terça-feira, 29 de setembro de 2009

Festival do Rio: Curtas-metragens

Seguindo o importante trabalho de exibição de curtas-metragens no Brasil, o Porta Curtas Petrobras disponibiliza nove curtas que estão sendo exibidos no Festival do Rio e que concorrem ao Prêmio Porta Curtas. Os dois vencedores serão contratados para exibição permanente no site. O resultado será divulgado no dia 09 de outubro. Você pode ainda fazer comentários que serão lidos pelos diretores ou recomendar curtas para alguém votar. Assista.


Festival do Rio: Abraços Partidos


Os filmes de Almodóvar são sempre uma ótima surpresa para o público! Após estes filmes que acompanhei no festival, Abraços Partidos foi o primeiro que vi sendo aplaudido ao término da sessão, que por sua vez não era de estréia, muito menos no Odeon. Foi a primeira sessão do dia, em plena segunda-feira, e lá estava a sala lotada e pessoas voltando, pois os ingressos haviam se esgotado há pelo menos uma semana.

Uma senhora que se sentava nas primeiras fileiras, pouco antes do filme começar se preocupou em contar quantos homens estavam presentes na sessão, e rindo, disse à moça que estava ao lado, que pelas suas contas não havia mais de oito. Nesse momento pensei e constatei que de fato o Almodóvar atrai em massa o público feminino, não à toa, é claro. Sabemos que quase todas suas referências se reportam ao feminino de uma forma ou de outra. E isso não exclui a ala masculina, muito pelo contrário, talvez até desperte interesse para seu cinema.

Abraços Partidos, bem como outros filmes de Almodóvar, elege a tragédia como ponto de partida para o enredo que quase sempre se mistura à ficção. Neste ele trata com mais seriedade essa tragédia, conduzindo o roteiro para uma linha quase noir, de suspense investigativo. Ainda assim não deixa de lado os elementos sempre presentes em seus filmes anteriores, que incluem o exagero, a comédia rasgada, mulheres histriônicas e figuras já conhecidas pelos fãs desse diretor que sempre agrada o público. Penélope Cruz deveria ser a vida inteira dirigida por ele. É impressionante como ela cresce e brilha nos filmes de Almodóvar. Destaque também para Lluís Homar que já havia trabalhado em Má Educação, e que em Abraços Partidos interpreta maravilhosamente bem o personagem Harry Caine, um roteirista cego, e para Mateo Blanco, intérprete de um diretor de cinema.

É também no momento em que o filme é remontado, como aliás é de costume em seus trabalhos anteriores, que identificamos o estilo "Almodoviano" de inserir explicações metafóricas e dar sentido àquilo que no início da trama ficou "perdido". Não podia ser outra a cor tão explorada em seus cenários, personagens, figurinos e etc, se não o vermelho, que aparece em todas as sequências, seja na boca das mulheres, nas unhas dos pés, na mala da senhora, no quadro atrás da mesa, no carro que está envolvido num desastre e claro, no sangue que dá lugar a tragédia expressa tão bem pelos personagens dirigidos por ele. Fico sempre com a sensação de que será quase impossível sairmos incólumes de uma sessão de cinema desse diretor que consegue afetar o público, inclusive aqueles que não gostam do seu estilo, sem nos identificarmos com seus personagens, com suas histórias tão reais e viscerais que tocam de uma maneira ou de outra. Assistam Abraços Partidos! Se trata de mais uma maravilha entre as outras já feitas por Almodóvar!


domingo, 27 de setembro de 2009

Festival do Rio: O Desinformante!


Baseado em fatos, O Desinformante! conta a história de Mark Whitacre, personagem vivido por Matt Damon , funcionário de uma grande empresa que ansiava por ocupar a presidência. Em meio a um assédio para ser informante do FBI, Mark cede e passa a espionar sua empresa de origem. A confusão que ele se mete durante o filme poderia ser desenvolvida como um ritmo frenético e de perseguições implacáveis e tudo mais, mas Steven Soderbergh opta por uma comédia sofisticada com uma trilha maravilhosa que dá um toque especial ao filme.

Matt Damon nunca esteve tão bem caracterizado. Imaginem ele com alguns anos a mais do que seus 38 anos reais e um visual bem setentista, com direito a óculos quadrados, uns quilos a mais e bigode. Além dos trejeitos perfeitos de um sujeito sob pressão, estressado e diagnosticado como bipolar. A meu ver, ele é a alma do filme. Por sinal, um filme que, devido ao gênero, se torna cansativo em alguns momentos, por ter muita descrição, detalhes, nomes, informações, tornando-o confuso. Mas nada tira o brilho de Matt Damon que se supera na interpretação.

sábado, 26 de setembro de 2009

Festival do Rio: Doce Perfume


Com o peso e a densidade que lhe são peculiares, Andrzej Wadja narra um filme dentro de um outro filme. Cada cena nos dá a impressão de que foi feita artesanalmente. Muita ênfase nas interpretações soberbas, intensas, fazendo lembrar os filmes de Bergman, com aquela estrutura densa, profunda, diálogos sofridos, angustiantes. Sem falar na fotografia, linda! Parte do filme acontece como uma espécie de monólogo, onde a protagonista, vivida pela atriz Krystyna Janda, ensaia falas dentro de um quarto que contém apenas uma cadeira e uma cama, com pouca iluminação, impregnado de um clima claustrofóbico. O filme vai se explicando a partir desses monólogos e tomando corpo com a história em si sendo contada através dessas imagens que contém elementos oníricos e metafóricos.

Tive a impressão de que tamanha dureza, retratada nos diálogos e no próprio roteiro, não caíram em momento algum num melodrama ou numa sofrida angústia nua e crua. Pode parecer estranho, mas acho que Andrzej Wadja conseguiu ser suave, e nos convidar a mergulhar fundo nesse universo de dor e tristeza sem ser apelativo. Natural, e para quem viu o filme talvez entenda a reação de muitos saírem do cinema como aconteceu hoje, antes da metade. Pois incomoda, entristece, angustia, mas ao mesmo tempo Doce Perfume expressa uma beleza única, ímpar, onde todo detalhe é cuidadosamente trabalhado, cada cena traz consigo um recorte do filme inteiro.

Andrzej Wadja foi generoso escrevendo e dirigindo esse belo filme. Não é pra qualquer um, não deve cair nas graças da maioria e pode facilmente ser taxado de "filme arrastado". Em contrapartida quem adere ao estilo desse diretor polonês se apaixona e deve sair do cinema assolado, encantado, mas também triste. Gostaria de rever Doce Perfume, achei imperdível! E senti que quem ficou até o fim saiu com esta mesma sensação.


Festival do Rio: Distante Nós Vamos


No 2º dia de Fest Rio, um tanto quanto movimentado e falado, o público ainda estava sob impacto de Aconteceu em Woodstock de Ang Lee, que abriu o festival, e com o vídeo que antecedeu o filme, o qual homenageava a atriz francesa Jeanne Moreau. Agnès Varda também esteve presente na abertura.

Na fila para compra e troca de ingressos na bilheteria de um cinema que possui 600 lugares, me impressionei com o entusiasmo das pessoas achando que todos iriam assistir Distante Nós Vamos! Pensei: ainda bem que garanti meu ingresso com antecedência, pois se chegasse em cima da hora, perderia com certeza. Mas, para minha surpresa, o entusiasmo expresso na fila era para compra de Abraços Partidos do Almodóvar. E de fato só se ouvia falar em Almodóvar e a preocupação de 80 % daquelas pessoas em garantir seus ingressos. Este mesmo cinema que possui pouco mais de 600 lugares deve ter sido ocupado em mais ou menos 10%, no máximo. Distante Nós Vamos, em seu 2º dia de exibição, não lotou as salas, curiosamente.

O público, mais variado possível, fazia jus a um grupo de amantes que vem crescendo no RJ. Um senhor que devia ter seus 70 anos ocupava uma das cadeiras e me deu a honra de conversar por alguns minutos antes do filme começar. Paulista, cinéfilo que acompanha todos os anos os festivais do RJ e SP, me disse que sua média de filmes para esse ano era 60 e que desde 1940, após quase todos os filmes que assiste, faz questão de registrar em um livro que guarda todas suas impressões desta data até os dias de hoje. Ele escreve para o "Scoretrack" e é membro de uma comunidade chamada "Confraria Lumière". Confesso que me emocionei em ver um homem daquela idade com tanta paixão, esperança e disposição para enfrentar uma maratona de filmes que, segundo ele, faziam parte de sua vida.

Por falar em esperança, Distante Nós Vamos trata de uma forma esperançosa a questão do amor, cumplicidade e identidade. Em meio a um mundo neurotizado, como saber quem somos nós? Como identificar nossos desejos e anseios, sem nos basear numa "realidade" fabricada? Sam Mendes, diferentemente dos seus trabalhos anteriores, propõe uma linha bem mais light e menos carregada de emoções fortes. Um road movie que nos leva a acompanhar o filme do início ao fim com euforia, nos dando certeza a todo tempo que o filme não sairia muito daqueles moldes, nada de surpresas, mas ainda assim valia à pena! Ora comédia, ora drama, esse mix de estilos presentes no filme deu certo. Destaque para o protagonista, interpretado por John Krasinski, que dentro da proposta, arrasa e comove, cativa a todo momento. Devo admitir que pra quem tem Foi Apenas um Sonho como uma referência e profunda admiração como eu, Distante Nós Vamos fica atrás, inevitavelmente. Sinto falta dos dramas pesados e realísticos que Sam Mendes injetou em filmes como Beleza Americana e Foi Apenas um Sonho. A ingenuidade, simplicidade e aproximação de um gênero bastante explorado hoje pelos cineastas, só reforça a idéia de que essa fórmula funciona, e como! O filme é bonito, sensível e vale à pena. Só não me faz lembrar muito do Sam Mendes e de seu cinema.



domingo, 20 de setembro de 2009

Festival do Rio: Expectativas

Este ano o Festival do Rio, que terá início dia 24, em sua 11ª edição exibirá mais de 300 filmes, de mais de 60 países, durante 15 dias. São no total 20 Mostras, que incluem filmes de alguns diretores consagrados e tão aguardados pelo público, como: Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar, Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino e Aconteceu em Woodstock, de Ang Lee, que abrirá o festival. Junto com as Mostras de todos os anos (Panorama do Cinema Mundial, Première Brasil, Latina, Midnigth Movies, Limites e Fronteiras, Mundo Gay, Dox e Gerações) algumas novidades entram no circuito este ano, são elas: Meio ambiente (8 filmes que exploram questões ecológicas e sociais), O Brasil do Outro (a visão estrangeira do nosso país) e mais seis longas da Turquia. O cinema francês terá lugar especial nesse festival, por conta do ano da França no Brasil, nos presenteando com mais 4 Mostras. Isabelle Huppert e Jeanne Moreau serão as homenageadas. Uma seleção de filmes menos conhecidos da atriz Isabelle Huppert será exibida também. As expectativas são as melhores para esse ano. Os cariocas estão ansiosos pelos eventos que envolvem a visita de Agnès Varda, Quentin Tarantino e Jeanne Moreau, além do argentino Juan Jose Campanella.

Clique aqui e confira a lista completa de filmes do Festival do Rio 2009.

sábado, 19 de setembro de 2009

Anticristo

Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Elenco: Charlotte Gainsbourg , Willem Dafoe

Lars Von Trier é o mais controverso dos cineastas. Farsa para muitos, genial para outros tantos, ele realmente polariza opiniões. Mas se há algo que suas obras não permitem é a inércia. Reage-se, de alguma maneira. Seus filmes mexem com o espectador. O que esperar então de um filme escrito e filmado durante uma dolorosa crise de depressão que Von Trier teve e que, segundo palavras próprias, o ajudou a superá-la? Anticristo, ainda segundo seu criador, é um filme no qual ele colocou sessenta por cento de sua capacidade intelectual. Estaria ele sendo excêntrico e auto-indulgente ou nada mais do que sincero?

No filme, um casal está devastado pela morte recente do filho pequeno. Ele é terapeuta e não aguenta ver sua mulher sendo entupida de remédios que buscam retardar ou entorpecer sua dor. Ele parece fascinado clinicamente pela esposa. Decide então se isolar com Ela, para assim tratar da dor lancinante que sua parceira sente. Eles vão para Éden, uma cabana no campo, afastada de tudo e de todos. O que se vê são os esforços e os jogos que Ele propõe a fim de que Ela comece a processar seus sentimentos, a aceitar as diversas fases do luto e da dor. Temos três personagens muito presentes: o homem, a mulher e o ambiente. As imagens são fortes, nada é sugerido, as coisas são como são.

Anticristo começa na esfera racional, propondo uma visão “clínica” acerca do trauma que o casal sofre, e vai aos poucos mesclando esta com uma visão do irracional, representada por elementos religiosos que abundam e viram as referências mais fortes, principalmente para a personagem feminina, a partir da segunda metade do filme. Além disso, suscita polêmica a maneira pela qual Von Trier retrata a mulher, como um veículo para satanás, sendo seu sexo a tentação pela qual arruína os homens, os verdadeiros representantes de deus na terra. Acredito que Von Trier quis apenas mostrar que esta ideia histórica, oriunda do pecado original, de que a mulher é fraca e induz o homem ao erro, ainda resiste em muitos núcleos. Imagino que ele não concorde com ela, e que o fato de ele assim a apresentar não pode ser tido como prova de uma misoginia que, com frequência, lhe atribuem. Aliás, a força feminina presente no filme é Charlotte Gainsbourg, que está magnífica, numa interpretação visceral e corajosa (se já viu, sabe que aqui não banalizo os adjetivos) e que é bem acompanhada por um Willem Dafoe que esbanja a competência de sempre.

O filme está repleto de cenas maravilhosas, e não falo somente da aclamada sequência inicial, fotografada num lindo preto e branco, com imagens lentas, de poderoso efeito dramático, mas de toda a composição visual. Caso você se incomode com canibalismo, penetrações ou mesmo ejaculações de sangue, Anticristo pode parecer um pouco chocante demais. Mas se apurar o olhar, verá um artista que não tem medo de ultrapassar fronteiras na busca de fidelidade ao seu cinema. É um daqueles filmes que nos seguram firme, não só pelo visual apurado, mas principalmente pela história rica em elementos, cheia de nuances. Lars Von Trier conseguiu mais uma vez. Não agradou a todos com seu Anticristo, mas, a meu ver, criou uma obra fortíssima, de clima claustrofóbico e envolvente, que ganhará admiradores com o tempo. Sua visão é única, e assistir a um filme destes é uma necessidade para qualquer fã de cinema.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Crítica: Goodbye... Solo

Direção: Ramin Bahrani
Roteiro: Ramin Bahrani e Bahareh Azimi
Elenco: Souleymane Sy Savane, Red West, Diana Franco Galindo, Lane 'Roc' Williams, Mamadou Lam, Carmen Leyva.


Quando lançado há poucos meses nos cinemas norte-americanos, o drama independente Goodbye... Solo não despertou grande interesse por parte do público, mas teve considerável repercussão pelas diversas láureas que recebeu em premiações, e também através dos comentários positivos da crítica especializada. É surpreendente e animadora a aparição de tal produção no circuito brasileiro, destino que uma minoria de filmes independentes recebem em nosso país.

Logo na primeira sequência do filme conhecemos seus dois protagonistas e aquilo que guiará a dinâmica em suas relações: um senhor chamado William toma um táxi, onde o motorista é um simpático senegalês - o Solo do título. O primeiro faz uma proposta curiosa ao estrangeiro, pedindo que o leve, dentro de alguns dias, até uma afastada região, especificamente à montanha Blowing Rock, por uma considerável quantia em dinheiro. Solo passa a temer as intenções de William para realizar a viagem, já que esta é composta apenas pela ida.

Goodbye... Solo impressiona instantaneamente pela composição de seus atores principais, e ainda mais quando se conhece os processos com que os mesmos foram desenvolvidos. Não se percebem atores no filme, e sim um taxista chamado Solo e seu passageiro de nome William. Souleymane Sy Savane, intérprete de Solo, foi tempos atrás um comissário de bordo, profissão almejada por seu personagem, e Red West, que vive William, era amigo de Elvis Presley durante a escola e foi seu motorista particular por muitos anos. Ambos têm em Goodbye... Solo um espaço para demonstrar seus talentos até então não explorados, e não desperdiçam a oportunidade. Ramin Bahrani, roteirista e diretor do filme, trabalhou com seus atores durante meses a fio, desenvolvendo oficinas intensas com a intenção de conseguir credibilidade para seus personagens. Pode-se dizer com segurança que seu sucesso nesse quesito é evidente na produção.

O filme de Bahrani não é simplesmente sobre a dinâmica da estranha amizade entre Solo e William, embora esta seja uma das várias leituras que podem ser feitas. Goodbye... Solo mostra nos extremos da personalidade dos protagonistas o otimismo e pessimismo com que a vida pode ser levada, e então a narrativa do filme passa a ser construída, mostrando o velho suicida tendo que conviver com o taxista intrometido. Solo chega a constranger pelo modo com que se impõe e batalha para se aproximar de William – enquanto este reluta contra a aproximação -, mas as investidas altruístas do primeiro refletem apenas sua preocupação admirável e fora do comum para com o destino de um estranho.

A capacidade excepcional do diretor para o drama humano fica evidente no filme, onde ele aplica uma série de recursos que engrandecem a aparentemente singela história de dois homens e suas maneiras de encarar o mundo. Bahrani ainda expande sua trama inicial ao inserir questões sobre diferenças culturais e relacionamentos familiares, economizando em peripécias estéticas e de linguagem, decisão que beneficia o texto escrito por ele próprio juntamente com Bahareh Azimi.

Goodbye... Solo merece destaque entre o cinema de qualidade exportado pelos Estados Unidos nos últimos anos, e Ramin Bahrani ocupa posição importante ao lado de novos realizadores pensantes do país, como James Gray, por exemplo. Bahrani e Gray seguem vertentes particulares do mesmo cinema influenciado pelo neo-realismo italiano, retratando com humanismo as relações sociais contemporâneas através de um olhar sincero e muito original.

Os outros dois trabalhos de Bahrani compõem com Goodbye... Solo uma espécie de trilogia sobre a vida de estrangeiros nos Estados Unidos e a forma positiva com que os mesmos encaram o universo de que fazem parte. O próprio diretor, que apesar do nome é norte-americano, mencionou em entrevistas ter se sentido um estrangeiro durante parte da infância, já que seus pais são imigrantes do Irã. Sua empatia com os estrangeiros é também notável em seus dois outros filmes, Man Push Cart, de 2005, e Chop Shop, de 2007. Provavelmente seja justamente a visão singular e realista de Bahrani a responsável pelos diversos prêmios que o mesmo conquistou com seus filmes, incluindo o de Melhor Filme pela Crítica, por Goodbye... Solo, no Festival de Veneza em 2008, e por ser presença constante em festivais importantes como o de Sundance e Cannes.

Roger Ebert, renomado crítico norte-americano, é o responsável por um dos comentários mais elogiosos a respeito de Goodbye... Solo, quando escreveu que “onde quer que você viva, quando este filme estrear, será o melhor filme em exibição na cidade”, na mesma resenha onde diz que Ramin Bahrani, a mente por trás do filme, é “o novo grande diretor americano”. Confesso que não vi todos os filmes que atualmente estão em exibição nos cinemas, assim como obviamente não conheço todos os diretores contemporâneos dos Estados Unidos, mas a experiência com o filme de Bahrani é tão intensa e única que se torna impossível discordar de Ebert em ambas as colocações.


Texto publicado originalmente em www.cineplayers.com

Crítica: A Bela Junie

Direção: Christophe Honoré
Roteiro: Christophe Honoré e Gilles Taurand, inspirados pelo livro de Madame de La Fayette
Elenco: Léa Seydoux, Louis Garrel, Grégoire Leprince-Ringuet, Esteban Carvajal-Alegria, Simon Truxillo, Agathe Bonitzer, Anaïs Demoustier, Clotilde Hesme e Chiara Mastroiani


Cineastas que se repetem podem ser facilmente identificados no cinema contemporâneo e, quando se constata a homogeneidade presente em suas obras, fica a impressão de que uma identidade própria se sobrepõe à importância que deveria ter o conteúdo daquilo que produzem. Christophe Honoré é um dos raros exemplos de realizador que, mantendo o mesmo gênero de cinema e com temática semelhante, está longe de soar repetitivo. Em seu novo trabalho, A Bela Junie, Honoré deixa de lado qualquer traço de otimismo presente em seu filme anterior, Canções de Amor, e realiza através de perspectiva bastante madura uma leitura singular sobre o amor.

Inspirado no romance A Princesa de Clèves, publicado anonimamente por Madame de La Fayette em 1678, A Bela Junie apresenta, através de uma gama enorme de personagens, o amor na juventude e suas mais diversas implicações, com ênfase nas paixões repentinas e arrebatadoras. A Junie do título, inquestionavelmente bela, é uma garota que se muda para a casa do primo após a morte da mãe e passa a frequentar a mesma escola e círculos sociais que o rapaz. Ela instantaneamente desperta o interesse de vários rapazes, e dois deles farão parte do triângulo amoroso complexo que a confunde: o colega de classe Otto e o professor de italiano Nemours.

As comparações entre Canções de Amor e A Bela Junie são inevitáveis, ainda que os filmes possuam tramas e narrativas muito diferentes. Se em Canções de Amor todo diálogo honesto e profundo era exposto pelos personagens através das ótimas composições do músico Alex Beaupain, em A Bela Junie Honoré procura, com a ajuda fundamental de seu elenco, demonstrar sentimentos e intenções através de olhares que em certos momentos dizem muito mais do que outras sequências faladas. Todo close do diretor em uma face pede por uma análise do espectador, que tem a oportunidade de conhecer melhor todos os envolvidos na ciranda amorosa de sua história. Uma das cenas mais belas da produção, que faz uso do artifício acima descrito, acontece na aula de italiano de Nemours, quando todos se calam para ouvir Maria Callas interpretando a dilacerante Il Dolce Suono, da ópera Lucia de Lammermoor. As expressões captadas pelas câmeras de Honoré são mais significativas que muitos dos diálogos presentes no filme.

Ainda em Canções de Amor, um dos principais questionamentos do diretor era, assim como o amor na juventude, a temporalidade evidente nos relacionamentos de hoje, questão explícita em uma das mais belas falas do filme: “Ama-me menos, mas ama-me por mais tempo”. Aqui tal tema é novamente levantado e refletido nos envolvimentos rápidos e superficiais dos personagens e, de forma evidente, aparece no diálogo entre Junie e Nemours, onde a primeira demonstra com franqueza toda sua insegurança sobre o destino de um relacionamento que sequer teve início. É interessante notar a insistência do diretor quando aborda novamente as relações amorosas gratuitas e apenas convenientes, que começam intensas apenas para, em pouco tempo, terminarem no sofrimento de um dos envolvidos. Essa é a realidade que desestabiliza Otto, Henri, Marie, Florence e ainda outros personagens de seu filme, que em algum momento priorizaram a impulsão do amor ao invés da razão e acabam feridos por suas escolhas.

Para enriquecer sua narrativa melancólica, Honoré conta com a fotografia inspirada de Laurent Brunet, que constrói uma Paris triste em seus tons apagados de cinza, responsável pela sensação de frio e solidão que apenas enriquece o contexto do filme. Honoré ainda conta com presenças marcantes de outros filmes seus, como a do próprio Beaupain, responsável pela tocante trilha sonora de A Bela Junie, que inclusive tem aqui uma de suas músicas interpretadas novamente por Grégoire Leprince-Ringuet, ator que deu voz à várias de suas composições em Canções de Amor. Ainda em A Bela Junie, Honoré trabalha mais uma vez com o prolífico Louis Garrel, Clotilde Hesme, e até mesmo inclui um cameo bastante simpático de Chiara Mastroianni.

Junto ao elenco supracitado se encontra Léa Seydoux, intérprete da “bela pessoa” que aparece no título original da produção. Lembrando um pouco a estonteante Laura Smet e ainda mais a musa da nouvelle vague Anna Karina, Seydoux é portadora de uma beleza que serve muito bem ao papel de Junie, que compete apenas com seu talento impressionante para o drama. Por citar o movimento máximo do cinema francês, as alusões à nouvelle vague não ocorrem apenas através da protagonista do filme, como também na forma com que Paris é retratada, na estética e, principalmente, no cinema de autor que Honoré sabiamente desenvolve.

Com uma gama imensa de pequenas histórias escritas através do olhar pouco romanceado de Gilles Taurand e do próprio Honoré, A Bela Junie merece ser visto pela forma com que aborda os temas já mencionados, sempre com muita razão e veracidade. O filme serve ainda como uma resposta ao infinito de produções comerciais açucaradas sobre o amor, que irresponsavelmente tratam da temática universal de forma frívola e tendenciosa. Se o amor é doce ou amargo cabe a cada um julgar, mas é gratificante ver que em seus filmes Christophe Honoré insiste em apresentar mais de uma perspectiva ao sentimento.


Texto publicado originalmente em www.cineplayers.com

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Novidades

Novidades à vista no The Tramps. Estamos há quase dois anos no ar, escrevendo sobre cultura da maneira como a percebemos, e este trabalho, dos mais prazerosos, está rendendo frutos. Fomos convidados para assinar a coluna de cinema da mais nova revista de Caxias do Sul, a ME!, que será lançada no início do mês de outubro.

Outra boa nova é que o The Tramps terá uma correspondente no festival de Cinema do Rio de Janeiro, que se inicia no próximo dia 24 e vai até o dia 08 de outubro. A responsável pela cobertura será a psicóloga carioca, e cinéfila, Ana Carolina Grether, que mandará textos curtos sobre os filmes vistos e sobre a movimentação deste que é um dos maiores festivais de cinema da América Latina e que, neste ano, contará com presenças de cineastas de renome como Quentin Tarantino e Agnès Varda. Em breve, mais informações.

EXTRA:
Na edição desta quinta-feira, dia 17 de setembro, do Jornal Pioneiro, o blog foi destaque na coluna cultural 3X4 de Carlinhos Santos, profissional a quem agradecemos pela atenção e excelente divulgação.

domingo, 13 de setembro de 2009

Enquanto isso

Olá, caro amigo-leitor!
Passado algum tempo, o qual seria e sou incapaz de contar munido de exatidão, surjo, sim, surjo como espectro para a surpresa dos que não me aguardam. Eis um belo motivo para minha aparição, Enquanto a Noite Não Chega (1978), do escritor gaúcho Josué Guimarães (1921 -1986), notório pela trilogia inacabada, A Ferro e Fogo.

O romance aborda a vida de três idosos em uma cidade abandonada por todos, mesmo fantasma: o casal Dom Eleutério e Dona Conceição, e o amigo coveiro, Teodoro, cujo destino aguarda a morte dos cônjuges a fim de enterrá-los e seguir caminho por outras estradas.

Em pouco mais de 110 páginas, Guimarães traça, por meio de diálogos simples e verossímeis dos personagens, onde um narrador se faz necessário ao descrever as ações e sentimentos pessoais que não se permitem o externo, um panorama tocante e melancólico. A cidadezinha em ruínas, é reflexo interno de seus fiéis moradores, cuja riqueza é a arquitetura da memória de tempos idos, verdadeira ou não, dúvida possível devido à escassez de comida e luminosidade, que abrem portas ao delírio, transportando ao escrito, aura lúdica.

O livro, do tido maior escritor gaúcho na história moderna, após o mestre Erico Verissimo, de quem era amigo, é grata descoberta de autor novo, ao menos pela perspectiva subjetiva. Aguardo outras deste nível, enquanto a noite não chega.

Abraçosss


PS: O livro deu origem ao homônimo filme deste ano, o qual toma liberdades em relação à obra de Josué Guimarães. Segue uma pequena matéria vinculada no programa Vitrine, da TV Cultura




segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Festa da Menina Morta

Diretor: Matheus Nachtergaele
Roteirista: Matheus Nachtergaele e Hilton Lacerda
Elenco: Daniel de Oliveira, Juliano Cazarré, Jackson Antunes, Cássia Kiss, Dira Paes

Filme que marca a estreia de Matheus Nachtergaele como diretor de cinema, ele que é um dos mais respeitados e competentes atores brasileiros dos últimos anos, A Festa da Menina Morta se enquadra num tipo de cinema autoral, uma vertente na qual somos, historicamente, muito bem sucedidos e que, de alguma maneira, marca o cinema brasileiro, principalmente depois do Cinema Novo. É um filme que chega em boa hora, para equilibrar a balança da produção nacional, que este ano está marcada por grande êxitos de público, acerca de filmes com estética mais televisiva, que tem o entretenimento como norteador. Isso é bom também. Parece que estamos, nós os brasileiros, finalmente contando com a diversidade de que qualquer cinematografia precisa para sobreviver: de um lado filmes de estética popular, que atraem público e que dão fôlego financeiro para a “indústria”; do outro, filmes como este, que por sua coragem e por falar sobre temas, nem sempre tão fáceis, são vistos por poucos, mas que enriquecem artisticamente o portfólio da nossa cinematografia.

Em seu debut atrás das câmeras, Nachtergaele não teve medo de se expor, de ser incisivo em sua abordagem, de procurar temas espinhosos e difíceis de serem retratados, com a força com que acontecem na vida real. A "Festa da Menina Morta" é celebrada todo ano, numa comunidade ribeirinha do alto do rio Amazonas e tem em Santinho seu epicentro. Quando criança, ele recebeu da boca de um cachorro os restos do vestido de uma menina que desapareceu e a quem, começou se atribuir o advento de milagres, tudo por intermédio de Santinho, aquele a quem a população outorgou a missão de servir de intermediário entre a menina que virou santa e o mundo terreno. Santinho é afeminado, vive dando chiliques e é egocêntrico, nada estranho quando se pensa que ele cresceu como o núcleo de uma comunidade inteira. Ele é interpretado por um Daniel de Oliveira em estado de graça, naquilo que mais parece uma incorporação. Seu Santinho vive com o pai, um homem que só pensa em beber e que mantém um caso incestuoso com ele, a quem tomou por esposa depois que a sua foi embora de casa. O pai, interpretado por Jackson Antunes, pensa em ganhar dinheiro com a festa, numa clara alfinetada àqueles que lucram com a fé alheia. Os personagens periféricos são alegorias de uma parcela do povo brasileiro, desiludido, pobre culturalmente e que vê na religião uma maneira de viver, um meio pelo qual ainda enxergam algum sentido para a vida.

Nachtergaele é um diretor promissor e isso se comprova pela maneira como narra o filme, a partir de fragmentos, e também pela forma como compõe certos enquadramentos belíssimos. Paradoxalmente, os grandes problemas estão exatamente nos excessos narrativos e na preocupação estética exacerbada, na inexperiência do diretor aliada com um deslumbramento pelo detalhe, pela fração, que faz com que ele exercite, por vezes, a composição visual do filme, com mais afinco e garra do que a composição dos personagens e da história. Os personagens são ótimos, tem profundidade, mas seu desenvolvimento esbarra na intenção de Nachtergaele de não se prender muito a eles, numa tentativa, um pouco frustrada, de criar um painel em que estas figuras dramáticas não passam de meras representações metafóricas de uma situação, esta sim a protagonista do filme. Mesmo assim, sucumbindo as inconstâncias de um diretor que peca pela inexperiência em seu primeiro trabalho, A Festa da Menina Morta se apresenta como um filme que se não nos pega pelo vigor ou mesmo pelos personagens, infelizmente pouco desenvolvidos, expõe uma vontade de se fazer um cinema contundente, que fale sobre assuntos mais urgentes e difíceis do que estamos acostumados. Já é muita coisa.