DRIVE é um filme que fala sobre
paternidade. O personagem de Ryan Gosling assume temporariamente, da forma como
lhe é possível, o papel de figura paterna ao menino cujo pai biológico está na
cadeia. De maneira semelhante, o patrão vivido por Bryan Cranston substitui,
mesmo que por vias tortas, a referência que ele provavelmente não teve na
infância. Trajando uma indefectível jaqueta de escorpião, o protagonista se
assemelha aos enigmáticos pistoleiros do western,
aos homens sem nome, de poucas palavras, sobre os quais não se sabia de onde
viam, para onde iam e que propósitos lhes guiavam. O diretor Nicolas Winding
Refn cria um filme tenso, repleto de uma iconografia muito própria, mas com conceito decalcado de obras anteriores, sobretudo da Hollywood de outrora. Filme-homenagem, tem no desempenho assombroso de Ryan Gosling um de
seus pilares. Aliás, o elenco recheado de nomes tão conhecidos quanto
competentes proporciona o aprofundamento da dimensão humana, dos
elementos que enriquecem o que a imagem e o ritmo dão conta de acelerar e
desacelerar. A violência está presente a todo o momento, com sangue jorrando em
grande profusão para marcar uma realidade essencialmente bárbara, em que o dinheiro
fala mais alto e nem sempre os bons sentimentos conseguem sobrepujar as
adversidades.
Redefinição da comédia romântica
na época de seu lançamento, NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA continua um filme
excepcional, talvez a obra-prima maior de Woody Allen, pelas maneiras
bem-humorada e madura com as quais esquadrinha a relação dos protagonistas. Sabemos desde o início que Alvy e Annie vão se separar, mas
não deixamos de acompanhar com entusiasmo os primeiro encontros, as risadas que
pontuam o simples preparo de um jantar, a cumplicidade que vai se adensado no
ritmo do pessimismo dele e da alegria quase inocente dela. Aos poucos, porém, o
amor arrefece e vai perdendo terreno para as desilusões cotidianas, as
diferenças que crescem na medida em que a tolerância rareia. Os
personagens falam com o expectador, interagem com transeuntes como se eles
fossem conselheiros sentimentais, há as tiradas afiadas de Allen, com uma fartura poucas vezes vista, além da evidente cumplicidade entre o cineasta/ator e Diane
Keaton, quiçá sua parceira de cena mais marcante. A abordagem dos sentimentos
e, principalmente, dos relacionamentos que deles decorrem é destituída de
falsos ideais de romantismo ou de fórmulas prontas. O amor, que antes parecia
eterno, acaba porque as coisas mudam, nos diz essa obra que aponta à
maturidade de um artista cujos talentos vão muito além da capacidade de fazer
rir.
Ainda sob o jugo da ditadura militar no Brasil, um grupo de
artistas performáticos, liderados pelo personagem de Irandhir Santos, desafia com irreverência as convenções e a carolice imperativa. Seus números iconoclastas no palco do
Chão de Estrelas apostam na força, na sensualidade e na naturalidade dos
corpos. Em meio a isso, o protagonista se envolve com um soldado, ou seja,
alguém lotado no extremo aposto dessa luta na qual ele se vale da poesia, da
música, enfim, da arte, a fim de fazer valer os direitos de existir sem restrições.
Em TATUAGEM, primeiro longa-metragem de Hilton Lacerda como diretor, os números
musicais/poéticos entrecortam as e se fundem organicamente às demais camadas,
com a história propriamente dita. Irandhir e Jesuíta Barbosa, intérpretes do
envolvimento amoroso/sexual que personifica a transgressão defendida pelos
componentes da trupe, merecem todo reconhecimento em virtude do excepcional trabalho, que
funciona tanto no registro mais expressivo e desbragado quanto no que diz
respeito às evidências surgidas nos não ditos e nos olhares enviesados. Lacerda
choca a sedimentada tradição e os intentos de revolução nesse excelente filme que
faz jus com folga aos prêmios recebidos.