quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Crime, castigo e outras divagações

Olá, pessoal!

O livro traça a história de Raskólnikov, jovem russo de origem humilde e de futuro promissor, tendo em vista seu intelecto privilegiado. O protagonista se vê repentinamente envolto em um mundo até então desconhecido. O crime. Sua consciência promove turbilhões, a confusão toma as rédeas da razão. O castigo. Dostoievski traça um interessante paralelo, sobretudo no final, com Jesus Cristo e seu destino.

Crime e Castigo. Não poderia passar em branco minha primeira experiência com textos de Fiódor Mikhailovich Dostoievski. Quando surge a oportunidade de apreciação, nem sempre essa palavra nos parece bem empregada, devido ao fato de nem sempre apreciarmos aquilo que nos é oferecido aos sentidos, de algo famigerado pela qualidade e, por vezes, no pedestal de obras clássicas, cresce qualquer coisa de estranho no íntimo do receptor, no caso a pessoa nós. Sem sabermos ao certo por quem, nos impõem obras que são tidas como fundamentais. E se não gostarmos? Terei argumentos de forte alicerce a fim de justificar meu nado contra a corrente? Será que não nado contra a corrente por pura e simples birra?

Aqui compartilho da corrente daqueles que ignoro a identidade. Fugindo da teia que nega a verdade, me ponho a dizer que conheço sim a identidade de alguns, que até mesmo têm seus trabalhos influenciados pelo escrito supracitado. Kafka. Woody Allen. E mais um amontoado de literatos, cineastas, artistas plásticos, músicos e por aí vai. Confesso que eu, enquanto não leitor de Crime e Castigo, já sofria tal influência sem o saber.

Os indivíduos devem expressar suas opiniões, porém se despindo de opiniões alheias que, na raiz, vão de encontro às suas convicções não publicadas. Temos de analisar o todo. Em qual estado de espírito nos encontramos? Estarei preparado à obra? Ela dialoga comigo? Se sim ou não, por quê? Digo que o escritor russo, com história de tamanha complexidade, me convenceu quanto à qualidade de sua obra. Confesso que muito me escapou, contudo o que reagiu de maneira oposta resultou em fascínio. Não, não é senso comum. Não serei menos ou pior por concordar com a maioria das pessoas, ao menos as que têm interesse em literatura. A qualidade existe e não me concedo o direito à negligência.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

CRU


Cru. Primitivo. Sentimento em estado bruto, difícil de domesticar por meio de nossas mentes super-desenvolvidas. Amor, daquele que dói, machuca, arde e, mesmo assim, nos parece necessário.

Tendo como centro narrativo o amor, a Cia Teatral Atores Reunidos estreou, na última sexta-feira, seu mais novo espetáculo: CRU. Nome apropriado à uma montagem que nos joga na cara, sem a intenção da ofensa e do choque, a fragilidade humana por meio de temas que dialogam com nossos recantos mais íntimos. O olhar de indiferença, a mortandade do sentimento e da carne, as teias que fabricamos em busca de amor, tudo está nesta obra intimista, difícil e catártica. O afeto se confunde (ou se funde) em uma antropofagia que faz com que tenhamos, quase como instinto, a necessidade de devorar o outro numa espécie de canibalismo sentimental. A morte espreita, aguarda o resultado de nossos joguetes sentimentais, contando com a perenidade desta busca pelo clichê “amar e ser amado”.

Tal qual a nudez dos atores em cena, somos levados, durante quase uma hora, a ficarmos expostos à nós mesmos. Sensação difícil esta, causadora de um desconforto, a priori, inexplicável. Após decantar o espetáculo, vemos que ele estabeleceu o diálogo supracitado com nosso íntimo, provocando algo mais do que o racional pode explicar. Em CRU nosso sensorial manda, é como a sentimos que faz toda diferença.

Gostar ou não, envolver-se ou não, é muito subjetivo. Por isso mesmo eu digo: vá e tire suas próprias conclusões. Espero, sinceramente, que para você seja uma experiência tão edificante quanto foi para mim.

sábado, 11 de outubro de 2008

Sociedade do Espetáculo Banal


Há algum tempo o cinema passa por transformações radicais. Com “transformações”, não quero falar sobre as formas de distribuição, o fato de a indústria lidar com a pirataria, as novas tecnologias ou algo relacionado ao mercado cinematográfico. Falo mesmo do cinema, dos filmes. Pergunta-se muito se a banalização que nos é apresentada em grande profusão ultimamente, principalmente na forma dos blockbusters americanos, é ocasionada pela própria indústria, preocupada em vender para mais público, ou será um reflexo direto de tempos em que as pessoas não tem o costume de ler, de se informar, de se engajar em causas urgentes e necessárias. Sem rodeios? A pergunta é: o cinemão ficou burro porque o consumidor é mais conivente ou esta conivência advém da falta de conteúdo passada pelo cinema e outros meios de comunicação? Reflito sobre esta questão inúmeras vezes, afinal, como apreciador de cinema e outras formas de expressão, sinto-me curioso quanto a este comportamento antropológico das mídias e dos públicos. Retomei hoje esta indagação ao ver Rede de Intrigas, filme dirigido em 1976 por Sidney Lumet . Será que um filme genial como este, que fala sobre a pasteurização dos meios de comunicação, sobre o modelo de vida imposto pelas corporações, a sociedade do espetáculo, sobre o limiar que separa o jornalismo do apelo barato, sobre as pessoas, e sobre tantas coisas mais, teria espaço, seria sucesso nos dias de hoje? Consternado, chego à conclusão que não. Afinal, Rede de Intrigas aposta no brilhantismo de seu roteiro, nas interpretações magistrais de um time estrelado de atores e numa direção de mestre para, em quase duas horas, primordialmente nos fazer refletir sobre diversas questões pontuais da sociedade. Será que a sociedade atual quer refletir, ou prefere ver aquele herói que, de arma em punho, briga pela supremacia americana? Ou mesmo aquela comédia que robustece estereótipos, reforça a crosta de velhos preconceitos? Não há nada de errado em entretenimento, muito pelo contrário, precisamos dele. Porém, é com muito pesar que chego à conclusão de que cineastas como Lumet, preocupados com muito mais do que fazer cinema para aparecer nas revistas de celebridades, são raros e, após suas mortes, terão poucos herdeiros. Não quero aqui ser o cavaleiro do apocalipse cinematográfico, longe disso. Acredito que há muitos bons nomes no cinema contemporâneo, fazendo filmes comparáveis aos que os mestres faziam outrora. Pena que até mesmo estes bons nomes tenham que se refugiar nos guetos dos festivais, em mostras menores, nos circuitos fechados, prestigiados por uma parcela pequena (se compararmos com o todo) de pessoas que vêem no cinema muito mais do que pipoca e divertimento. É uma pena. Ou somos assolados pela falta de qualidade artística ou pela falta de interesse do público quando ela existe. Eis a complexidade do tema.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Simplesmente CRU

Amor, sentimento quase orgânico nutrido entre criador e criatura.

Paixão, atração, inebriação – independe a nomenclatura, “amor inorgânico”, edificado entre um ser e outro sem relação direta. As “metades da laranja”. Balela. Por vezes, e são inúmeras por sinal, nem mesmo laranja são, quanto mais metade do mesmo fruto. Todavia, me vem agora algo curioso, que em nossas vidas muito é pensado em função da árvore: a historieta de “Eva e Adão”; a “Árvore Genealógica” de uma família, clã ou qualquer que seja o tipo de organização; os “frutos de uma relação”; as “raízes da sociedade (de um pensamento, de uma teoria)”...

Hitler via os judeus como frutos estragados, podres a serem sacrificados em prol da manutenção da “árvore humanidade”. Que sentimento, não se atendo à ideologias, tomou papel de motor em suas ações? Amor pela causa? Talvez. O amor deturpado, aquele que há pouco comentei, inorgânico. O amor cego, surdo e mudo, omisso e trágico. O amor sem gênero, número e grau, tal qual o é entre criador e criatura. O amor com e sem preconceitos. O amor platônico, galgado na idealização e que refuta, embora há negação, sua concretização. O amor de ônibus. O amor de boate. O amor de cama. O amor de segundos e anos. O amor assim, difícil de definir. O amor simplesmente CRU.

sábado, 4 de outubro de 2008

Gritos e Sussurros

Direção: Ingmar Bergman
Roteiro:
Ingmar Bergman
Elenco:
Henning Moritzen, Harriet Andersson, Inga Gill, Erland Josephson, Ingrid Thulin, Liv Ullmann, Kari Sylwan, Anders Ek, Malin Gjörup

Como já devo ter dito em algum texto (me repito com uma freqüência irritante) Ingmar Bergman foi o diretor que melhor capturou a dor humana, o sofrimento a que somos impelidos em alguma parte de nossas vidas, ou durante toda ela. A inquietação do cineasta sueco perante estas dores que atingem o ser humano, foi matriz para que, como artista, ele nos desse algumas das obras mais significativas, não só do cinema, mas da arte como um todo. Esta introdução, que demonstra a admiração que tenho por Bergman, é só para dizer que re-assisti hoje àquele que, em minha opinião, é o mais denso, o mais profundo e, por conseguinte, meu filme favorito de Bergman: Gritos e Sussurros.

Reza a lenda que Bergman teve a idéia trabalhando em uma imagem que não saía de sua cabeça, que lhe veio através de um sonho. Mulheres vestidas de branco contra um fundo vermelho. O que isto queria dizer? Acometido pelo desejo de tirar alguma idéia daquela imagem, o cineasta “compreendeu” que eram três irmãs, estavam juntas e tristes porque uma delas iria morrer. Gritos e Sussurros começa com imagens estáticas que, aos poucos, vão nos inserindo aonde tudo ocorrerá. A casa de campo, rodeada por uma natureza exuberante e que, internamente, tem seus cômodos e móveis abundantemente escarlates. Neste cenário somos levados à uma mulher que repousa lividamente em seu leito. Aos poucos, Agnes vai mudando sua expressão, nos transmitindo a dor que sente em virtude de uma doença terminal. Cuidando dela estão as duas irmãs, Karin, a mais velha, e Maria, a mais nova, juntamente com Anna, a empregada.

Mais do que abordar a doença de Agnes, Bergman aqui nos leva, ao longo de mais ou menos 90 minutos, à uma experiência única, uma sutil e contundente exploração da personalidade das quatro mulheres. Não ficamos presos a imagem de Agnes, mortificados por sua dor apenas. A narrativa intercala o desespero pelo fim próximo, a agonia que Agnes sente, com ao desnudamento moral e ético de Karin e Maria, personagens riquíssimos, interpretados com genialidade por Ingrid Thulin e Liv Ullmann, respectivamente. Karin vive um casamento de mentiras, não infidelidade ou algo que o valha, e sim mentiras cotidianas, que abalam a estrutura de seus sentimentos, de sua sanidade, tornando-a uma mulher fria, dura e até mesmo cruel em sua postura gélida. Maria pode ser mais facilmente comparada a uma boneca, por sua beleza exuberante e falta de conteúdo, sendo ela oca sentimentalmente. Sua frivolidade e capacidade de dissimulação, lentamente descobertas por nós espectadores, tornam ela mais do que uma boneca, mostram uma faceta tão calculista quanto a de Karin, aproximando-as quando as tínhamos quase como que antagônicas. Tentei, mas creio que, mesmo assim, não tive competência em caracterizar duas personagens tão bem construídas, cheias de variações e inconstâncias. Bergman tinha isso, aproximava, mesmo quando usava situações surreais, seus personagens do ser humano cotidiano, aquele de caracterização rasa fácil, mas de difícil definição completa e, geralmente, não definitiva.

Emolduradas pelos belos cenários, iluminadas de forma brilhante pelo mítico Sven Nykvist, tratadas com uma delicadeza espantosa pela câmera genial de Bergman, temos estas mulheres, irmãs de sangue, porém, distantes , e Anna, empregada devotada que cuida de Agnes como se ela fosse sua filha, morta precocemente em virtude de uma doença súbita. Ela, a morte, nunca foi tratada com o mesmo peso, com a mesma densidade que Bergman empregou neste filme. A finitude, o desespero, a insegurança, os traumas e o amor, seja ele apresentado sob qualquer faceta, se misturam em uma obra sem comparações, genial nos quesitos técnicos e em sua significação. Gritos e Sussurros é meu filme favorito, não somente por ser maravilhoso em todos aspectos mas, por mostrar muito mais do que intenções, por efetivamente atingir um ponto em mim que raras obras conseguiram, nenhuma com a mesma intensidade.