A crítica de cinema parece viver constantemente em busca de um novo gênio, de um olhar que seja diferente, que fuja da mesmice atual que muitos gostam de relacionar a centenária arte do cinema. Reducionismos à parte, esta busca é sintomática, pois revela uma necessidade, mais da imprensa cultural do que precisamente de quem está preocupado com o presente e o futuro do cinema, até por que cineastas alçados muito rapidamente ao panteão dos “gênios” são descartados com similar velocidade, para darem lugar ao próximo, neste círculo vicioso. Exemplo: o homem da vez é o vencedor da última Palma de Ouro, Apichatpong Weerasethakul, incensado como se fosse uma lufada solitária de originalidade, por seu cinema metafórico, lúdico e cheio de símbolos. Concordâncias ou discordâncias à parte (pauta para um novo post), não demorará muito para que o tailandês dê lugar ao próximo, feliz ou infelizmente.
Há alguns anos, o filipino Brillante Mendoza era o homem da vez, o emergente que salvaria o cinema do “monstro do conformismo e da gula mercadológica de Hollywood”. Resolvi, é claro, movido pelos elogios e pela curiosidade que eles despertaram em mim, assistir Kinatay, um de seus filmes mais controversos pelos olhos dos críticos que cobriram os festivais onde ele foi exibido. Não há como avaliar toda carreira apenas por um filme, mas o impacto, ou a falta de, que Kinatay causou em mim, provocou esta reflexão sobre a necessidade que alguns têm de encontrar o novo “gênio do cinema”.
Dizer que Kinatay é ruim, seria fechar os olhos para as evidentes qualidades do filme. Ele inicia com um casamento (que me remete ao expediente de alguns filmes de Claude Chabrol), e depois enfoca o noivo em seu envolvimento com o crime local, na “missão” de acompanhar o corretivo dado pelo tráfico em alguém que não cumpriu seus pagamentos. Brillante trata da perda da ingenuidade do protagonista, por meio de seu olhar, testemunha de algo hediondo, que nunca mais será o mesmo. É como se o cineasta, num ideário pautado pela crítica social, fizesse da transição do momento de luminosidade e alegria (casamento) para os sombrios e tensos momentos do crime (o esquartejamento de uma prostituta), uma espécie de elegia a sociedade filipina, vítima de sua própria condição. O filme tem clima, é tenso e, em determinados momentos, passa esta tensão ao espectador.
Aí chegam os problemas. Os planos de Mendoza soam artificiais, e a câmera na mão, onipresente, mais atrapalha do que ajuda. Mesmo quando procura nos chocar (por mais que negue esta procura), Brillante parece pudico, “cheio de dedos” em mostrar o que está acontecendo. O filme, ou melhor, as cenas de tortura e mutilação, ficam no meio termo entre o gore e o sugerido, não se decidindo por qual linha seguir. Mendoza foi aclamado por muitos como corajoso e inventivo, mas a rigor, seu filme, longe de ser ruim ou algo que o valha, é um exemplar até certo ponto comum, maquiado por algumas cenas mais fortes e pela linguagem documental que a câmera trepidante e inquieta tenta emular.
Brillante Mendoza tem talento, isto é inegável, e Kinatay me despertou curiosidade sobre seus outros filmes, mas irei vê-los, assim como vi este, não como quem busca presenciar a gênese de uma revolução cinematográfica, mas com o olhar ciente de que no cinema, e em qualquer outra arte, são mais corriqueiros os ídolos fabricados, do que os gênios de fato e de direito.
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Ps.: Quando relacionei um aspecto de Kinatay a Chabrol, por conta da cena inicial do casamento, fiquei pensando se o fato de os casamentos de Chabrol serem envoltos em festas, com direito a bolo, celebração e tudo mais, e o mostrado no filme filipino ser tão precário, coletivo, comemorado de maneira informal em um restaurante, seria deliberadamente uma tentativa de reforçar o caráter miserável do entorno, por meio desta paralelização do cinema filipino (terceiro mundo) com o cinema francês (primeiro mundo). Seria um exemplo da eterna “síndrome do coitadinho”, que volta e meia permeia alguns registros da arte de países subdesenvolvidos? Fruto da minha cabeça? Pode ser.
Brillante Mendoza tem talento, isto é inegável, e Kinatay me despertou curiosidade sobre seus outros filmes, mas irei vê-los, assim como vi este, não como quem busca presenciar a gênese de uma revolução cinematográfica, mas com o olhar ciente de que no cinema, e em qualquer outra arte, são mais corriqueiros os ídolos fabricados, do que os gênios de fato e de direito.
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Ps.: Quando relacionei um aspecto de Kinatay a Chabrol, por conta da cena inicial do casamento, fiquei pensando se o fato de os casamentos de Chabrol serem envoltos em festas, com direito a bolo, celebração e tudo mais, e o mostrado no filme filipino ser tão precário, coletivo, comemorado de maneira informal em um restaurante, seria deliberadamente uma tentativa de reforçar o caráter miserável do entorno, por meio desta paralelização do cinema filipino (terceiro mundo) com o cinema francês (primeiro mundo). Seria um exemplo da eterna “síndrome do coitadinho”, que volta e meia permeia alguns registros da arte de países subdesenvolvidos? Fruto da minha cabeça? Pode ser.