quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Doses Homeopáticas #14


FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE é um típico filme Disney, típico ao ponto de a menina de oito anos que o assistia comigo dizer meio fatigada já nos primeiros minutos: “vai ter um casamento, afinal nos filmes de princesas sempre tem um casamento”. Há ali uma fórmula bem definida e, inclusive, um coadjuvante mais carismático do que o restante dos personagens, algo quase obrigatório nas animações de hoje. Do ponto de vista técnico, nada a reclamar, mas, ora, estamos falando da Disney e se eles não possuem excelência nesse quesito, quem há de ter? Mas também não sejamos por demais ranzinzas, a história das duas princesas separadas pelo destino impiedoso de uma delas é um bom divertimento, ainda que remeta demais a ENROLADOS – e, por conseguinte, à história de Rapunzel -, outro filme recente da Casa das Ideias, por sinal melhor do que FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE. Mas entre mortos, feridos e congelados, sobram bons momentos.


Perder um filho ocasiona provavelmente a maior dor que alguém pode sentir.  Passamos a primeira metade de ALABAMA MONROE numa alternância temporal que coloca em paralelo a construção da felicidade do casal Elise e Didier e o desespero da luta deles contra o câncer da filha. O luto é um período indeterminado e, para explorá-lo mais frontalmente, o filme quase se assenta na linearidade em sua segunda metade, ali onde Didier tentará de tudo para recomeçar a vida ao lado da sua amada, ela, por sua vez, tão devastada pela perda que não vê saídas possíveis. A música desempenha papel fundamental em ALABAMA MONROE. No palco muita coisa é dita, demônios são externados, sentimentos são postos para fora com uma profundidade que falta às palavras sem melodia. O diretor Felix Van Groeningen faz um filme maduro, onde acompanhamos pesarosos primeiro a finitude de uma criança, algo triste por si, e segundo a impossibilidade de felicidade ali onde ela anteriormente tinha tão confortavelmente se instalado.


A maior covardia da temporada foi trazer de volta UM CORPO QUE CAI às salas de exibição. Diante da obra-prima de Alfred Hitchcock, todo o circuito restante empalidece, perde um pouco de importância.  Rever o filme em tela grande é uma experiência e tanto. Toda a construção inicial, a investigação da mulher que supostamente está possuída por um espírito antepassado, já alude à segunda, pois em ambas há o amor por um fantasma. Logo sabemos que Judy e Madeleine são a mesma, e se ela se submete aos desmandos do obcecado John, determinado a transformá-la em seu amor falecido, é justamente por que também o ama. O homem aposentando pelas vertigens é enredado numa trama ardilosa cuja finalidade é determinada herança. O efeito colateral é a paixão, não por Madeleine, pois ela nunca existiu, mas pela ficção criada para fornecer álibi irrefutável a um crime.  UM CORPO QUE CAI é genial, e soa ainda melhor visto no cinema. Que baita oportunidade.


ÁLBUM DE FAMÍLIA é esquemático. Lá pelas tantas desconfiamos que a matriarca interpretada brilhantemente por Meryl Streep acabará do jeito que acaba, o que é confirmado por uma sucessão de abandonos, aliás, filmados quase da mesma maneira. Mas a despeito dessa fórmula, de um roteiro que se mostra às vezes mais do que deveria, tá aí um filme que aborda problemas familiares com propriedade. A morte do pai traz de volta ao lar as três filhas, cada qual com seus problemas e dificuldades. Não ajuda nada ter uma mãe sofrendo de câncer e descontrolada por anos de vício em remédios. Virão à tona velhas rixas, sentimentos e eventos asfixiados anos a fio para o bem da boa convivência. É como se houvesse uma implosão gradativa, já que o pilar de sustentação da família se foi.  ÁLBUM DE FAMÍLIA é um filme de atores, pois é por meio do trabalho deles que nos aproximamos emocionalmente dos personagens e das situações. Atire a primeira pedra quem não identificar algum traço de sua própria família ao assistir esse filme.


As atuações de Matthew McConaughey e Jared Leto felizmente não são as únicas qualidades de CLUBE DE COMPRAS DALLAS. Aliás, é claro que impressiona a mudança física pela qual os atores passaram, mas seus desempenhos estão para além desse componente. Mais do que abordar a trajetória do homem que se descobre soropositivo e, a partir daí, não apenas melhora enquanto pessoa, mas também aproveita para lucrar com tratamentos alternativos, o filme carrega uma bandeira contra a indústria farmacêutica e sua já conhecida ferocidade no combate à “concorrência”. Eles (os laboratórios) estavam pouco se lixando se o AZT trazia efeitos colaterais em longo prazo, até por que naquela época os diagnosticados com HIV tinham pouco tempo de vida, ou seja, também, em tese, impossibilidade de reclamar muito dos tais efeitos. CLUBE DE COMPRAS DALLAS tem uma queda por clichês, isso sim, mas nem o flerte com esses expedientes já batidos diminui a força do longa, feito de dois atores de trabalho excepcional e uma luta ainda necessária.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Os Amantes Passageiros


O novo filme de Pedro Almodóvar é seu retorno à comédia, gênero pelo qual ganhou notoriedade no fim dos anos 1980. Claro, antes disso já se estabelecia gradativamente como um dos artistas de cinema mais originais de sua geração, porém, verdade seja dita, foi apenas depois do humor cáustico e rasgado de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos que ele ganhou projeção global e se tornou grife do dito cult. Os Amantes Passageiros é, antes de qualquer coisa, resgate das raízes cômicas da obra almodovariana, onde comportamentos sexuais assumiam o protagonismo dentro de conjunturas inusitadas, quando não esdrúxulas.       

Almodóvar filma Os Amantes Passageiros quase todo em estúdio, reproduzindo o interior de um avião no qual a trama de desenrola.  As participações especiais de Antônio Banderas e Penélope Cruz, no início, servem apenas para criar o artifício que detonará a problemática, pois eles se esquecem de retirar algumas travas dos trens de pouso da aeronave, o que fatalmente levará a futuro pouso de emergência. McGuffin puro, como bem ensinou Alfred Hitchcock, um dos mestres da arte cinematográfica, já que esse recurso narrativo de aparente importância na verdade serve tão e somente como alimento da tensão, e olhe lá. Deflagrado o erro, a tripulação coloca a segunda classe para dormir com relaxantes musculares enquanto procura entreter os poucos pagantes da ala executiva.

A equipe da companhia Península é formada, basicamente, por dois comandantes (um bissexual e outro aparentemente heterossexual) além da trinca impagável de comissários homossexuais: Joseserra (Javier Cámara), Ulloa (Raúl Arévalo) e Fajas (Carlos Areces). Aliás, as melhores cenas de Os Amantes Passageiros são protagonizadas por esses comissários, incluindo aí o mais hilário número musical do cinema recente, cover de I'm so excited, do The Pointer Sisters. Completam a galeria de personagens principais: um casal em lua de mel, a ex-atriz e ex-cantora (agora sadomasoquista paranoica), um homem misterioso, o ator às voltas com suas desventuras amorosas, o executivo prestes a ser preso por corrupção e a vidente virgem que fareja morte. E dá-lhe situações bizarras em meio ao caos regado por álcool, drogas e excitação.

Em Os Amantes Passageiros quase tudo gira em torno do sexo e de questões acerca da sexualidade. Almodóvar pinta com suas frequentes tintas berrantes não apenas o cenário, mas também o comportamento desavergonhado dos que não escondem taras e vícios. A meu ver, só há um sério ponto cego no filme, quando o ator interpretado por Guillermo Toledo liga à esposa (Paz Vega) e acaba conversando com outra mulher, numa subtrama desinteressante e descartável. No mais, Os Amantes Passageiros é ótima comédia com ritmo e tiradas escrachadas, feita para rir sem contraindicações. Ainda que aquém da genialidade vista em alguns longas recentes do diretor espanhol, é muito fiel à graça de espírito libertário do Almodóvar de outrora que, convenhamos, andava fazendo falta. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 25 de janeiro de 2014

Juan dos Mortos


Zumbis são mortos-vivos que agem apenas por instinto, pois privados de racionalidade. Sua base metafórica serve com frequência ao cinema para exemplificar questões político-sociais.  Sendo assim, a Cuba socialista, mesmo 50 anos após o levante que erigiu Fidel Castro e companhia ao poder, é o cenário ideal (ao mesmo tempo improvável) para as tais criaturas, exatamente como alusão a sistemas de governo, comportamentos coletivos e traços de quem vive sob a égide de um regime contrário ao capitalismo dominante. Coube ao diretor Alejandro Bruqués realizar o primeiro filme de zumbis ambientado e produzido na Ilha, nele fazendo graça sobre o embargo, a ideia fixa do êxodo, peculiaridades do próprio povo cubano, entre outros.

Estamos no inconfundível terreno do Filme B, por mais que a tecnologia digital tenha amenizado as tosqueiras que o caracterizavam (e davam charme) noutros tempos. Juan dos Mortos se insere na tradição do gênero terrir, mescla de terror e comédia. Seu protagonista é Juan, um típico (e tipificado) terceiro-mundista que vive de pequenos trambiques e atividades esparsas.  Tudo corre bem em Havana até que pessoas começam a se comportar de maneira estranha, comendo carne humana e vagando sem rumo. O que seriam eles? Dissidentes contratados pelo império americano, segundo noticiam os meios de comunicação locais. A epidemia cresce, pessoas morrem aos montes, e o que Juan e seu amigo Lázaro resolvem fazer? Ganhar dinheiro abrindo um serviço chamado “Juan dos Mortos – Matamos seus entes queridos”.

Tudo é visto pela ótica de Juan e de seus companheiros, incluindo aí o já mencionado amigo, o jovem que mimetiza arquétipo norte-americano, o travesti histriônico, o homenzarrão que não suporta ver sangue e a filha desgarrada, com quem o protagonista quer reatar laços em meio ao caos. Não há qualquer ranço no desenrolar de Juan dos Mortos, filme feito para rir da própria desgraça, por assim dizer. A direção se preocupa basicamente em ampliar o efeito cômico das sequências, deixando às entrelinhas do roteiro algo sobre a dimensão social de um país sob o efeito de sua história revolucionária. O diretor não poupa compatriotas, cujos estereótipos – sobretudo comportamentais – fundamentam os personagens.

Entre mortos e feridos (tsc), Juan dos Mortos busca um público mais bem-humorado que aquele aferrado à verossimilhança ou ao patriotismo radical. Não deveria ser tachado de “alienado”, mas também não convém buscar nele mais profundidade que as próprias ações e palavras explicitam. São raros os subtextos, pois tudo vem à tona (verbal e visualmente) numa galhofa banhada pelo sangue dos “dissidentes” e de alguns “inocentes”. Gostar ou não vai muito do “espírito” de cada um. A meu ver, Juan dos Mortos é uma bobagem divertida, turbinada com a consciência política dos que cresceram embalados por décadas de insurreição e sobrevivência. 


Publicado anteriormente no Papo de Cinema

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Doses Homeopáticas #13


Gostei de O LOBO DE WALL STREET, mas devo confessar que senti falta do Scorsese mais violento e menos engraçado. Por que a ascensão de Jordan Belfort e sua posterior queda são contadas com um bom tanto de ironia, que, às vezes, descamba para uma zombaria responsável por diluir um pouco o asco a esses magos de Wall Street que fazem piada e graça com o dinheiro alheio.  As três horas de duração passam rápido, méritos do bom roteiro de Terence Winter e da montagem repleta de pequenos truques de Thelma Schoonmaker. Do elenco ótimo, se destacam Leonardo Di Caprio e Jonah Hill, o primeiro num desempenho notável, surtado como dita o tom da direção; já o segundo em outro trabalho que afirma um talento já não mais emergente, pois concreto. Repito, O LOBO DE WALL STREET é muito bom de ver, tem tiradas excelentes, mas nele inexiste aquele senso de perigo real e imediato que ronda a todos em outros filmes de Scorsese.


12 ANOS DE ESCRAVIDÃO encara corajosamente tensões raciais ao abordar o verídico caso de Solomon Northup, escravo liberto que em 1841 foi sequestrado e se viu novamente vítima do trabalho forçado. O cineasta Steve McQueen, nessa que é sua terceira obra, combina a crítica social contida no primeiro filme, HUNGER, com o estudo minucioso de personagem visto no segundo, SHAME. 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO ganha peso tanto por mostrar a selvageria direcionada aos escravos quanto por delinear cinematograficamente Solomon, um homem que ao longo de mais de uma década teve de esconder sua identidade, sua cultura, para sobreviver em meio a tanta brutalidade. 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO é uma realização importante, necessária, pois, para além de promover uma leitura imprescindível no que diz respeito à escravatura, mostra o lado mais sórdido do único animal que, enquanto amparado pela lei, maltrata seus semelhantes sem dó nem piedade.


Li por aí que TRAPAÇA é como se fosse um filme de Martin Scorsese, só que com adoçante, ou algo assim. A definição me parece ideal, pois, para começar, a trama centrada em dois trambiqueiros forçados a cooperar com um agente do FBI remonta aos anos 1970, aqueles mesmos em que Scorsese deitou e rolou falando de gângsteres e outros bandidos. Mas David O. Russel, por mais talentoso que seja, faz, no máximo, um bom filme, divertido de ver, contudo frouxo e falso o suficiente para que não levemos nada muito a sério. O que TRAPAÇA tem de melhor são as atuações, principalmente as de Christian Bale, Bradley Cooper e Amy Adams. Não à toa, quando o roteiro do próprio Russel os dispersa em momentos solo, quem perde é o filme. Outro ponto alto é a trilha sonora, repleta de músicas que ajudam a nos jogar direto à época retratada. Enfim, TRAPAÇA é legal, mas bem inferior à atenção que vem recebendo.


Parece um futuro longínquo, mas não devemos estar muito distantes da realidade mostrada em ELA, novo filme de Spike Jonze. Para sobreviver, o protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) escreve cartas à mão, ditando-as a um computador, num paradoxo que choca dois tempos, afinal de contas o futuro é nostálgico. Ainda na fossa pelo término do casamento, Theodore se apaixona por Samantha, seu sistema operacional. Ninguém, além da ex-mulher, estranha o fato, de resto corriqueiro numa era em que as pessoas passam mais tempo ensimesmadas do que interagindo. Ao passo que Samantha evolui enquanto “ser”, o relacionamento mantido à irremediável distância ditada por leis incontornáveis enfrenta seus dilemas, pena para seguir contra as tormentas. Qual a diferença entre amar alguém palpável e alguém dotado “apenas” de consciência? O amor pode prescindir do corpo, do toque, da carícia além da imaginada? ELA parece um longa sobre alguém incapaz de lidar com emoções reais. Mas o que há de “irreal” nesse amor? Responder – ou não, apenas pensar sobre – essa pergunta, pode nos dar a chave para entender o que Spike Jonze quis dizer nesse filme tão simples quanto complexo. Outro paradoxo.


Jean-Claude Brisseau divide A Vida como Ela É, seu filme de estreia, em duas partes. Na primeira, a jovem Agnès sai de casa e se depara com uma Paris suburbana repleta de crimes, suicídios, isolamento, entre outras dificuldades. Na segunda, a protagonista experimenta um verdadeiro calvário feito de calúnias e coação no trabalho, após ser eleita representante sindical. A ideia, parece, é na costura das partes apresentar um painel desolador da então vida social parisiense longe dos pontos turísticos, em muito alimentada por um sistema de trabalho opressor, cujo patriarcalismo é enraizado de tal maneira que escanteia a mulher às tarefas burocráticas menores. A encenação é um tanto precária, as situações carregam em si o tom da denúncia, de uma militância às vezes evidente demais, gritante como o sangue que tinge o quintal do apinhado conjunto habitacional em que Agnès mora. Na verdade, em A Vida como Ela É  as ideias se sobressaem ao resultado, ainda muito cru.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

TOP5 - Filmes que de tão Ruins chegam a ser Bons

Quem faz o TOP5 da vez é Douglas Tadei, que topou o desafio de listar cinco filmes que de tão Ruins chegam a ser Bons. Confira.
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1 - P.K. and the Kid  (1987)
Garota foge de casa por causa de assédio sofrido pelo padrasto, o que é solenemente ignorado pela mãe. No caminho pega carona com um cara que está indo a um campeonato de queda de braço. Atuações pra lá de horríveis, cenografia cafona . Molly Ringwald no auge da canastrice.





2 - As Branquelas (White Chicks, 2004)
Dois policiais negros se passando por duas gêmeas louras (!) para desvendar um suposto sequestro prestes a acontecer. Escatologia ao cubo, piadas politicamente incorretas, cenas memoráveis. E uma trilha sonora que gruda no seu ouvido. Meu guilty pleasure!




3 - Rubber (2007)
Conheça Robert, um pneu (Sim! Um pneu!) que descobre seus poderes telepáticos de destruição e que se instala numa cidadezinha do deserto fazendo suas estrepolias até se tornar obcecado por uma misteriosa mulher. Fala sério, um pneu com poderes telepáticos ? Show de bola!





4 - Fome Animal (Braindead/Dead alive, 1992)
Esqueça O Hobbit ou O Senhor dos Anéis! Esse é o melhor filme de Peter Jackson, disparado! Senão vejamos: a mãe de um nerd é mordida por um macaco-rato (!) no zoológico, morre, para depois renascer com um apetite voraz! Cães, enfermeiras, vizinhos... . Meu number one!




5 - O Duende  (Leprechaun, 1993)
Esse é tão ruim que eu demorei duas décadas pra criar coragem e assistir. Roteiro primoroso: um duende é aprisionado e de repente se liberta. Enquanto ele procura seu pote de ouro, vai matando quem se meter no seu caminho. Embaraçoso, mas tem Jennifer Aniston novinha!


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Além da Escuridão – Star Trek


Começo sinalizando: não sou trekker (denominação dos fãs de Jornada nas Estrelas), mal sei diferenciar Volcanos de Klingons. Todavia, fiquei bastante empolgado com o reboot da franquia, encabeçado por J.J. Abrams em 2009, sinal de vida nova numa série que parecia fadada a gerar filmes aquém de seu próprio culto. A então ótima resposta nas bilheterias, seguida da afirmação de Abrams como o novo queridinho de Hollywood, tornaram certa a continuação que chega agora cercada de expectativa aos cinemas.
Além da Escuridão – Star Trek começa durante missão complicada de Kirk (Chris Pine) e companhia num planeta primitivo à beira do colapso. Em dado momento, o capitão precisa decidir entre a regra dos homens e a vida de um deles. Líder impulsivo e passional, ele opta pela manutenção de seu primeiro comandante, em sequência de grandes proporções visuais e dramáticas. A insubordinação de Kirk lhe rende punições e atrito severo com Spock (Zachary Quinto), este seguidor das leis para além de emoções e camaradagem. Mas logo os amigos se juntam novamente contra um vilão misterioso, alguém a quem a Enterprise precisa aniquilar. John Harrison (Benedict Cumberbatch) é o nome desse personagem familiar aos iniciados, que coloca em risco não apenas a Frota Estelar, mas também a paz entre os povos da galáxia.
J.J. Abrams parece mesmo ter encontrado fórmula eficaz para tornar o cifrado ideário trekker em algo de interesse comum, sem para isso trair ou deixar órfãos os cultores mais xiitas.   Repleto de ação, Além da Escuridão – Star Trek não é, entretanto, refém da parafernália tecnológica. Claro, ajuda muito ter à disposição ferramentas que possibilitem quase tudo em matéria de construção visual, mas o filme que Abrams dirige, reafirmando a curva ascendente de sua carreira, é sobre amizade e honra, atributos decorados pelos milhões de dólares que, a bem da verdade, fazem crível esse universo fantástico.
Ao trabalhar ainda mais a dualidade representada por Kirk e Spock, o roteiro escrito por Alex Kurtzman, Damon Lindelof e Roberto Orci (colaboradores freqüentes do diretor) retém a essência dessas figuras icônicas, duas faces da moeda cujo valor final é a liderança. O intempestivo Kirk aprende com o lógico Spock, e vice versa. Sozinhos, pendem a balança para um lado, mas juntos fornecem equilíbrio e êxito às missões. Ajuda muito ter um antagonista forte, que ofereça contraponto nuançado aos bravos exploradores. Aliás, quem são os verdadeiros vilões? Virtude e razão são, não raro, volúveis em Além da Escuridão – Star Trek.

Candidato a filme-pipoca da temporada, o novo longa de J.J.Abrams (que, em breve, estará à frente também de Star Wars) tem energia, boa trama, desenvolvimento esperto, muita criatividade visual e 3D bem utilizado. Além da Escuridão – Star Trek é divertido e emocionante (até cheguei às lágrimas lá pelas tantas), enfim, um ótimo programa para nerds ou não.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato


Oitavo filme da carreira cinematográfica de Star Trek, Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato começa no século XXIV quando a Federação é atacada pelos Borgs, raça sintético-orgânica que assimila prisioneiros para evoluir. O capitão da Enterprise-E,  Jean-Luc Picard (Patrick Stewart), desrespeita ordem direta de isentar-se dos esforços defensivos e, com isso, acaba num vórtex temporal direto ao passado, justo no dia anterior ao primeiro contato entre humanos e aliens. Os Borgs (também levados à data icônica) pretendem alterar a história para acabar com a união entre os povos, e cabe aos esforços da tripulação mais famosa da ficção científica pop, por assim dizer, a frustração de tais planos.

Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato se desenrola em três núcleos interligados e tratados quase de maneira episódica pelo roteiro. Enquanto Picard trava batalha pessoal contra a invasão e seu primeiro comandante auxilia Zefram Cochrane (James Cromwell), humano inventor da velocidade dobra (mais rápida que a da luz) a efetuar um vôo histórico, o cyborg Data experimenta trip existencial nas mãos da liderança inimiga. O filme não tem muitas complicações ou excessos de criptografia, bom para os leigos. Claro, esses menos familiarizados com a criação de Gene Roddenberry podem sentir falta de Spock e Cia, ainda mais por que a equipe da Enterprise-E não tem a mesma empatia dos comandados por Kirk.

Dirigido por Jonathan Frakes, Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato é um filme quadrado, refém da trama, sem grandes atrativos puramente cinematográficos. É muito mais impulsionado pela palavra (o dito), ressentido da falta de inventividade na construção de imagens, sons e outros elementos que ditam a produção de sentidos. Contudo, o longa entretém, explora acontecimento importante dentro da mitologia trekker de maneira acessível e com pitadas de profundidade. Nada cabeçudo. Bom lembrar: estamos com os dois pés num universo inteiramente pop.

Imprescindível o contraponto entre os seres em busca da perfeição (presos a certa consciência coletiva) e os humanos falíveis (porém dotados de livre-arbítrio). Há fragmentos políticos nessa alusão às ideologias conflitantes, assim como também são preservados os ideais de convivência harmônica entre diferentes, balizas à criação do mito Star Trek. Ainda que pesem os contras já mencionados e o visual semelhante ao dos Power Rangers, Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato é um bom produto da volúvel linha de montagem hollywoodiana. Passageiro, nada memorável, mas digno e até divertido.


Publicado originalmente no Papo de Cinema