sexta-feira, 26 de julho de 2013

Doses Homeopáticas #06


Até a Pixar, antes exceção, hoje se curva às continuações como maneira de capitalizar sobre um público que prefere ir ao cinema para ver personagens familiares em situações não tão diferentes assim. UNIVERSIDADE MONSTROS volta ao passado para mostrar Wazowki e Sullivan na época estudantil, em meio às suas dificuldades para se tornarem Assustadores, profissão mais “importante” do mundo dos monstros. É tudo muito bonitinho e engraçado, por isso mesmo, difícil o filme desagradar completamente, a não ser àqueles que teimarem em compará-lo com seu antecessor bem mais criativo em concepção e execução. UNIVERSIDADE MONSTROS carece de algo que transcenda a mensagem, velha e empoeirada, contida na junção de duas figuras só triunfantes exatamente quando juntas. Fica a pergunta: a Pixar irremediavelmente caiu no lugar-comum?       


TABU é um filme de roupagem saudosista, que renova o circuito a partir dos limites de sua janela 4:3 e do preto e branco, atributos hoje estranhos às salas de cinema. Tal aspecto visual é utilizado para registrar a parábola inicial, a Lisboa contemporânea, e também a pretérita colônia portuguesa na África misteriosa. A estética remonta os filmes mudos dos primórdios, alusão evidenciada, sobretudo, na segunda parte, onde os diálogos são abolidos em prol da narração e dos sons cotidianos. Mesmo assim, cabe à palavra (impostada) ressaltar a beleza das imagens, o que confere a TABU atmosfera poética. Homenageando Murnau, Miguel Gomes fala sobre amores impossíveis, colonização e a relação dos dominados coadjuvantes com os conquistadores protagonistas, desde os primórdios até hoje.


A diretora Isabel Coixet não apenas adaptou O Animal Agonizante, de Philip Roth, ao cinema, mas apropriou-se dessa matriz literária para fazer um filme doloroso sobre o tempo que transcorre entre os vãos de nosso pretenso controle, sobre amores que vem e vão, vítimas que são desse mesmo tempo teimoso em passar. O sessentão, professor de literatura, vê-se, após vida de superficialidades, enredado por uma bela aluna cubana, 30 anos mais jovem. A prosa de Roth ganha equivalente fílmico de respeito, pois Coixet se esforça para dar dimensão cinematográfica até mesmo às angústias mais internalizadas do protagonista. A linguagem aparentemente discreta de FATAL disfarça, assim, e habilmente, complexa teia de artifícios dos quais a diretora lança mão para fazer cinema à altura do excelente livro de Philip Roth.


TURBO é típico produto para as férias escolares. Muito embora tenha lá suas qualidades, acaba numa banalidade bastante comum de uns tempos para cá na seara da animação. Ele repete o velho esquema sobre alguém que sonha com algo quase impossível, dada sua natureza, mas cuja perseverança será recompensada. Nada contra, claro, a mensagem é positiva e válida, mas já tão surrada que não sustenta por si o interesse, quando muito o infantil. Em suma: TURBO se ressente de algo que o faça transcender o clichê. No mais, caso não exijamos demais, é filme divertido, com muita velocidade, excelência visual e personagens cativantes (ainda que excessivamente formulaicos). Mas desvanece logo finda a sessão, aliás, como boa parte das animações atuais.


A figura de Camille Claudel é novamente trazida à tona, agora pelo cineasta francês Bruno Dumont. Artista prodigiosa, ela se vê confinada em asilo psiquiátrico. Juliette Binoche corporifica a dor dessa mulher privada do convívio social e da arte que alimenta sua alma. A atriz francesa parece atirar-se num abismo complexo, de onde faz emergir “demônios” em grande profusão. Bruno Dumont registra tudo com muito rigor: torna o campo/contracampo rarefeito e constrói, lenta e gradativamente, o ambiente externo cinzento que reflete o interior de alguém despedaçado, cuja danação parece irremediável. CAMILE CLAUDEL, 1915 é filme duro, atmosférico, que ainda guarda para seu final o embate entre a “loucura” da arte e a retórica dos “tocados” por um Deus colérico.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Complexo de Portnoy


Faz pouco, Philip Roth, considerado um dos maiores escritores norte-americanos vivos, anunciou aposentadoria. Na ocasião, o literato destacou enquanto justificativas a dor e o sofrimento oriundos do ato de escrever. Até então, eu tinha apenas uma obra de Roth em minha coleção, todavia, apesar da curiosidade, nunca havia lido coisa alguma dele. Então, há mais ou menos dois meses, chegou aqui em casa presente direto do Rio de Janeiro. Para minha surpresa, a querida Ana Carolina Grether, vulga Carol, era a remetente. A entrega? O Complexo de Portnoy.

Em pouco mais de duzentas e sessenta páginas, Roth traça a vida do judeu Alexander Portnoy, jovem advogado nova-iorquino bem-sucedido, o qual possui distúrbios psicológicos, especialmente observados na vida amorosa e sexual. Deitado sobre o divã da psicanálise, o protagonista narra detalhadamente sua vida, desde o tempo de infância, onde ganham luz a relação conflituosa com a mãe e a inércia do pai. Alex não segue linha cronológica rígida em sua narrativa, volta e meia regata acontecimentos do passado distante; outras vezes, porém, traz à tona outros mais recentes.

Um dos grandes méritos de Philip Roth está na facilidade de nos identificarmos com os anseios e as angústias do protagonista-narrador. Lá pelas tantas, me senti refletido, se não no presente, quando adolescente, quando criança. O mais fantástico da história toda reside justamente aí: não há nada de extraordinário. Na verdade, o extraordinário surge do ordinário. Nos damos conta de que o espetáculo maior está perto de nós, somos nós mesmos e nossas vidas, bem como seus rumos, experiências, cores e sabores. Experimentamos todos os dias o maravilhoso, só não sabemos disso. Arrisco-me a classificar O Complexo de Portnoy como história simples (não confundir com simplista, por favor). A diferença entre ela e a vida que levamos? Muitas vezes levamos a vida sem percebê-la de fato, sem aproveitar sua totalidade ou encarar de peito aberto suas nuances encantadoras. Certamente, obra-prima que fica e cresce

segunda-feira, 22 de julho de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - Veludo Azul e Gêmeos - Mórbida Semelhança


Veludo Azul é, provavelmente, o filme mais autoral e incisivo de David Lynch. A pegada neo-noir, estilo admirado e substanciado pelo cineasta, sublinha em cada personagem um caráter de feitura bastante pessoal, como se os mesmos fossem talhados para servir demandas amorosas, pessoais e profissionais de seu criador.

A história, envolvente do início ao fim, é revestida de sexualidade perturbadora e atmosfera suspeita, sendo entremeada de cruéis aspectos capturados pela lente perversamente doce de um Lynch ainda com os pés afixados na tênue linha entre o real e o onírico. Cada detalhe, desde as almofadas de Dorothy Vallens até o número do apartamento (710) e rua (7), faz semblante para o estilo de David Lynch, e condiz, por assim dizer, com seus postulados. Alguns elementos bizarros, como a orelha num gramado qualquer, perturbam o cotidiano da pacata Lumberton, antevendo figuras perigosas, perversas e sádicas, tal o personagem vivido por Dennis Hopper que, aliás, atua brilhantemente.

Ainda sobre as atuações, Veludo Azul (Blue Velvet, no original, título inspirado na canção de Bobby Vintton, presente no filme), é prodigioso de interpretações surpreendentes. Só mesmo alguém do calibre de Lynch para extrair de Kyle MacLachlan um rapaz ingênuo, porém curioso e apaixonado, intimidado, contudo disposto a romper sua fragilidade e imaturidade para, então, adentrar no mundo dos adultos. Da mesma forma, Isabella Rossellini é presenteada não apenas com personagem complexa, mas também com o tratamento imagético que confere a ela dimensão próxima do etéreo. Méritos, sobretudo, da fotografia, quem sabe a mais elaborada da carreira de David Lynch.

A cena final, quando Sandy (Laura Dern, a musa muitíssimo bem aproveitada), em seu inabalável ideal de amor eterno, avista um pintarroxo na janela diz: "Esse mundo é estranho", é a quintessência da visão lynchiana.  A jovem o faz com sorriso nos lábios, compartilhando a excitação e a paixão descoberta por uma vastidão até então impensada, ao mesmo tempo atraente e repugnante. A tríade, perfeita por excelência, é estabelecida: Jeffrey, Sandy e a linda, louca e fugaz Dorothy.

Com Gêmeos – Mórbida Semelhança, Cronenberg se insere num território mais sofisticado, contudo não menos afinado às obsessões estilísticas que marcaram sua criação pregressa. Nele, os gêmeos Mantle (Jeremy Irons, genial), próceres ginecologistas dedicados a curar infertilidade feminina, aparecem, em princípio, enquanto representação dual, ou seja, o irmão bom (Beverly) e o irmão mau (Elliot). Bev, o introspectivo, se dedica à pesquisa, a alavancar a fama dos procedimentos vanguardistas imputados aos dois, enquanto Elly, o expansivo, recebe láureas, reconhecimento acadêmico e se incumbe dos discursos.

Eles compartilham mulheres, valendo-se da irrefutável semelhança física. Num desses joguetes sexuais corriqueiros, Bev se apaixona por aquela que involuntariamente iniciará o doloroso processo de desunião dos “siameses”, libertando um do outro à fórceps, ainda que eles próprios não queiram ou não possam de fato assim coexistir, pois aleijados sem a ligação doentia cujo efeito é fazê-los complementares. O processo de degeneração mental dos irmãos logo mostrará que Gêmeos – Mórbida Semelhança apenas se valeu da polarização inicial entre os protagonistas para que a fusão traumática de ambos - fadados a sofrer na pele os vícios e as virtudes alheios - tivesse o efeito devastador visto antes da derradeira e trágica separação.

Um dado interessante sobre Gêmeos – Mórbida Semelhança diz respeito à utilização expressiva da cor, principalmente o vermelho, para estabelecer conexões entre o horror do sangue derramado em nome da ciência e o mesmo líquido vital que, de outra forma, escorre de crimes e demais brutalidades. Exemplo, a equipe cirúrgica dos irmãos Mantle veste jalecos encarnados, ao contrário do branco característico da medicina. O vermelho não deixa notar o sangue. Ótima e inesquecível sacada visual de Cronenberg. Da mesma maneira, Lynch se apropria do azul, aqui como referência cromática do subterrâneo que emerge violentamente na vida dos estadunidenses interioranos de Lumberton. Tida como sinônimo de tristeza, a cor em Veludo Azul alude, também, ao estado psíquico abalado de Dorothy, figura emoldurada pelo azul da decoração e iluminada pelas luzes da ribalta decadente.

A sexualidade desempenha papel fundamental tanto em Veludo Azul, quanto em Gêmeos – Mórbida Semelhança, muito embora Lynch e Cronenberg não se apropriem de cenas explícitas, deixando as observações acerca do sexo, e a função por ele desempenhada de elemento deflagrador, na esfera do subjetivo, como conduto de ações e reações.  Há, em ambos os filmes, forte apelo à questão inconsciente, isso visto, sobretudo, nas sequências de sonhos: em Veludo Azul, o sonho de Jeffrey (sua amada pede para ser espancada e ele a satisfaz) revela a carga de sadismo por trás da satisfação de prazeres primitivos e proibidos; já em Gêmeos – Mórbida Semelhança, o sonho de Beverly (sua amada literalmente separa-o do irmão, a dentadas), prenuncia a turbulenta tentativa de desligamento parental.

Outo fator de aproximação entre os longas é a relação simbiótica, paradoxalmente complementar. Embora esta seja mais evidente em Gêmeos – Mórbida Semelhança, em Veludo Azul Jeffrey e Frank são partes quase indissociáveis de um indivíduo “completo”, faces da mesma moeda. A ingenuidade Jeffrey se funde à maldade de Frank nas fantasias de Dorothy, ou seja, “sozinhos” não satisfazem o desejo avassalador dela, porém juntos a levam ao êxtase.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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VELUDO AZUL – Por Isadora Ramos 
Veludo Azul foi o segundo filme de Lynch que vi, há uns dez anos. E, naturalmente fazendo uma comparação com o primeiro, Cidade dos Sonhos, lembro-me de ficar surpresa, pois o roteiro era muito mais compreensível, porém, não menos intenso e estranho. À época foi chocante ver a cidade aparentemente perfeita como cenário de todo o tipo de crime e violência, igual a qualquer outro local onde os gramados não são tão verdes e bem cortados. Tem "doença" ali, como em qualquer outro lugar. E, apesar da linearidade na história e do "final feliz", fatores que não esperava encontrar, fiquei por dias lembrando da perversidade de Frank e pensando na tristeza de Dorothy, com uma sensação de inquietude. Dennis Hopper e Isabella Rossellini estão brilhantes e chegam a dar arrepios, por motivos diferentes, mas vale ressaltar que todos os atores estão bem em seus papéis.

Tentei não usar a palavra "estranho", seus derivados e sinônimos neste texto e falhei miseravelmente. Não é muito original classificar um filme de Lynch assim, eu sei, mas que outra palavra melhor? Me sinto estranha ao ver seus filmes. Durante e depois. Estranha, inquieta, intrigada. Com Veludo Azul não foi diferente. Mas acho que aqui, mais que em qualquer outra de suas obras, o adjetivo cabe, afinal os próprios personagens concluem que "é um mundo estranho". Pra mim, é um dos filmes mais fáceis de compreender deste diretor, mas não por isso fácil de esquecer.
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GÊMEOS – MÓRBIDA SEMELHANÇAPor Leandro Reboredo 
Este não é o único filme no qual David Cronenberg declara todo o seu fascínio pelas entranhas do ser humano, literalmente falando. Porém, em Gêmeos - Mórbida Semelhança, ele vai além das vísceras para narrar a história de dois irmãos gêmeos que, diferente do que a versão abrasileirada do título sugere, tem mais diferenças do que sua semelhança física nos permite ver.

O que une os ginecologistas Bev e Elly (interpretados por um impecável Jeremy Irons) são justamente as sua diferenças. Os irmãos são como características complementares e distintas que residem dentro de cada um de nós, nos tornando indivíduos únicos e complexos. E, assim sendo, os dois vivem como apenas um, compartilhando sucesso, experiências e, principalmente, mulheres. Mas, é justamente a relação com uma paciente que desestabiliza a harmonia entre os gêmeos: Bev se apaixona pela atriz Claire Niveau, de quem Elly queria apenas algumas noites de prazer.

O rompimento é explicitamente representado num pesadelo de Bev, onde os médicos são siameses e Claire destrói com os próprios dentes a carne que os une pelo abdômen. É um sinal que o sangue já não consegue mantê-los do mesmo lado. Aliás, o uso pontual de elementos vermelhos durante todo o filme, que tem uma fotografia predominantemente fria, parece predizer que algo não terminará bem. Em suma, tanto nos filmes como na vida, algumas coisas são opostas mesmo tendo muito de si uma na outra: assim são Bev e Elly, assim são amor e ódio.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Obsessão


A trama de Obsessão começa com a narradora exumando um crime. Ela foi testemunha privilegiada da matéria que buscou desvendar o caso, pois empregada dos Jansen, verdadeiros protagonistas do relato. Na época, Ward (Matthew McConaughey), filho mais velho da família, regressou para casa acompanhado do amigo negro Yardley (David Oyelowo) a fim de escrever para grande periódico. Reencontrou Jack (Zac Efron), seu irmão mais novo, entregando jornais e o nomeou motorista da empreitada. Breve, eles conheceram o acusado de assassinato, Hillary Van Wetter (John Cusack), e Charlotte (Nicole Kidman), então interessada em provar a inocência do pretendente, também alvo involuntário do primeiro amor de Jack. Estamos nos anos 1960, por sinal, muito bem evocados pela fotografia de Roberto Schaefer.  
      
Obsessão é o mais recente filme de Lee Daniels, mesmo diretor que “cometeu” Preciosa. Começa confuso, mas logo entra nos eixos e passamos a entender quem é irmão de quem, quem gosta ou não gosta de quem. O que parte como investigação jornalística, desvirtua-se para o drama de “amar sem ser amado”, resvala no preconceito racial, flerta com a dificuldade de crescer traumatizado sem a mãe, encosta de leve na questão homossexual e acaba em violência. Temperos fortes, certo, mas urdidos como se travassem batalha por atenção. Um dos grandes problemas é justo esse: querer abraçar o mundo, obter o melhor de cada núcleo sem a habilidade para fazê-los servidores do todo e não rivais de antecessores e sucessores.

Evidência maior que Daniels dirige como se não pudesse frear caminhão desgovernado é o trabalho com os atores. Estão todos muito bem, mas gritam as dificuldades diretivas em balancear personagens e intérpretes excelentes. Exemplo disso, Nicole Kidman faz seu melhor papel em anos, riquíssimo e repleto de nuances, mas é “podada” sempre que ameaça tomar o filme para si. Apenas John Cusack (outro em trabalho notável) recebe chancela para dele se apropriar vez o outra, mais para o final. Aliás, algumas das passagens mais interessantes do ponto de vista dramático são interações sexuais entre Kidman e Cusack. Esqueça a polêmica em torno da discutida cena dela urinando sobre Efron, quase cômica de tão mal filmada.

Confesso ter lastimado ao fim de Obsessão, não apenas por me compadecer dos tipos, tragédias e dramas, mas por entender que havia tanto a ser desenvolvido nesse enredo baseado no livro de Pete Dexter, múltiplos vieses interessantes, não fossem os maneirismos de um diretor que parece sabotar sua obra, sequência após sequência. Não me entendam mal, o longa passa longe dos exemplares alienados ou ávidos por gordas fatias de mercado. É intimista, repleto de observações pertinentes, inclusive sobre as dificuldades sociais do período retratado, boas interpretações, etc. Mas não decola, pois solapado por seu próprio comandante.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

segunda-feira, 15 de julho de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - Duna e A Mosca


É notório o repúdio de David Lynch a Duna, filme do qual não teve controle criativo. Fica evidente, desde o início, a falta de um toque puramente lynchiano, boa parte por estarmos no terreno complicado das grandes produções (com efeitos especiais e cenários grandiloquentes), ou seja, de antemão, contra o restante da obra de Lynch, no mais, pessoal e repleta de signos. É claro que a arbitrária montagem - feita à revelia do cineasta - ou as recriações cênicas tão suntuosas quanto datadas (desde o lançamento), são problemas alheios à vontade de Lynch, então preso por contrato. Mas não sejamos condescendentes com o diretor e lhe imputemos parcela de contribuição ao fracasso. Lynch sempre tão afeito a construções imagéticas e sonoras de expressividade ímpar, parece resignado em sua castração patronal, porque filma Duna preguiçosamente, sem ressaltar, em qualquer momento, justo esses aspectos, os mais marcantes de seu cinema.
            
Em A Mosca, Cronenberg preza pelo concreto e as modificações fisiológicas, explorando a tão discutida hipótese da metamorfose genética, aqui advinda de experiências científicas. Já antes de virar “criatura”, o protagonista é tido como inadequado ao meio, situação em muito aumentada quando passa a definhar, pois acidentalmente misturado a um inseto. Então, ainda mais solitário - mesmo na companhia da jornalista por ele afeiçoada -, se vê diante do contexto social avesso aos seus transtornos. Tal sofrimento alude à intolerância ao estranho, àquilo fora de nossa compreensão.  Curioso, em A Mosca, Cronenberg recorre ao onirismo, na passagem em que Veronica é acometida pelo pesadelo de dar à luz a uma criatura bizarra, amorfa, doente, tal e qual o genitor em gradativa transformação.

Difícil, então, estabelecer links entre Duna e A Mosca, quiçá pela natureza do primeiro, produto altamente controlado por produtores, em choque com a do segundo, por sua vez, passo importante rumo ao amadurecimento de estilo sui generis. Quando muito, dá para aproximar as transformações dos protagonistas (Paul Atreides ao cumprir destino messiânico e Seth Brundle ao tentar novo paradigma científico).  Dessa forma, mais simples correlacionar o filme do canadense a outros do americano, ainda que, mesmo assim, obras de propostas e ordens diferentes.

A Mosca lembra, de alguma maneira, a verve trash de Eraserhead. Aliás, provavelmente são esses os filmes mais pessimistas dos Davids, em especial por conta dos encerramentos fatalistas: num, o humano transformado irremediavelmente em inseto, e noutro, o equivalente incomodado profundamente por desordens psíquicas.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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DUNAPor Mana Melo 
Em 1984 Dino de Laurentis produziu e David Lynch dirigiu e roteirizou a adaptação do livro de Frank Herbert, Duna de 1965, um filme de ficção cientifica que vinha no rastro de grandes sucessos do gênero. Uma mega produção que não obteve retorno comercial. 
Duna é o outro nome do Planeta Arraquis, único lugar que produz a “especiaria”. Na luta pelo controle de sua extração, ocorrem golpes dentro da estrutura de castas e com isso a insurgência do personagem do herói predestinado, que lidera os rebeldes, aliado a natureza hostil do planeta. 
A versão original do diretor possuía mais de três horas e meia, que foi cortada e editada contra sua vontade e Lynch se recusou a ter o nome nos créditos, substituindo por pseudônimos que expressavam a sua revolta. A tentativa de mudar o perfil do filme, tornando-o mais digerido e atrativo comercialmente, foi o que certamente comprometeu seu resultado nas bilheterias.

É uma obra altamente criticada, mas a meu ver que tem profunda relevância para o cenário da ficção cientifica e dos efeitos tecnológicos em evolução. Duna tem no elenco nomes como Kyle MacLachlan, Sean Young, Sting, Patrick Stewart, Max von Sydow, Virginia Madsen e foi certamente, o responsável pelo afastamento de Lynch das mega produções e o aproximou definitiva e intrinsecamente do cinema independente.
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A MOSCAPor Rafael Lorenzi
Um dos mais conhecidos de Cronenberg, A Mosca conta a história de um cientista - Jeff Goldblum - que criou um teletransporte. Em um coquetel acaba conhecendo a jornalista – Genna Davis – com quem começa um relacionamento. Entre a ideia de documentar o projeto e alguma crise de ciúmes, o filme mostra, de uma forma bem dinâmica, a transformação de Seth (devido a um teletransporte mal sucedido). 
A transformação física, a mistura de seres tão diferentes e toda maquiagem (a qual ganhou o Oscar) para fazer o homem em mosca, impressiona, e talvez por isso eu tenha me interessado pelo filme ainda na minha adolescência.

Transformação que Cronenberg tanto gosta, da tecnologia mudando a vida do homem que a usufrui, talvez esteja no ápice nesse magnífico filme, com uma mosca toda articulada com 2 metros de altura tentando de todas as formas reverter o processo que parece sem volta. 
E ai está o maior ponto da história: evitar o inevitável, a angústia do nosso homem-mosca, mais mosca que homem, tentando reaver a mulher amada ao mesmo tempo em que pede para ela se afastar. Angústia que chega ao ponto de tentar fundi-la a si mesmo.

A angústia da nossa mosca-homem lembra a barata de Kafka.

E sim, eu disse TRANSFORMAR o homem em mosca. A mosca se apoderou.
Porque no final, o que restou do homem? 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Doses Homeopáticas #05


Levado por indicações calorosas, conferi AS SESSÕES. O que chama a atenção, num primeiro momento, é a inusitada abordagem acerca da sexualidade de deficientes físicos. Contudo, ótimo que as qualidades do longa estejam também para além dessa coragem temática, emergindo, sobretudo, das interpretações assertivas de John Hawkes (na trama, um poeta paralisado pela doença) e de Helen Hunt (na pele da terapeuta sexual que faz enfermos descobrirem o prazer advindo do próprio corpo). Menção honrosa, igualmente, para William H. Macy, excelente coadjuvante enquanto padre. Bem humorado, AS SESSÕES apresenta, com leveza, os desejos do homem limitado pela poliomielite, e, ainda, os desdobramentos sentimentais da pequena jornada para a própria terapeuta, a certa altura muito mais afetada pela experiência que seu próprio paciente.


ANTES DA MEIA-NOITE era um dos filmes mais esperados da temporada. Jesse e Celine estão em férias com as filhas gêmeas pela Grécia. Ele em crise por não se fazer presente na vida do filho adolescente (fruto de outro casamento) e ela num dilema profissional agravado por essa instabilidade do marido. Celine motiva celeumas com mais frequência, ao passo que Jesse se mostra flexível (fato curioso de levar em consideração e que pode desagradar seriamente alguns). Entretanto, ANTES DA MEIA-NOITE me pareceu um bom filme, que evita lançar imperativos comportamentais, tratando, assim, num registro particular as dificuldades de UM relacionamento, não aspirando abarcar TODOS eles.


Sem dúvida há algo de muito forte em A BELA QUE DORME, filme do italiano Marco Bellocchio que pega emprestado o caso verídico de Eluana Englaro, em estado vegetativo por 17 anos, para construir um painel de personagens e situações que confrontam, sob óticas políticas, religiosas e morais, a questão da eutanásia. A BELA QUE DORME funda-se na liberdade, sobretudo de amar ou morrer quando bem entendermos. Cada pequena trama amplia, à sua maneira, a polêmica causada pela possibilidade da morte assistida de Eluana, assim lançando luz sobre outras complexidades. O problema, a meu ver, está em certo laconismo inicial e nas transições solavancadas entre um núcleo e outro. Não fosse isso, A BELA QUE DORME poderia ser outra obra-prima desse italiano que, sem dúvida, faz cinema de gente grande.


Ir de Buenos Aires, na Argentina, a Villa Laura, no Uruguai, é um prazer maior se na companhia dos irmãos Susana e Marcos, ela uma trambiqueira de marca maior e ele um senhor que perde o rumo quando a mãe morre.  DOIS IRMÃOS desvenda, aos poucos e sutilmente, a arqueologia sentimental dos personagens interpretados magistralmente por Graciela Borges e Antonio Gasalla, enquanto avança no relacionamento deles.  O filme mostra algumas agruras e benesses de ter irmãos, criaturas paradoxais, pois desconhecidos familiares, como ressaltou o próprio diretor Daniel Burman em entrevistas. DOIS IRMÃOS possui encenação consistente e roteiro afiado, características inerentes ao cinema Hermano, a bem da verdade. Para ver e rever sem desgaste e com cada vez mais deleite.



Antes de ser cooptado e pasteurizado por Hollywood, o cineasta Gabriele Muccino se destacou no cenário cinematográfico italiano. Seu filme O ÚLTIMO BEIJO, devidamente reaproveitando para remake ianque, é mais um dos inúmeros a tratar de relacionamentos e suas complexidades. O faz com a autoridade de quem acrescenta algo a temas já tão abordados. Ao redor de Carlo e suas desventuras amorosas extraconjugais - bem na iminência de casar e ser pai – gravitam personagens igualmente envoltos em decepções, turbulências, alegrias, perspectivas e projeções afetivas. A linguagem é sóbria, direta, assim como o discurso equilibrado entre constatações fatalistas e esperançosas. Fácil falar de amor e convivência, difícil é fazê-lo com propriedade e maturidade suficiente para não cair no lodo do lugar-comum, como bem faz O ÚLTIMO BEIJO. 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - O Homem Elefante e Videodrome: A Síndrome do Vídeo


O pesadelo inicial de O Homem Elefante (mulher sendo pisoteada por animais enfurecidos) nos dá chave puramente lynchiana para entrarmos na vida de John Merrick, doente congênito exposto como aberração de circo. A bem da verdade, ele não é tão deformado quanto seu entorno, feito de gente mesquinha que ora lucra, ora diverte-se sobre miséria alheia nas vielas da Inglaterra Vitoriana. Lynch explora as potencialidades do preto e branco, faz do chiaroscuro meio pelo qual explicita o revezamento entre a bondade e a maldade, ambas elementares e vizinhas. O cineasta lança mão de enquadramentos insólitos (notem a predileção por tomadas de baixo para cima) e de larga expressividade sonora, no intuito de tornar tudo mais sensorial, enquanto acentua o drama de Merrick e sua inevitável queda ante um mundo ancorado nas aparências e arredio àquilo que não compreende. 

Por sua vez, Videodrome – A Síndrome do Vídeo é trash e perturbador. Fala da imagem dominadora, da televisão e de outros meios de influência. Denuncia a loucura (não propriamente patológica) como forma de controlar os seres humanos passíveis de subjugação, sobretudo à potência da mídia poderosa, equivocada e nociva. "Vida longa à nova carne" é a fala mais condizente com o universo presente nesse filme, onde James Woods se destaca por incorporar a atmosfera repulsiva, maluca e perturbadora de um cineasta completamente afeito a investigar as entranhas do homem contemporâneo, tendo para isso a câmera como bisturi. Cronenberg é uma espécie de cirurgião que precisa autopsiar os “cadáveres” a fim de saber a causa mortis do elemento humano.

Em Videodrome – A Síndrome do Vídeo a imagem é definidora, ela explicita os delírios do protagonista perturbado por projeções de violência. Em O Homem Elefante também a representação visual adquire papel importante, pois o exterior de John Merrick aterroriza ao passo que encobre sujeito de rara sensibilidade. Nos dois filmes - caso a aproximação não seja forçada demais -, então, convém duvidar da imagem como fonte fidedigna, já que num ela é conceitualmente irreal e noutro efetivamente ilusória.

A fixação de Cronenberg por corpos, essa necessidade de explorar o carnal é proporcional à paixão de David Lynch pela mente humana e suas vicissitudes. A biologia e a dicotomia orgânico/inorgânico estão para um, da mesma forma com o inconsciente e o abstrato estão para o outro. Enquanto Cronenberg apoia-se mais no visual e nos subtextos, Lynch procura orquestrar sons e uma complexa construção imagética, tornando assim ainda mais visceral a experiência proporcionada.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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O HOMEM ELEFANTE – Por Juçara Viana 
O Homem Elefante é um dos filmes do Lynch com maior aceitação do público em geral, o outro é a História Real. Isso se deve porque ambos são, dentro da sua filmografia, os de narrativas mais explicáveis, onde a subjetividade de seus personagens e trama é mais facilmente compreensível. Foi indicado a oito Oscar.

Filmado em preto e branco, é baseado na história real de um homem de rosto e corpo desfigurados por uma doença rara (Síndrome de Proteus), usado como atração principal num circo na Inglaterra vitoriana. Joseph Merrick, apesar da aparência “monstruosa”, era extremamente dócil, inteligente e sensível. Foi considerado débil mental, até que um médico, Frederick Treves, o descobriu e o levou para um hospital, onde se liberou emocional e intelectualmente. 
Filme sombrio e sensível, como a história, explora o lado emotivo do espectador (um diferencial nas obras lynchinianas). No campo do simbólico, os recursos da fumaça, vapor e tubulações, por exemplo, parecem sugerir passagens no tempo e no espaço e, talvez, no labirinto interno de Merrick. Como conclusão, Lynch nos traz nesse filme um ensaio para a reflexão que nos define como seres humanos. Como diz o filósofo “é no nosso olhar para o outro que encontramos nossa humanidade.” - Merleau-Ponty 
"Eu não sou um elefante! Eu não sou um animal! Eu sou um ser humano. Sou um homem".
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VIDEODROME – A SÍNDROME DO VÍDEO – Por Dimas Tadeu 
Talvez um dos filmes mais emblemáticos de Cronenberg, Videodrome pode se gabar de ser uma das mais perfeitas sínteses do estilo do diretor. Reúne num mesmo filme a sexualidade e a tecnologia, juntas responsáveis por desencadear um terceiro elemento: o terror. Numa época em que fitas de vídeo domésticas eram “tecnologia de ponta” e muito antes que Samara assombrasse adolescentes, Videodrome tocou horror num público fazendo da imagem, sua matéria prima, a principal ameaça.

A criação do Dr. O’Blivion e seu memorável gabinete coroam o clímax de uma história que se tornaria um clássico cult, e faria com que o papel da mídia, da vigilância e das câmeras, fossem pensados de uma nova maneira.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Barbara


A médica recém-chegada à pequena província da Alemanha Oriental em plenos anos 1980 traz estampado no semblante o clima opressor da situação político-social que dividiu o território germânico em dois. Ela é a protagonista de Barbara, não por acaso filme com seu nome, pois totalmente comprometido em perscrutá-la. A acanhada comunidade que a recebe parece saber de sua prisão em Berlim, capital de onde possivelmente tentou debandar para o lado ocidental. Por isso, Barbara é constantemente vigiada, revistada, açoitada por teimosos em inibir a capacidade da discordância, do pensar diferente. 

Quem mais bem lhe acolhe é o doutor André, logo interessado pela médica competente e atenciosa no trato dos pacientes, porém de modos pétreos (quando não bruscos) com ele, justo o único disposto a reduzir suas dificuldades de adaptação. De pouco em pouco a relação vai se estreitando, até mesmo porque a Barbara não restam pontos de apoio, mesmo que esporadicamente tenha encontros furtivos com o amor a ela alinhado ideologicamente.

Sóbrio, o filme dirigido por Christian Petzold aproveita exemplo de outrora para mostrar como ditames verticais, ou seja, vindos de cima para baixo, afetam a todos, de qualquer lado ou facção. Mas, é bom dizer, essa exumação do pretérito serve de tempero à trajetória da figura central, não tal estandarte deste ou daquele lado. Claro, aqui e acolá surgem observações que denotam posicionamento, mas nada para além do interesse no humano. 

Tudo na trama de Barbara atravessa a protagonista brilhantemente interpretada por Nina Hoss, que tateia o novo ambiente já pensando fugir. Há sensibilidade para não fazer dessa mulher um tipo imune às influências do meio, às necessidades de indivíduos que, independente das convicções políticas, precisam de auxílio.  A aridez externa, própria aos escaldados, convive com a ternura de alguém propenso à renúncia para o bem alheio. 

As cenas de Barbara se deslocando entre o hospital e o apartamento onde vive, nas quais ventanias balançam violentamente as árvores do caminho, aludem à agitação interna da personagem. Outro detalhe definidor é sua sinceridade no atendimento aos pacientes, pois lhes alerta sobre dores terríveis, logo finitas, enquanto seus colegas teimam em “maquiar” tormentos vindouros, achando melhor assim a quem sofre. Enquanto cinema, Barbara é seco e minimalista, mas não vejo como poderia ser acusado de frio ou distanciado, uma vez que mostra a alma e o desejo das pessoas aflorando a duras penas nas frestas do medo e da vigilância constante.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 2 de julho de 2013

CINEMA A DOIS | OS DAVIDS - Eraserhead e Enraivecida na Fúria do Sexo


No território de David Cronenberg, Enraivecida na Fúria do Sexo faz todo sentido, pois alinhado às obsessões estilísticas e temáticas que o cineasta reprisaria em quase todos seus filmes seguintes.  Estão presentes as tentativas médicas de “melhorar” o homem e as catástrofes decorrentes disso. A psicanálise (freudiana) apoia algo que, na superfície, pode passar muito bem por filme B. Dentro da trama, a mulher vitimada em acidente, cobaia de enxertos, logo contaminará a todos pela doença desenvolvida que não lhe afeta da mesma maneira. Uma espécie de falo surge da axila de Rose (saído de orifício semelhante à vagina) e se torna meio pelo qual ela se alimenta. Cronenberg faz do sexo energia vital de vida e morte nesse filme irregular, cuja segunda parte, mais esquemática, apenas sublinha a primeira.

Com Eraserhead, Lynch não apenas estreou no cinema, mas fez de cara um de seus filmes mais pessoais, impregnado de elementos autobiográficos. Henry, o protagonista, é tipo esquizofrênico de traços paranoicos que vive no entorno industrial. Piora ao descobrir a iminência da paternidade inesperada. Realidade objetiva ou subjetiva? A linguagem empregada por Lynch dá subsídios para ambas interpretações, sobretudo se levados em conta os elementos surreais identificados antes mesmo no nascimento do filho-coisa que desestabiliza tudo de vez. A confusão mental de Henry aumenta ainda mais após o abandono da mulher, mãe impotente que some deixando o apartamento minúsculo, o marido desorientado e o filho de choro intermitente.

A anomalia em Enraivecida na Fúria do Sexo, como que “avaliza” o comportamento agressivo da fêmea. Em Eraserhead, a figura grotesca do recém-nascido “justifica” o terror psicológico do pai. Cronenberg e Lynch parecem projetar, no âmbito concreto, temores inconscientes (respectivamente, a insurreição violenta da mulher e a paternidade imprevista) que, de modo similar, tornam gradativa a instabilidade de protagonistas habitantes em entornos praticamente inóspitos.

Enquanto Eraserhead se sobressai pela construção rigorosa da imagem (alusiva à faceta de Lynch enquanto artista plástico) em consonância com a perturbadora orquestração de sons, num conjunto rico, Enraivecida na Fúria do Sexo apoia-se na força da mensagem - e seu respectivo ponto de vista - mais que em méritos de gramática cinematográfica.


Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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Eraserhead (1977), primeiro filme de David Lynch, é o universo lynchiano em sua forma nua e crua; é o irreal - real, o enigmático muitas vezes cômico devido à tamanha estranheza, acrescido de um ambiente aterrorizante e absurdo nos detalhes. É como ser transportado para um pesadelo. A começar pelo próprio protagonista de olhos fixos, arregalados e cabelos literalmente em pé, cujo exterior remete ao seu próprio interior conturbado. Aliado a isso, o cenário inacreditavelmente macabro, escuro e estranho, cheio de sons perturbadores. 
Henry (Jack Nance) mora na periferia da sociedade industrializada. Descobre que vai ser pai após um jantar inesperado na casa da namorada Mary (Charlotte Stewart). Eles casam, e meu Deus, o bebê é a criatura mais horripilante do filme, algo de outro mundo. A tal criatura alienígena chora o tempo todo e muda a vida do casal. Mary acaba por abandonar Henry.
A partir daí o surreal domina ainda mais o cenário. A cantora misteriosa que vive no aquecedor do apartamento de Henry remete à Doroty de Veludo Azul e ao protagonista de O Homem Elefante. A loucura, o abstrato, o subjetivo, fazem com que Eraserhead seja um filme que fica na memória por muito tempo após a última cena. O incomum e a tensão que ele transmite de uma forma única é algo difícil de encontrar no cinema atual. Perfeitamente louco e absurdamente surreal!
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ENRAIVECIDA NA FÚRIA DO SEXO - Por Douglas Tadei 
Rabid (1977), de David Cronenberg, que recebeu o duvidoso subtítulo de Enraivecida na Fúria do Sexo (provavelmente pela presença da ex atriz pornô Marilyn Chambers) não o merece. Não há nenhuma cena de sexo no filme, apenas esparsas aparições de M. Chambers com os seios a mostra. 
Marilyn é Rose, que junto de seu namorado Hart (Frank Moore) sofrem um acidente de moto numa rodovia e são atendidos numa clínica de cirurgia plástica. Ele sofre quase nenhum dano, mas ela tem perda de tecidos, que são repostos pelo médico Dr. Dan Keloid. Após um período inconsciente ela acorda com um apetite, digamos, diferenciado: sangue. Na verdade não é ela, mas algo que cresceu em seu corpo, num lugar sui generis. 
Com isso ela começa uma epidemia de raiva, onde os condenados apresentam todos os sintomas e atacam sem dó, lembrando o modus operandi dos zumbis. Mas ela continua impecavelmente bela. O restante do filme segue com todas as paranoias e intervenções militares típicas. Cronenberg aqui já deixa um sinal de sua obsessão pelo corpo, mutações e etc. Porém não é seu filme mais nojento, sem deixar de ser impressionante. 
P.S. Notem a incrível semelhança entre Chambers e Claire Danes!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Caxias do Sul recebe a mostra DOCUMENTO BRASIL

Considerando a importância do cinema nacional contemporâneo e a excelência do país na produção de documentários, a Unidade de Cinema e Vídeo realiza durante todo o mês de julho, na Sala de Cinema Ulysses Geremia, a mostra DOCUMENTO BRASIL. Os filmes programados são Elena, de Petra Costa, Doméstica, de Gabriel Mascaro, O Dia Que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares, e Referendo, de Jaime Lerner.

Os títulos serão exibidos entre os dias 4 e 28 de julho de 2013, sendo que a cada semana um filme diferente estará em cartaz. As sessões ocorrerão nas quintas e sextas-feiras, às 19h30min, e aos sábados e domingos, às 20h. A programação especial temática reflete uma das principais intenções da Unidade de Cinema e Vídeo, que procura formar público para o cinema produzido na região e no país. “A produção audiovisual brasileira é muito rica e possui obras excepcionais, que precisam encontrar seu público”, comenta Conrado Heoli, coordenador da unidade. “A mostra Documento Brasil tem a intenção de apresentar, a partir de grandes filmes, temas pertinentes nas esferas política, social, histórica e emocional do brasileiro”, complementa.

A programação especial exibirá quatro longas-metragens nacionais premiados ao redor do mundo, um para cada semana do mês, e promoverá sessões comentadas com o verbo de cinéfilos, críticos de cinema, historiadores e realizadores audiovisuais. Entre os convidados já estão confirmados membros da Associação de Críticos do Rio Grande do Sul (ACCIRS), o Cineclube Papo de Cinema, a historiadora e documentarista Iliriana Rodrigues e o cineasta Jaime Lerner, do filme Referendo.


Programação da mostra DOCUMENTO BRASIL:


SEMANA 01 | De 4 a 7 de julho
Filme: ELENA
Direção: Petra Costa
Sinopse: Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade dos anos de ditadura militar e deixa Petra, a irmã de 7 anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas: filmes caseiros, recortes de jornal, diários e cartas. A todo momento Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas com uma blusa de seda. Pega o trem que Elena pegou, bate na porta de seus amigos, percorre seus caminhos e acaba descobrindo Elena em um lugar inesperado. Aos poucos, os traços das duas irmãs se confundem, já não se sabe quem é uma, quem é a outra. A mãe pressente. Petra decifra. Agora que finalmente encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir.
Documentário | 82’ | 2012 | 12 anos | Brasil


SEMANA 02 | De 11 a 14 de julho
Filme: DOMÉSTICA
Direção: Gabriel Mascaro
Sinopse: Sete adolescentes assumem a missão de registrar por uma semana a sua empregada doméstica e entregar o material bruto para o diretor realizar um filme com essas imagens. Entre o choque da intimidade, as relações de poder e a performance do cotidiano, o filme lança um olhar contemporâneo sobre o trabalho doméstico no ambiente familiar e se transforma num potente ensaio sobre afeto e trabalho.
Documentário | 75’ | 2012 | 10 anos | Brasil




SEMANA 03 | De 18 a 21 de julho
Filme: O DIA QUE DUROU 21 ANOS
Direção: Camilo Tavares
Sinopse: Documentário que apresenta uma minuciosa pesquisa realizada ao longo de quase 4 anos em arquivos dos governos dos EUA e do Brasil. A produção do filme conseguiu levantar, nos EUA, documentos secretos e áudios originais da CIA, Departamento de Estado e Casa Branca, que mostram como os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson juntamente com o então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, articularam o plano civil e militar para derrubar o presidente João Goulart, democraticamente eleito pelo voto popular.
Documentário | 77’ | 2012 | 14 anos | Brasil

SEMANA 04 | De 25 a 28 de julho
Filme: REFERENDO
Direção: Jaime Lerner
Sinopse: No dia 23 de outubro de 2005 o Brasil votou em uma eleição incomum. Não se tratava de eleger partidos ou representantes para cargos legislativos ou executivos. A questão era responder SIM ou NÃO a uma única pergunta: “o comércio de armas e munição deve ser proibido no Brasil?” A discussão, que teve início na época, perdura até hoje, pois diz respeito a cada um de nós. O filme se propõe a estimular essa troca de ideias, com revelações surpreendentes numa estrutura de grande debate.
Documentário | 85’ | 2012 | 12 anos | Brasil


DOCUMENTO BRASIL | Mostra de Documentários Brasileiros
Período:
de 4 a 28 de julho
Sessões: Quintas e sextas, às 19h30min | Sábados e domingos, às 20h
Ingressos: R$ 8 e R$ 4 (meia-entrada)

Local:
Centro de Cultura Ordovás
Rua Luiz Antunes, 312 - Bairro Panazzolo

Mais informações:
Conrado Heoli | Coordenador da Unidade de Cinema e Vídeo
(54) 3901.1316 | saladecinema@caxias.rs.gov.br