijo na boca de um homem que morre atropelado? Esta ação causa polêmica que gera uma acusação de homossexualidade e arruína a sua vida. Por ser desconhecido. Por apenas um ato, hoje tão corriqueiro (o beijo). Por que tudo se transforma em escândalo pela imprensa sensacionalista. Enfim, essas são apenas algumas questões que pairam na cabeça de quem lê, assiste, ouve e degluta Nelson Rodigues. Ney Latorraca e Tarcísio Meira (digno de um galã da época) ecoam como uma luta masculina de interpretação. Christiane Torloni, linda em sua juventude faz a mocinha do filme, aquela que acredita piamente que o que vale na vida é o amor, nada mais que o amor. E Lídia Brondi (a mais linda ninfeta dos anos 1980) está exemplar no papel da Lolita rodriguiniana que apela quase como um anjo os anseios e desejos sexuais. Seria um ménage à trois, a quatre, cinq, six, sept...os sete pecados capitais latejando nestes corpos sub(urbanos)? 

Este é Nelson, que mexe, remexe, que atiça, que joga a primeira pedra e que principalmente levanta questões tão desejadas e, por que não dizer, excitantes que existem dentro de cada um de nós, naquele cantinho escuro, meio frio, como uma carta na manga. Tudo para fazer a magia se realizar, seja pelo toque, pelo sabor, pela malícia, pelo pulsar e até mesmo aquela pele ferida causada pela fricção e abrasão. “Amor nenhum dispensa uma gota de ácido”. Para ver e rever.
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Texto gentilmente cedido pelo ator e diretor teatral Raulino Prezzi sobre sua revisão de O Beijo no Asfalto,  filme dirigido por Bruno Barreto com base numa peça do eterno "Anjo Pornográfico" Nelson Rodrigues.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

É pra não perder


  •  A exibição, hoje (28), de O Gerente, último filme de Paulo Cezar Saraceni. No Canal Brasil, às 22h;  
  •  O dossiê/balanço riquíssimo do Festival de Gramado no blog da Abraccine
  •  A mais nova edição da revista Filme Cultura, debruçada sobre os diálogos entre cinema e teatro;

sábado, 25 de agosto de 2012

360


O diretor Fernando Meirelles alcançou o olimpo através de Cidade de Deus, um dos filmes brasileiros mais celebrados dentro e fora de nosso país. Portanto, é com a aventura cinematográfica do “Trio Ternura” (e de outros moradores da favela carioca) que seus filmes são e serão comparados. É assim mesmo, grandes obras trazem alegria e algum fardo ao seu criador. Mas é bom que se entenda logo de cara: Meirelles não é um autor, suas obras são desprovidas de constantes temáticas e estilísticas. Poucos são os pontos de convergência entre Ensaio Sobre a Cegueira e O Jardineiro Fiel, por exemplo. Sorte o cinema viver igualmente de habilidosos artesãos, dentre eles o próprio Meirelles, que, após projetos erráticos, parece ter voltado aos trilhos da boa artesania com 360, seu mais novo filme.

Não há muito, o cinema viu-se perdidamente enamorado pelas múltiplas narrativas com personagens atrelados no intuito de amplificar um sentimento de conexão, e até mesmo aleatoriedade. Afeito a projetos internacionais, desiludido com os meios de fomento no Brasil, Meirelles fez-se usuário desse expediente, num verdadeiro tour por Europa e EUA, para filmar sua versão de "La Ronde”, clássica peça de Arthur Schnitzler. Nela, vários personagens surgem interligados para expressar relacionamentos multifacetados, escolhas, vícios e virtudes. Em 360, Fernando Meirelles se posta onipresente enquanto testemunha, contudo nunca soando demasiado onisciente. Assim o filme não bate friamente calculado no espectador, como alguns de seus congêneres.

Todos são protagonistas em 360, até o próprio título que deflagra, em graus, o movimento percorrido pelo roteiro do inglês Peter Morgan em seu itinerário narrativo. Dentre os tipos, a menina que tira fotos para um catálogo de prostitutas na internet, o marido tentado a trair sua esposa, o homem dividido entre a fé e o amor, aquela resolvida a por fim em seu affair com um fotógrafo brasileiro, etc. Todos se interligam organicamente dentro dessa perscrutação que expõe elementos comuns a certas experiências e reações. O empenho do diretor surge mais claramente no ótimo trabalho com os atores, todos muito bem.  Por certo um elenco com Anthony Hopkins, Jude Law, Rachel Weisz e Bem Foster, para citar somente alguns, ajuda e muito nesse sentido, mas apenas a direção segura, alimentando-se do roteiro e posteriormente contaminando a montagem, pode trazer a coesão e a força dramática apresentadas em 360.

De todas as histórias contadas, a mais insólita é a de Tyler, o homem recém saído da cadeia e determinado a derrotar a compulsão por sexo. Sua luta sinaliza o quão somos vítimas de comportamentos aditivos e vícios, banais aos olhos daqueles que os imaginam como fruto de deliberações friamente racionalizadas. Várias das figuras de 360 debatem-se frente a impulsos, saídas dúbias, movimentos amorais e felicidades fabricadas. O cinema é muito diferente da realidade (até quando dela quer se aproximar), porém, há algo mais humano que a luta constante para derrotar monstros internos? 360 é sóbrio na medida, fotografado discretamente e contido mesmo quando passional. O espaço que poderia abrigar firulas, facilidades e maneirismos, é ocupado por diálogos afiados e pela observação bastante sensível de aspectos que nos tornam humanamente prosaicos na essência. 



Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Elles


Não são raros os relatos, mesmo no cinema, de jornalistas cujas vidas foram alteradas pelos rumos de determinadas matérias, ao mergulhar em situações e pessoas fugidias de seu cotidiano. Elles, da diretora Malgorzata Szumowska, funda-se nesse princípio do investigador transformado pelo objeto de investigação. Anne, interpretada com a qualidade de sempre por Juliette Binoche (a atriz dispensa maiores comentários), vê sua pequena burguesia atormentada pelas duas meninas ouvidas para seu artigo sobre prostituição juvenil na França. Alicja é imigrante polonesa, atira-se na vida escondendo da mãe o ganha-pão, da mesma maneira que a francesa Charlotte o faz do namorado. Óbvio, temem olhares julgadores, assim como na realidade.

Longe de quaisquer alterações bruscas, aos poucos, a jornalista vai ansiar por sorver o tesão cotidiano das ninfas. A ideia, me parece, é contrapor a comodidade dessa mulher de meia-idade, à excitação de uma juventude ávida por oportunidades. Anne deveria, então, sentir-se convidada a provar o mel da mocidade revisitada, na experiência dos outros, mais excitante que condenável. Também já vimos isso muitas vezes: gente desperta da longa inércia quando comparada a seus distintos. Até aí novidade alguma, mas por que precisaria sê-lo? A originalidade maior há de residir na forma como a trama se desenrola, e Elles bem que tenta achar sua identidade em meio a tantos similares.

Há esforços visíveis para evitar eventuais quedas no lugar-comum. Prova disso, a sobriedade do registro e a distância mantida de pré-concepções e facilidades. Por paradoxo, tal busca acaba apequenando potenciais, quem sabe, melhor empregados se abertos ao erro, menos compromissados com o acerto. Há sexo, masturbações e algumas cenas ousadas, como a da menina resignada ao ser sodomizada por um objeto, mas há também resguardos de moralismo travestido, e um exemplo é o momento em que Anne se dá ao desejo, entrega testemunhada sob a bruma de um desfoque quase total e castrador. A hesitação tira a possibilidade de Elles sobrepujar o mero registro distanciado.

Por fim, é uma obra desgastada justo onde deveria crescer: na observação das peculiaridades femininas. Mundos tão díspares, como o da estável Anne e o das garotas que locam seus corpos sem a esperada culpa, entram em atrito sem nunca, de fato, colidir. O porto seguro no qual o filme ancora é lugar onde as qualidades são tragadas pela timidez predominante na abordagem. Evitando posicionamentos marcados, constatando de longe, a arquitetura narrativa proposta pela polonesa Malgorzata Szumowska se insere desarmada num meio termo confortável e, por isso mesmo, acaba indefesa à maioria das objeções feitas a ela.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 19 de agosto de 2012

Batman – O Retorno


A assinatura do diretor Tim Burton surge logo no início de Batman – O Retorno. Afeito a tipos estranhos, gente posta à margem – seja por particularidades físicas ou mesmo comportamentos fora do “normal”, o regente dessa segunda incursão do Homem-Morcego pelas telonas, não por acaso, parte da construção do antagonista. Nascido diferente, irascível, Pinguim fora largado à própria sorte num esgoto fétido por pais burgueses, incapazes de conviver com as idiossincrasias de seu primogênito, que, então, cresceu em meio aos dejetos de Gothan City, nutrido de raiva e um bom tanto de carência. Tim Burton parece deliciar-se legando ao bizarro vilão o papel de destaque.

Verdade seja dita, em Batman – O Retorno o herói é um coadjuvante de luxo, pois sutilmente (ou não tão assim) escanteado ante a proposta de investigação diretiva, muito mais preocupada com a dualidade dos vilões. O Batman encarnado por Michael Keaton é apenas uma antítese decorativa da desordem surgida para, paradoxalmente, purificar a cidade atolada em sujeira e gente corrupta. Pena as escolhas de Burton, potenciais alavancas, perderem força e esgotarem-se prematuramente. Que interessante caminho mostrar um homem (o empresário Max Shreck), dotado “apenas” de ganância e inteligência, controlando bandidos, a priori, incontroláveis. É claro, não fosse percorrido com tanta preguiça, entrecortado por um tipo de humor muitas vezes anêmico, aliás, presente em todo filme.

Batman – O Retorno remete a algumas das temáticas prediletas de Tim Burton e, infelizmente, também aos seus momentos menos inspirados. Tudo é muito falso: os cenários, as interpretações, e a própria encenação que poucas vezes transcende a observação satírica das coisas. Burton sai-se melhor quando estabelece contrapontos. Batman – O Retorno é, ainda, versão jogada dos quadrinhos para as telas, sem muito senso de adaptação ou respeito às diferenças entre os meios. Claro, é proposital, mas não dá liga.

Por certo Batman – O Retorno guarda lá seu charme, e muito dele vem da deliciosa Mulher-Gato de Michele Pfeiffer e do inesquecível Pinguim defendido por Danny DeVito. Além disso, não dá para negar láureas a Tim Burton por sua fidelidade estilística, aqui certamente presente de maneira diluída, porém não tão imperceptível assim. Numa Gothan City essencialmente fake, filmada em estúdio, repleta de situações ligeiras e resvalões em assuntos que se melhor abordados confeririam profundidade ao espectro narrativo, nada mais natural a resultante ser mero entretenimento, divertido e agradável, porém, inofensivo.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Violência Gratuita



No inglês, a palavra knuckle nomina as articulações dos dedos. No filme do irlandês Ian Palmer, knuckles são as juntas das mãos destruídas de homens que travam guerras familiares durante gerações e resolvem conflitos com uma espécie brutal e bastante particular de luta de rua. Já seria um tema forte para uma ficção, mas Knuckle é um documentário visceral que acompanha de perto 12 anos das batalhas de três clãs rivais: Quinn McDonaghs, Joyces e Nevins.

Palmer passou a acompanhar de perto os lutadores a partir de um convite para filmar um duelo de James Quinn McDonagh, que se torna o protagonista do filme. O início das disputas entre as famílias se deu em 1960 e se intensificou em outras ocasiões – com o maior incentivo num acidente em que um Quinn McDonagh matou um Joyce em uma briga de bar. Desde então, opositores confessos, os clãs passaram a se provocar ao longo de anos e a travar lutas de rua ilegais com regras próprias, nas quais não fazem uso de luvas ou quaisquer protetores – e que só terminam quando um dos lados desiste. 

Com os registros captados por Ian Palmer, seja nas lutas, entrevistas ou nos vídeos de arquivo das famílias, cria-se uma atmosfera documental bastante singular. Fazendo uso de uma estética crua e sem muitos artifícios, Palmer entrega um retrato bizarro e às vezes surreal repleto de personagens intrigantes, oprimidos pela tradição de sua linhagem. O resultado final de Knuckle é um improvável encontro entre Shakespeare e Guy Ritchie, chocante até mesmo para os menos impressionáveis, numa obra que cria diversos questionamentos sobre os limites da tradição familiar e da violência como resposta para a solução de diferenças.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Pais e filhos no cinema


Pela proximidade do Dia dos Pais, a ser celebrado no próximo domingo, resolvi criar uma lista com dez filmes que, de alguma forma, falam sobre a relação entre filhos e suas figuras paternas.  Aproveitem, comente, façam suas próprias listas, pois o mote já alimentou incontáveis (e interessantes) abordagens cinematográficas.
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O SELVAGEM DA MOTOCICLETA (Francis Ford Coppola, 1983)
A interação entre o líder de uma pequena gangue, seu irmão mais velho e, sobretudo, o pai alcoólatra, em decadente cidade industrial americana, dá a dinâmica desse belíssimo filme que denuncia a miséria legada de pais para filhos e uma pátria-mãe ausente.

RAN (Akira Kurosawa, 1985)
Clássico absoluto, Ran, baseado em Rei Lear de Shakespeare, funda-se sobre o movimento gerado quando Hidetora, patriarca do clã Ichimonji, aos 70 anos, decide partir o reino entre os três herdeiros: Taro, Jiro e Saburo. Uma aula de cinema.

LAVOURA ARCAICA (Luiz Fernando Carvalho, 2001)
Baseado no romance de Raduan Nassar, essa pérola do cinema brasileiro narra a história de André, rebelado contra as tradições agrárias e patriarcais. O pai, interpretado por Raul Cortez, é um dos mais emblemáticos do nosso cinema.

CENTRAL DO BRASIL (Walter Salles, 1998)
O pai em Central do Brasil é o alvo da procura do menino Josué, por sua vez, ajudado pela amargurada Dora quando da morte de sua mãe. Mesmo não tangível, essa figura paterna (assim como a busca por ela) é o centro do laureado filme de Walter Salles.

GUERRA DOS MUNDOS (Steven Spielberg, 2005)
O verdadeiro mote da ficção científica de Spielberg é a interação, por vezes difícil, entre pais e filhos, em específico a do protagonista, que não consegue relacionar-se sadiamente com seus descendentes, pois emocionalmente distante deles.

O PODEROSO CHEFÃO (Francis Ford Coppola, 1972)
Uma das maiores, senão a maior, figuras paternas do cinema é, sem dúvida, Don Corleone, o chefe da organização criminosa guiada tal uma família. Sua dinâmica com os filhos é um dos (muitos) atrativos de O Poderoso Chefão. De cortar o coração a cena em que o Don vê o corpo do filho recém-morto.

O PAI DA NOIVA (Vincente Minnelli, 1950)
Esqueça a bobagem estrelada por Steve Martin, baseada na deliciosa comédia dirigida por Vincente Minelli nos anos 1950. O périplo (financeiro e psicológico) percorrido pelo pai da bela Elizabeth Taylor, desde o momento em que recebe a notícia do casamento de sua menina, até a consumação do mesmo, é conduzido com a elegância própria às grandes obras, essa infelizmente inexistente na refilmagem.

INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA (Steven Spielberg, 1989)
Muito da força dessa aventura oitentista advém da interação entre o arqueólogo e seu pai, até então desconhecido pelos espectadores da série. Harrison Ford e Sean Connery esbanjam “química” em cena, e abrilhantam com seus desempenhos os igualmente inspirados roteiro e direção.

A ÁRVORE DA VIDA (Terrence Malick, 2011)
Recente polarizador de opiniões, o filme de Terence Malick fala sobre a origem e (possíveis) significados da vida, para isso  observando de perto uma família estadunidense, sobretudo a influência do pai autocrático sobre os filhos. Um filmaço, parte do micro para explorar o macro.

PROCURANDO NEMO (Andrew Stanton, 2003)
A bonita animação da Pixar traz a busca desenfreada do pai, um peixe-palhaço, pelo filho que desapareceu na imensidão do oceano. Um dos momentos mais iluminados da turma de John Lasseter, Procurando Nemo é terno na observação do amor paterno.


Publicada originalmente no Portal TERRA

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Algo sobre Dias Melhores Virão



Grandes diretores nem sempre fazem trabalhos memoráveis. Certamente Dias Melhores Virão não é um dos filmes mais acertados de Cacá Diegues, cineasta capaz de enfileirar, pelo menos, três ou quatro grandes em sua obra. Sim, há alguma graça na história da mulher de meia idade, interpretada por Marília Pera, que sonha em ser uma estrela. Aliás, o elenco é genial: Paulo José, Zezé Mota, Paulo César Peréio, e até José Wilker, ator irregular, está afiado, talvez por que o papel de canastrão lhe caia bem.

A mulher quer ser atriz, mas é dubladora de uma novelinha chinfrim americana, deliciosamente protagonizada cheia de caras e bocas por Rita Lee. O estúdio de dublagem é bem mais ou menos, decadente, para não dizer caindo aos pedaços. O personagem de Paulo José, o diretor, preocupa-se constantemente com a crise financeira. O filme é de 1989 e, na época, a inflação remarcava preços com a mesma rapidez com que políticos saem de recesso hoje em dia.

Em Dias Melhores Virão está bem presente o comentário constante sobre estrangeirismo, moda no fim dos anos 1980, começo dos 1990. Pensando bem, ainda é muito usual expressar-se noutra que não nossa língua-mãe, dando relevo a essa síndrome de colonizado que, por certo, nunca sai de moda. O legal é que no filme fica bem claro o ridículo dessa fuga empreendida por quem acha o máximo viver falando em inglês.

Repleto de referências, Dias Melhores Virão se ressente de algo. É tudo engraçadinho demais, até meio falseado. O fato de o filme existir, num momento histórico brasileiro em que filmes não existiam por falta de grana, por si é um milagre. Porém, Dias Melhores Virão envelheceu mal, ficando bem aquém de outros trabalhos de Cacá. Acontece.

sábado, 4 de agosto de 2012

The Tramps Entrevista: Neusa Barbosa


Neusa Barbosa começou como repórter de Cidades na Folha de SP. Passou rapidamente pela Folha da Tarde – onde trabalhou na editoria de Cultura. Depois, pelo Estado de S. Paulo, também na editoria de Cidades. Em seguida, um ano como editora de Internacional na extinta Revista Visão. Logo foi para Veja S. Paulo, onde assumiu a coluna de Cinema por seis anos, período em que acumulou outras colunas, como a de música clássica.

Quando saiu da Veja SP, em 1996, começou a trabalhar como free lancer para vários veículos, como o jornal Correio Popular de Campinas. Em 2000, criou o site Cineweb (www.cineweb.com.br), especializado em cinema e fornecedor de conteúdo para agência Reuters e portal UOL. Atualmente, edita o site, onde escreve críticas, reportagens e tem um blog (Celuloide Digital), sendo, ainda, colaboradora das revistas Bravo e Select.
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• Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
Começou bem cedo, quando eu era criança e meu pai me levava para assistir desenhos animados tipo Walt Disney. Eu sou a filha caçula e também ia com meus irmãos mais velhos assistir algumas coisas censura livre. Profissionalmente, eu sempre quis ser jornalista de cultura, mas no começo da carreira isso não foi possível. Eu comecei como repórter de Cidades, na Folha de SP. E acho que foi muito bom profissionalmente, ter essa experiência mais urgente, de cobrir emergências do dia a dia, greve de ônibus, de professores, eleições municipais, etc. Eu comecei mesmo a escrever sobre cinema anos depois, quando assumi a coluna de cinema da revista Veja SP, onde trabalhei seis anos. Daí em diante, não parei mais.

• Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
É uma atividade que se transformou enormemente por conta de mudanças tecnológicas, sobretudo. Hoje em dia o público tem sua própria rede de comunicação, via twitter, facebook, trocando informações. Também houve a explosão da internet, a multiplicação de sites e blogs. E, ao mesmo tempo – mas não pelo mesmo motivo -, encolheu o espaço dedicado à cultura nos jornais. Ainda assim, a crítica não perdeu sua razão de ser, seu sentido. A reflexão sobre a arte, não só sobre o cinema, continua tão fundamental como sempre foi, até para que essa arte respire, se reolhe, se transforme. Sem a reflexão, a criação se empobrece. Claro que estou tendo em vista uma crítica informada, preparada, profissionalizada, responsável, não os “chutadores” que existem em tantos meios por aí.

• Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Acho que na era dos blogs os espaços críticos se multiplicaram, mas nem sempre eles merecem ser considerados assim. Há muita opinião gratuita, muito “achismo” amador, isso não pode a rigor ser considerado crítica. Por outro lado, há sites e blogs que conseguiram firmar sua identidade como locais de reflexão e diálogo com os cineastas, criadores, e também com o público. É um processo de depuração normal, necessário e permanente.

• Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
O academicismo é um vício, quando ele acarreta uma atitude fechada, esnobe, que tende a tentar criar um clubinho com poucos sócios com direito à palavra. Não gosto dessa atitude, que é comum também em meios universitários. A dissecação de um filme pode recorrer a várias ferramentas, mas entendo que a crítica fundamentada conjuga a objetividade com a subjetividade, tendendo ao equilíbrio. Mas não sou contra a paixão, ela cabe dentro da crítica. O que não cabe é subordiná-la a antipatias pessoais...

• Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Paulo Emílio é sempre um farol, porque ele conjugava o rigor intelectual com o humor, com uma leveza exemplar. Dos atuais, gosto muito do José Geraldo Couto, do Luiz Zanin e do Inácio Araújo, são pessoas que leio sempre com prazer e atenção, ainda que discorde deles em vários casos. Dos estrangeiros, gosto bastante do Peter Bradshaw, do jornal inglês The Guardian, e da Mannohla Dargis e do A.O. Scott, do The New York Times. 

• É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Vários: Federico Fellini, Stanley Kubrick, Ingmar Bergman, Robert Altman, Theo Angelopoulos. Eles fazem uma falta enorme! E são insubstituíveis.

• A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
Acho que há um conjunto de razões: os veículos querem economizar papel, então a primeira vítima é o caderno de cultura, que muitas chefias e direções de redação, por uma visão enviesada – e por, em geral, estas pessoas serem provenientes mais das editorias de política ou economia -, acreditam supérfluo ou dispensável. Há também um empobrecimento cultural na escola nos últimos anos, especialmente por ser movida por uma visão mercantilista, que encara o processo educacional como mero treinamento pare entrada no mercado de trabalho. Por essa visão, matérias como literatura, teatro, filosofia, história, sociologia, etc., não valem muito. E são elas que oferecem o estofo mais reflexivo de uma educação integral, que forme um pensamento analítico, crítico. Outra razão de “tempos de pouca reflexão”, como você diz, está na televisão. Nossa TV, nas últimas décadas, se empobreceu culturalmente – ela que começou nos anos 50 com teleteatros onde se encenava Tchecov e Nelson Rodrigues hoje produz novelas de dramaturgia indigente. Sem contar programas como BBB. A TV tem moldado hábitos culturais para o pior, também com seus programas de auditório, onde nunca se veem os melhores músicos do País. A melhor cultura nacional vive nos circuitos alternativos. O cinema brasileiro, com raras exceções, também está fora da televisão – que deveria ser sua parceira (e não só no modelo Globo Filmes, deveria haver modelos mais parecidos com a Arte europeia). É de se perguntar porque a TV estatal e educativa não segue um modelo como o da Arte, produzindo projetos para exibir também no cinema, de alta qualidade.

• Discutir "comércio versus arte" ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
É, sim, em qualquer cinematografia essa dicotomia se estabelece. São raros os filmes que conseguem conjugar os dois, mas existem. Em todo caso, é preciso haver mecanismos de produção para que os filmes de arte não deixem de ser feitos. Os comerciais, aliás, não precisariam de incentivos – deveriam ser produzidos por produtores privados, que colocassem seu dinheiro e corressem os riscos do jogo capitalista. No nosso mercado, não há produtores com esse perfil.

• Como vê o cinema brasileiro atual?
De um lado, com otimismo, porque a retomada deixou de ser um fenômeno temporário. Ao que parece, desde 1994 estamos finalmente tendo uma produção regular de cinema, que autoriza pensar na formação de uma indústria – por mais que haja sinais claros da necessidade de uma revisão das leis de incentivo. Por outro lado, vivemos um momento de transição, de uma certa crise de modelos. Temos a comédia de grande público, de modelo televisivo, bem estabelecida. Do lado dos filmes mais empenhados, com maior ambição dramatúrgica, parece que há uma certa dificuldade de dialogar com todo o público que se desejaria – um caso recente é “Xingu”, que os produtores pensaram para 1 milhão de espectadores, mas parece que não chegará a 400.000 espectadores. Como toda crise, é um momento de pensar e mudar de direção, o que enriquecerá os resultados futuros.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Bat-fragmentos



Lunático atirando dentro do cinema, projeções de bilheteria, mira em recordes, toda essa periferia fica para trás (porém não no esquecimento) quando se vê Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, digno e empolgante encerramento da trilogia levada a cabo por Christopher Nolan, convenhamos, muito mais feliz na abordagem do homem-morcego que seus colegas Tim Burton e Joel Schumacher.

Nessa terceira parte, Bruce Wayne precisa voltar do autoexílio para combater a Liga das Sombras, responsável, entre outros, por sua modelagem. O líder Bane é um vilão para ficar grudado na lembrança de quem gosta deste tipo de filme. Sua voz gutural é marcante, e, mais admirável, nota-se o ator por baixo da máscara, imprescindível à sua permanência pós-sessão. E Anne Hathaway também está ótima (e linda) na pele (ou seria na roupa justa?) de Selina Kyle. 

Enquanto personagem trágico, Batman cumpre seu papel, sem com isso desagradar a grande indústria que financia o espetáculo, as explosões e toda parafernália tecnológica. Dentro das inevitáveis comparações, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge é o mais catártico, grandioso e urgente da trilogia. Ainda prefiro o segundo, simplesmente por que a complexidade antagônica de Coringa, enquanto duplo do Batman, acaba enriquecendo ambos como nenhum outro. Mas acho adequado alguém como Bane, a força bruta e inteligente do submundo, para levar Gothan ao estado de iminente implosão.

São lacerantes as lágrimas do mordomo Alfred diante da suposta falha, a certa altura. Michael Cane é grande, e o diretor mostra-se inteligente o bastante para centralizá-lo, amplificando o drama do cuidador zeloso daquele prestes a jogar-se contra algo sem volta. Há uma que outra previsibilidade, mas não se deve privar Nolan de elogios pelo encerramento coeso de uma trinca que, certamente, mudou a maneira de ver heróis no cinema. O diretor é também habilidoso enquanto produtor, pois sabe não esgotar um personagem tão lucrativo, abrindo caminho à continuidade. Vai longe esse Christopher Nolan.