quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010: Diversos #01

A GENTE ACABA SE ACOSTUMANDO
A gente acaba se acostumando, um média metragem em formato de documentário, narra a história de 5 meninas que tentam se reinserir na sociedade Iraniana após terem fugido de casa por motivos diversos como: abuso sexual, uso de drogas, conflitos familiares etc. O filme mostra essas cinco jovens à partir do ponto de vista do abrigo que as acolhe. Este abrigo representa um refúgio com suporte médico e psicológico, dirigido por assistentes sociais que na maior parte do tempo fazem o papel de cuidadores dessas meninas. No entanto elas se mostram bastante insatisfeitas e tristes por se sentirem presas lá dentro. Os pontos interessantes ao meu ver foram aparecendo na medida em que as cinco jovens respondiam às entrevistas e expunham suas queixas e justificavam o porque de estarem ali. No mais, o filme cansa um pouco, devido ao formato: câmera na mão e closes demorados, além das falas longas e repetitivas. Saí do cinema com a impressão de que o filme agrada mais pelas informações que ele oferece a respeito do tema e pelos dados curiosos acerca de uma sociedade que quase não conhecemos.


TODAS AS MÃES
Coincidentemente este e o filme anterior A gente acaba se acostumando se assemelham em diversos pontos: A começar pela duração, ambos tem aproximadamente 50 minutos, e também ambos são uma espécie de documentário. Depois a temática e a ambientação.Todas as mães se passa no Iraque (Kurdistão) e nos apresenta o efeito dos trinta anos de ditadura do partido liderado por Saddam Hussein. Embora bastante arrastado e por oras monótono, o filme mostra cenas fortes quando surgem as mulheres: irmãs e mães que perderam parentes nessa batalha, no total foram 4500 vilas destruídas e 182 vítimas.O relato delas nos emociona e choca, mais ainda quando falam sobre a expectativa de vida nesse lugar. Quando, por exemplo, avós comemoram por terem netos, se vangloriando do fato de ainda terem filho vivos. Já outras, ainda esperam seus filhos, maridos e irmãos retornarem mesmo tendo a consciência de que a probabilidade desses parentes terem morrido é muito grande. O luto constante faz parte deste povo que espera a morte como se espera uma visita qualquer. Destaque para a fotografia da cena final, onde os caixões com os corpos chegam ao Kurdistão reunindo milhares de pessoas à espera de alguma notícia sobre os seus, ainda que seja da morte, que a esta altura significa algum sinal real , algum porto seguro para essas pessoas que vivem sem esperança alguma.


TERÇA DEPOIS DO NATAL
Com uma sinopse não muito atraente, tema bem manjado no cinema Terça depois do natal não deixa a desejar de forma geral, exceto o fato de não acrescentar muito ao gênero. Quero dizer, que assim como este, outros filmes já exploraram muito melhor a temática: traição conjugal x conflito familiar. Filme Romeno que conta a história de Paul casado com Adriana há dez anos, pais de uma menina de oito. Há seis meses no entanto, ele mantém um caso com Raluca, a dentista de sua filha. Bom, o drama todo se inicia quando Paul resolve levar a filha à dentista. O que ele não esperava é que sua mulher fosse fazer questão de acompanhá-los neste dia. Quando ele se vê diante das duas, se sente pressionado a tomar uma decisão e à partir daí a dinâmica familiar muda. As atuações são medianas, nada que comprometa o desenvolvimento do filme mas também nada de se aplaudir. Em um dado momento fiquei esperançosa do ator Dragos Bucur, (presente nesse elenco) ocupar um papel de maior destaque como já havia feito e muito bem em Polícia, Adjetivo, outra produção romena, mas não, ele interpreta um dos amigos do casal de protagonistas, num papel bem secundário. Para finalizar, volto a dizer que Terça depois do natal não fica devendo nada mas, ao meu ver, também não acrescenta muito. Em todo caso, na maré que estamos já é um dado positivo o filme não se comprometer negativamente.

Festival do Rio 2010: Viúvas Sempre às Quintas


Há mais de cinquenta anos, Billy Wilder derrubou barreiras no cinema ao fazer um cadáver narrar uma história. Tal corpo, presente no espetacular Crepúsculo dos Deuses, é apresentado logo na primeira sequência do filme, dentro de uma piscina. O argentino Marcelo Piñeyro faz uma explícita homenagem ao diretor com o seu Viúvas sempre às quintas, quando inicia seus créditos de abertura com a análise lenta e contemplativa de três corpos submergidos em uma piscina luxuosa – ponto de partida plasticamente incrível para o que se anuncia como um filme instigante.

Quando os corpos de três influentes moradores de um condomínio residencial são encontrados, temos de voltar no tempo para conseguir compreender o que pode ter acontecido para que tal trágico fato ocorresse. Analisando a vida dos habitantes do local logo fica claro que toda a aparente tranquilidade é apenas uma concha protetora - aqui metaforicamente representada com os muros do condomínio – para um universo de aparências, traições e corrupção.

“Por fora eu sou linda como o sol, mas por dentro eu estou apodrecida”, diz alguém em certo momento do longa, referenciando o próprio desenvolvimento do filme e de seus personagens de forma indireta. Quando Piñeyro passa a os apresentar, o faz com calma e ritmo crescente, fugindo de uma linearidade cronológica que poderia tornar o filme aborrecido. O diretor inclusive diz que resolveu essas questões na sala de montagem, quando decidiu quebrar a barreira do convencional para dar mais vida à sua produção.

Em Viúvas sempre às quintas acompanhamos a rotina aparentemente fácil de quatro casais repletos de problemas, mas sem nenhuma mancha danificando a superfície imaculada de suas vidas. Em uma cena chave, com um jantar de aniversário, Piñeyro condensa uma série de informações que guiam seu filme: há um duelo não confesso entre todos pela perfeição e harmonia, mas quando as portas de suas casas estão fechadas é que a podridão dessas pessoas, seres comuns que se mostram superiores uns aos outros, aparece.

O roteiro de Marcelo Piñeyro e Marcelo Figueiras, baseado em livro de Claudia Piñeiro, é pautado na desconstrução desse núcleo narrativo que funciona como um microcosmo de nossa sociedade. Cientes mas indiferentes aos problemas do mundo (aqui representados através de uma difícil crise financeira), seus personagens apenas passam a encarar esses infortúnios quando isso é inevitável – e ainda assim buscam a solução na cápsula protetora que é o local onde eles vivem.

Não é de hoje que a vida de aparência da classe alta é analisada com tanta crítica e parcialidade, sendo exemplos óbvios os filmes Felicidade, de Todd Solondz, Entre quatro paredes e Pecados íntimos, de Todd Field, Beleza americana e Foi apenas um sonho de Sam Mendes. Viúvas sempre às quintas pode ser reverenciado dentre os outros ótimos títulos supracitados justamente por fazer isso com originalidade e extrema competência.

Fazendo uso de uma série de recursos que reforçam sua trama, tendo no visual um importante fator que acrescenta à sua proposta, Piñeyro busca principalmente na fotografia e direção de arte uma aliança que torna o filme ainda mais deslumbrante. Os brancos e perolados impecáveis estão sempre presentes, saindo apenas para dar lugar às sombras e aos tons frios quando o clima do filme precisa disso. A direção, econômica, busca privilegiar justamente um roteiro completo e complexo, que não se propõe a dar soluções fáceis ou a buscar por elas para resolver sua trama.

Mostrando um amadurecimento elogiável desde seus bons Plata quemada e Kamchatka, Marcelo Piñeyro e seu Viúvas sempre às quintas merecem destaque por qualidades já pouco recorrentes no cinema atual. Quando um filme vai além do que poderia ser dentro de sua proposta, trazendo mais conteúdo do que apenas um belo trabalho audiovisual, merece reconhecimento – e esta verdade se encaixa perfeitamente ao filme de Piñeyro.

Festival do Rio 2010: 01 filme, 01 parágrafo # 01

AMORES IMAGINÁRIOS
Xavier Dolan é o auteur da vez. Incensado em festivais e alvo de grandes elogios e expectativas, o rapaz de 21 anos investe sua inventividade narrativa para contar o pretenso triângulo amoroso entre três pessoas: dois amigos, um garoto e uma garota, que se apaixonam por um exótico jovem. As características de Dolan enquanto roteirista e diretor se mantiveram de seu primeiro filme, o melodrama Eu matei a minha mãe, para este Amores Imaginários. Com uma trilha excelente, que vai de Bach a Dalida, Dolan quase se perde na pretensão de realizar um moderno conto de amor, ficando muito atrás de autores mais competentes, como Christophe Honoré – que aqui parece referência para o jovem. A dúvida maior em relação ao realizador é se ele superará as crescentes expectativas para com o seu cinema, ou se deixará se levar pela crítica em direção ao nada, como aconteceu com M. Night Shyamalan.


MINHAS MÃES E MEU PAI
Lisa Cholodenko, assim como Dolan, tem em mãos a história de um relacionamento que só poderia ser apresentado no cinema atual. Levando com naturalidade e sem muito posicionamento, Cholodenko insere o tema da busca pela paternidade em uma família chefiada por duas mulheres. Com Julianne Moore e Annette Benning em excelentes atuações, Minhas mães e meu pai segue com linearidade os conflitos que surgem no núcleo familiar com a chegada de Paul, doador de esperma que gerou os dois filhos do casal homossexual. Com boas sacadas e um roteiro ágil, o filme infelizmente fica próximo demais ao convencional, tratando o tema novo dentro de uma estrutura já muito utilizada em outros filmes. É um quase grande filme, mas sem dúvida fará sucesso na temporada de prêmios que se aproxima – como já fez com o Teddy no Festival de Berlim.


VIPS
Os brasileiros conhecem bem a história de Marcelo do Nascimento, farsante que se passou por irmão do dono das empresas aéreas Gol, dada a precocidade com que tais fatos foram noticiados pela mídia nacional. Marcelo, interpretado por um preguiçoso Wagner Moura, é o centro de VIPS, produção dirigida com muitos excessos por Toniko Melo. Em seu roteiro, VIPS se propõe a analisar os motivos que levaram o farsante a ir tão longe – e o faz se utilizando de clichês de maneira irresponsável, como se fossem novidades (quem conhece a telessérie Dexter ou dedicar um pouco mais de atenção ao filme vai sacar algo tido como importante em seus primeiros minutos). VIPS é produção nacional que sofre por tentar ser o que não é: um drama biográfico inovador que acaba com cara de produção televisiva (ruim) dos Estados Unidos. Chato é ver a O2 e Fernando Meirelles envolvidos como produtores de um filme que não acrescenta em nada à cinematografia brasileira.


A VIDA ACIMA DE TUDO
É gratificante ter a oportunidade de ver o cinema produzido na África, visto que são poucos os filmes do continente que chegam até nós, brasileiros. A Vida acima de tudo, do alemão Oliver Schmitz, é um drama intenso repleto de boas atuações e de abordagem contundente, que dificilmente deixará seu espectador indiferente. Na trama conhecemos Chanda, garota de 12 anos que comanda sua família disfuncional em meio ao início da propagação da AIDS no continente africano. O tema central do filme são as intrigas, mentiras e o velho e irritante hábito de muitos em controlar a vida dos outros. Chanda passa por péssimas situações enquanto o filme se encaminha por uma genuína tour de force – ainda que se estenda mais que o necessário. Um drama que merece ser visto, embora seja difícil imaginar que o mesmo ganhe distribuição em nosso país. Destaque para a fotografia e para a comovente cena final do longa, confessamente melodramática, mas muito tocante. 

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010: Riscado (segunda opinião)

Enquanto a turma veterana do cinema nacional, em sua grande maioria, entrega mais do mesmo cinema – sejam produtos comerciais ou pretensas obras de arte -, deve-se ficar de olho naqueles que começam agora no ofício. Do que foi apresentado até o momento na Première Brasil no Festival do Rio, é justamente um jovem diretor que entregou o melhor filme: uma pérola chamada Riscado.

Em Riscado conhecemos Bianca, jovem atriz que faz o que pode para sobreviver no ramo: seja como panfletista ou participando de vexaminosos (não para ela) telegramas animados. Ela segue a vida da melhor maneira que pode, conseguindo tempo ainda para participar de um grupo de teatro. Quando uma oportunidade melhor aparece, para protagonizar um filme coproduzido entre o Brasil e a França, Bianca sabe deixa tudo em segundo plano para seguir seu sonho e aceita a proposta sem pensar duas vezes.

Riscado não pertence a nenhuma classe muito difundida de cinema. Tem uma estrutura simples mas é inventivo em sua grande maioria, entregando soluções visuais para evitar óbvios e massantes diálogos. Dentre eles, uma série de recursos bonitos, que enriquecem o filme, são inseridos pontualmente na forma de pequenos vídeos gravados com uma câmera digital comum – como se tivessem sido feitos por Bianca.

A competência de Pizzi como diretor fica evidente através de seu controle de câmera, assim como pela ótima escolha de uma estética crua e realista, sendo que seus planos não estão ali para sobreporem à narrativa do filme - o que mostra maturidade para um diretor estreante. Em Riscado, Pizzi busca alterar signos de um cinema que já é comum hoje, mas sem se tornar excessivo, sendo isso uma escolha que obviamente contribui com seu belo trabalho.

Karina Telles, esposa do diretor, encorpora Bianca com maturidade e profundidade incríveis. Telles tem uma beleza particular, não óbvia, e dá à personagem uma gama enorme de sentimentos que ficam muitas vezes explícitos apenas pelo seu olhar – que, sem exageros, me fez pensar em Liv Ullmann por mais de uma vez. Riscado não seria nada sem sua interpretação, talvez apenas um filme esteticamente bonito e de roteiro interessante, mas a forma motriz do filme está toda na atriz. Não seria surpresa nenhuma (mas sim uma grande satisfação) que a mesma vença o Festival na categoria de Melhor Atriz.

Em suma, Riscado é um trabalho melancólico e duro, repleto de questões pontuais que são levantadas com muito tato e sutileza. Através de Bianca, Pizzi fala sobre o pouco valorizado trabalho do ator, visto por muitos como vaidade ou hobby, e indiretamente ataca os meios de produção do cinema nacional. Cinema este que felizmente, ainda que vez ou outra, nos agracia com ótimas produções como este Riscado.

Festival do Rio 2010: Riscado


O início da sessão contou com a presença do diretor, ainda muito jovem, diga-se de passagem: Gustavo Pizzi, que junto com os atores falou um pouco do filme que seria exibido em seguida. Muito além das minhas expectativas Riscado é redondo, coeso, com muitos elementos realísticos o que nos possibilita fazer identificações o tempo todo. O filme aborda a importância da sorte em nossas vidas, medindo o esforço e o talento necessários para se conquistar uma carreira sólida. Sem rodeio, mas com muita poesia, o filme mostra uma atriz iniciante que vive no sufoco para se sustentar e apela para sub-empregos, até que um dia surge uma oportunidade de filmar a sua própria história de vida. Num ritmo minimalista, Riscado vai dando seu tom sentimental, sensível e humano. Nesse enredo atraente e realístico o filme atinge diversos pontos altos. A atriz que interpreta a personagem Bianca, dá show quando passa pelas situações de perda e conquista, nos emocionando. Além da linda fotografia, Riscado tem um roteiro criativo e uma trilha muito bonita. Destaque para Karine Teles, a protagonista Bianca, numa cena com Otávio Muller.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010: Kaboom

 
KABOOM (com todo respeito) de araque!

Kaboom de Gregg Araki conta a história de um universitário que se relaciona com meninos e meninas e que, em meio a confusão de festas e rolos amorosos, começa a ter alucinações e sonhos estranhos. Imaginem personagens estranhos, caricatos e cada um mais bizarro que o outro? Desde machões musculosos bronzeados, surfistas, passando por meninas com superpoderes a adolescentes gays caricaturais. O enredo se perde desde o princípio. As primeiras cenas nos dão uma pontinha de esperança de que a narrativa se transforme e saia de um pólo absurdo e vá para algum mais sano, mas não. Parece que Gregg Araki pretendia ir além de um "teen gay" e o transforma também em um tipo de Trash-B moderninho da pior qualidade.

Um dos problemas do filme é que o enredo vai se desenvolvendo a partir dos sonhos e alucinações dos personagens que não tem consistência alguma, bem como os personagens já citados acima. Talvez Gregg Araki pretendesse rumar para águas bem mais rasas se aventurando numa comédia trash ou coisa parecida. Se for isso, ele conseguiu pelo menos tirar risadas do público que se mostrava ora inquieto ora irritado por conta da legenda que falhava, todo momento, mas que também por outro lado não fazia muita falta para compreensão geral das cenas. Sem muito a oferecer Araki será lembrado muito mais por Mistérios da Carne até que produza um outro longa à altura. Aguardo esse momento. Para mim, em Kaboom o diretor confirma a suspeita de que provavelmente é o diretor mais irregular do planeta, se levarmos em consideração o excelente Mistérios da Carne de 2004 também de sua autoria.

sábado, 25 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010: Além da Estrada


Aqueles que são tidos como filmes de estrada (ou road movies, como batizado originalmente), caracterizam-se basicamente por poucos signos que os inserem no subgênero referido, narrando histórias que possuem um núcleo móvel. Além da Estrada, como o próprio título denuncia, pretende ser um roadie latino-americano, mas se perde em sua pretensão e em convenções deste e de uma série de outros gêneros, se agarrando em uma estética visual que se pronuncia independente, mas que não consegue disfarçar seus excessos.

Dirigido por Charly Braun, Além da Estrada se divide em uma aventura romântica que abraça o tom documental explicitamente – o que garante alguns bons momentos para o filme. Santiago, protagonista que guia o filme através de incríveis locações nos arredores do Uruguai, divide suas experiências com Juliette, a quem deu carona. Ambos vagam sem pressa ou compromisso com algo, e suas expectativas semelhantes para com a vida os aproximam.

Braun, que esteve na sessão de gala do filme no Cine Odeon, defendeu a utilização de atores desconhecidos capazes de interpretarem pessoas reais, tridimensionais. Não é o que seu filme apresenta, provavelmente pelo amadorismo de sua dupla de protagonistas – Esteban Feune de Colombi e Jill Mulleady. A participação de sua irmã no filme, a atriz (aqui também produtora) Guilhermina Guinle, não faz muito para contribuir com essa imagem indie que o diretor tenta passar.

Mesmo com o belo trabalho de fotografia, Além da Estrada deixa a sensação de um filme vazio, dos que podem ser facilmente esquecidos após sua exibição. Não acrescenta muito ao gênero ou à própria cinematografia do Uruguai ou Brasil. Possui alguns momentos quase constrangedores, como uma participação da top Naomi Campbell, e deixa uma indagação sem resposta: como pode um filme falado inteiramente em inglês e espanhol abrir a Première Brasil do Festival do Rio 2010?

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010: Minhas Mães e Meu Pai


Que surpresa inenarrável assistir em pleno Festival Minhas Mães e Meu Pai, mas que se encaixa melhor no título original: The kids are all right. O simpático e bem resolvido casal formado pelas lésbicas Nic e Jules, nessa mesma ordem, Annette Benning e Julianne Moore, vivem uma relação estável, mas que é abalada quando seus filhos resolvem descobrir o homem doador do esperma que os trouxe ao mundo. O quadro se complica ainda mais quando Jules se envolve com Paul, o doador vivido pelo ator Mark Ruffalo.

Longe, muito longe de querer defender um ideal de família feliz gay, Lisa Cholodenko desenvolve com cuidado e propriedade um cenário muito comum em toda e qualquer vida conjugal, hétero ou homossexual. Isso que encanta talvez, a simplicidade com que ela constrói cada personagem como se fosse à mão. A química entre a dupla Annette B. e Julianne M é incontestável bem como entre Mark R. e Julianne M. Imaginem vocês o efeito desse trio marcado por laços fortíssimos , numa dinâmica que contempla o dia a dia dessa família com dilemas importantes, cruciais mas que são encarados por todos sem exceção como mais uma etapa a ser resolvida, encarada e bola pra frente. Os três estão espetaculares, viscerais e incorporam cada um ao seu jeito personagens que poderiam lhes render indicações ao Oscar.

Annette Bening vive uma médica, racional e perfeccionista, que encarna na relação uma posição pró ativa e mais masculina. Julianne Moore uma mulher de meia idade bem menos objetiva que sua parceira e mais feminina, ocupa na relação uma posição mais dependente e frágil. Finalmente Mark Ruffalo vive o personagem de um homem que não levou os estudos ao fim e passou a se dedicar a plantação de alimentos orgânicos, mais ligado à terra e menos urbano que os demais, ele é propietário também de um restaurante. Com essa atuação Ruffalo cativa, convence o público de todo seu potencial em alegrar e movimentar a vida dessa família. Imperdível a experiência de assistir Minhas Mães e Meu Pai no cinema!

Festival do Rio 2010: A Suprema Felicidade


Estreia é sempre estreia! Inevitavelmente vamos cheios de expectativas e com aquele friozinho na barriga típico de quem espera assistir nos Festivais, de ano em ano, o que há de mais novo e inédito. A Suprema Felicidade traduz de cara um status "Jaboriano" de conhecimento, experiência, competência e modismo em especial entre os cariocas. Sendo assim, não gostar de um trabalho desse homem que é cultuado (e eu pessoalmente admito e reconheço toda sua importância na história do cinema brasileiro) não é uma tarefa fácil. A Suprema Felicidade foi amplamente divulgado não só na mídia como nos pontos de cinema do circuito do Festival. Nas filas você só ouvia dizer que: "o filme do Jabor já está esgotado para hoje, amanhã...", "nessa sessão não há mais vagas, tente pela internet". A sala em que eu assisti estava cheia, com lugares vagos, aproximadamente uns 8. O público presente era o mais variado, desde cinéfilos de todas as idades ávidos pelo filme que fez com que, depois de 17 anos de jejum, Jabor voltasse à ativa, até senhoras e senhores passando pelos globais, artistas de forma geral.

Vamos ao filme. E a pergunta que me fiz o tempo todo durante a exibição: O que terá acontecido com Arnaldo Jabor? Qual foi sua real intenção quando criou o roteiro desse filme? Aliás, que roteiro? Pode ser feito tudo que der na telha hoje em dia em nome do cinema? Atuações teatrais na imensa tela do cinema, não havia timing, muito menos planos de sequência. Quando não se esperava mais nada de constrangedor surgia uma fala inusitada, vazia, ao leo (como grande parte do roteiro), sem propósito, fake! Eu nunca tinha visto o Dan Stulbach no cinema, fiquei surpresa e bastante decepcionada, mas me questionando e me lembrando o tempo todo que aqueles atores ali estavam antes de mais nada à serviço de um roteiro e eu volto com a mesma dúvida: que roteiro? Onde ele foi parar? Os excessos de nudez e sexualidade (sem função) em todos os aspectos acompanhados de um linguajar clichê, nesse mesmo sentido, tiraram ao meu ver o brilho dos atores, em especial das atrizes. Os diálogos hiper fracos e para completar não eram sustentados pela aparição dos personagens, ou seja: nem isso salvava.

Outra observação se deu quanto ao equívoco, grande equívoco, na contextualização dos personagens, dos diálogos, do cenário de uma forma geral. O filme se passa na década de 50, mas curiosamente as gírias, maneirismos não acompanham essa época. Fiquei com essa impressão o tempo todo. E, infelizmente, a construção desses personagens se perde num emaranhado de contextos alienados. E como se não bastasse alguns personagens se arriscam numa cantoria que por pouco não faz do filme um musical!

Finalmente, o longa traz dois momentos felizes tanto nas atuações como nas cenas e diálogos. Um deles é a cena vivida pela atriz Tammy Di Calafiori que além de linda nos parece inspirada, e contou com a sorte de interpretar um papel que casou, que pegou e emocionou: Marilyn é seu nome, como a Marilyn de Hollywood, no filme ela tem 16 anos e dança à noite por ordem da mãe que a obriga também a se despir para os clientes por dinheiro. Ela é uma stripper virgem. O outro, não menos brilhante, é o momento final em que ressurge na tela o personagem de Marco Nanini, um homem da terceira idade que, prestes a morrer, revive com muita alegria e saudosismo seu passado de boemia, encontros amorosos nos bailes da vida e na bucólica, retratada no filme, cidade maravilhosa.

Vou encerrando aqui com receio de ter sido rude nos comentários, mas certa de que expressei exatamente o que vi e senti vendo o filme que foi comparado a Amarcord do Fellini. Santo sacrilégio!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010

Anualmente, o Festival do Rio transforma a cidade maravilhosa na capital brasileira do cinema. O evento, consagrado como um dos mais importantes do calendário nacional, ocorre durante duas semanas, em que evidencia diversas cinematografias e traz ao público brasileiro muitos filmes que nem chegarão ao circuito comercial, cada vez mais abarrotado de poucos filmes que tomam um mercado já de difícil acesso. Mais de 300 filmes serão exibidos. 

Quem então não gostaria de estar lá, de passar duas semanas respirando cinema, vendo o que de mais recente se faz por aqui ou mesmo vem do exterior, sem contar nas aulas magnas, palestras e programações paralelas? Pois bem, este ano o alvo da inveja de todos é o nosso amigo, e um dos editores do The Tramps, Conrado Heoli, que passará imerso nas salas cariocas estas duas semanas. Além de buscar referências de filmes para a Sala de Cinema Ulysses Geremia, onde é um dos programadores, o Conrado vai realizar uma cobertura in loco para o blog, deixando-nos a par de tudo que acontece por lá, ao registrar sua opinião sobre os filmes. O blog contará também, e pelo segundo ano consecutivo, com a cobertura de nossa amiga Ana Carolina Grether, que fez um excelente trabalho no ano passado e que, felizmente, aceitou repetir a experiência, nos trazendo também suas impressões acerca dos filmes do Festival do Rio. Acompanhem então pelas próximas duas semanas a cobertura do The Tramps do Festival do Rio 2010.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Esperando eternamente por Godot


Dois homens esperam. Esperam Godot estes tais Vladimir e Estragon, ligados há anos por um destino ou uma trajetória, se assim o quiserem, que não acha “explicação” ou mesmo linha reta para o racionalismo. Godot, não se sabe quem é, apenas temos ciência que é o objeto da espera. Dos dois pacientes, Vladimir é o que mais divaga, o que lembra da expectativa e que tem consciência da passagem do tempo e dos rastros da memória, enquanto Estragon é marcado pela objetividade, por uma espécie de pragmatismo que o torna mais alheio ao que acontece. Os dois homens de chapéu-coco aguardam numa estrada, num cenário que tem por única referência a árvore, e seus galhos convidativos ao suicídio. É melhor acabar com a agonia ou continuar esperando Godot?

Esperando Godot, a mais célebre obra teatral de Samuel Beckett, um dos fundadores do teatro do absurdo, fortemente influenciado por Kafka, é uma peça sobre a espera, sobre os momentos em que transitamos de um estado para outro. O texto é de uma riqueza hipnotizante, e imagino que vertido ao palco deva ficar deslumbrante (claro, dependendo do elenco e direção proposta).

Há como tentar entender, racionalizar quem seria Godot, o que realmente prende Vladmir a Estragon, e vice-versa, ou o que eles esperam deste homem (?). Pode-se ainda tentar colocar em termos mais palatáveis, enquadrando em campos metafóricos, a relação entre Pozzo e Lucky (outros personagens que transitam pela mesma estrada), e as transformações que sofrem de um ato para o outro. Não me parece, porém, o mais sensato apegar-se a estas tentativas, quando a magnitude do texto e das situações, por mais absurdas que possam parecer, bastam-se por si. Claro que há espaço para a razão em meio a este texto tão enigmático, mas o que me arrebatou em Esperando Godot foi a sensação de perpassar as perguntas mais essenciais do ser humano, sem nunca necessitar formulá-las ou mesmo respondê-las. Parece que está tudo lá, envolto numa aura de mistério que jamais deveria revelar certas coisas, pelo bem dos segredos que ainda fazem da vida algo imprevisivelmente sublime.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O Blu-Ray e a suposta decadência do DVD


Corram, troquem todas suas coleções de filmes, pois uma nova tecnologia vem por aí e quem não aderir será a mulher do padre. Lá em idos tempos, quando o VHS já dava sinais de cansaço, surgiu o DVD e lembro até hoje daquelas propagandas que antecediam alguns filmes em VHS e que diziam que o DVD era incrível, que com ele podia se ouvir tudo, até mesmo um alfinete caindo no chão. Era o velho VHS ajudando em sua própria aniquilação ao propagar a ideia revolucionária do filme que cabia num disco, com qualidade melhor de som, de imagem, de tudo. Aquilo sim foi revolução pois, afinal de contas, o surgimento dos DVD’s propiciou muitas coisas, desde a possibilidade de se criar uma coleção sem gastar mais de cem reais por exemplar, até a cultura dos extras, que hoje parece indispensável para um bom lançamento. E depois, era uma troca física significativa: de uma fita magnética quadrada, pesada, que ocupava um espaço danado nas prateleiras, para um disco fininho, de embalagem mais atrativa e de mais fácil armazenamento (sem falar, é claro, na durabilidade do produto).

Mas o show tem que continuar, e o mercado não pode parar de evoluir e faturar. A vendagem e a locação de DVD’s começou a cair, e eis que dos laboratórios tecnológicos da indústria surge o formato que se apresenta como o substituto do DVD: o Blu-Ray. Alta definição, imagem muito mais límpida, possibilidades mil de melhorar a qualidade de som, e pronto, o DVD ficou obsoleto. Quer dizer, será? Vou dizer porque acho que o Blu-Ray não vai suplantar o DVD como este fez alguns anos atrás com o VHS. 

  • Mídia: Para que um formato seja popular ele, obviamente, precisa cair nas graças do povo e não me parece que para a maioria das pessoas, que pouco liga para qualidade extrema de imagem e som, fazer o investimento na troca de aparelho seja algo que se cogite, pois simplesmente para ela não há diferença física entre um DVD e um Blu-Ray, os dois são discos semelhantes.
  • Investimento: Para que haja efetivo aproveitamento da qualidade HD dos Blu-Ray, é necessária toda uma aparelhagem que dê subsídios a estes elementos de definição superior. Televisão Full HD e Home Theater são indispensáveis para a fruição completa do formato e não é todo mundo que pode investir, de cara, três ou quatro mil reais, o que acaba inviabilizando a popularização necessária para que o formato se imponha sobre o dominante vigente, no caso o DVD.
  • Lançamentos: É óbvio, que partir do momento que a indústria viu no Blu-Ray uma tábua de salvação contra a pirataria, além de uma inovação tecnológica, a máquina que move os negócios nesta área se articulou para abastecer o mercado ávido pelos discos em alta definição. O problema é que os lançamentos têm sido feitos com rapidez, é certo, mas não raro se ouvem reclamações de discos “pelados”, sem extras, ou com os mesmos, só que sem legenda, o que acaba afastando aquele consumidor que quer mais do que o filme. Também se ouvem relatos que filmes clássicos, ou seja, que não foram concebidos dentro dos parâmetros da nova tecnologia, e que passam então por uma conversão para a mais alta definição, não ficam bem dentro do novo formato.
  • Apelo: Parece-me que o Blu-Ray tem mais apelo junto aos fãs de tecnologia e não diretamente aos cinéfilos. Ok, eu sei, já que estamos falando numa “popularização”, os cinéfilos não representam um grande número, mas os fãs inveterados e endinheirados da tecnologia também não, pelo menos não quando os colocamos em perspectiva com a massa. Ver uma imagem hiper definida, um som retumbante, não figura nos objetivos na maioria das pessoas, que se contenta e muito com um “filminho” em DVD, não tendo assim grandes ambições estéticas quanto a audiência de um filme.

Enfim, o Blu-ray está aí, para quem quiser, e é uma realidade. Porém, não creio que ele decretará a morte do DVD. São formatos que co-existirão por um longo tempo, atendendo a distintas fatias de público. Não vi nenhum filme em Blu-Ray (o máximo da minha experiência foi com aquelas demonstrações em lojas de eletrônicos), mas sabem, estou bem contente com meu DVD e, principalmente, com minha coleção particular de filmes, que não anseia por um upgrade e sim por mais e mais títulos de boa qualidade, independente da mídia, que afinal é só um meio e não o fim.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

12º Caxias em Cena: 'CANCIONERO ROJO'

Existe realmente algum preconceito ou rivalidade do povo brasileiro para com os argentinos? Se tal afirmação não for apenas mito, ou uma brincadeira futebolística que se tornou menos engraçada com o passar do tempo, ela não se mostrou presente na data de ontem, no Teatro Pedro Parenti da Casa da Cultura. A comédia clown "Cancionero Rojo", inteiramente produzida pelos nossos hermanos, é teatro cômico de primeira - e tão arrebatador que já deixa saudades por sua rápida passagem pela cidade.

No palco temos dois personagens: Neto e Una. Juntos, viajam trajando simpáticos roupões e portando uma mala cada, mas não são os lugares que os interessam, já que o que move essa aventura hilária são os importantes momentos históricos visitados pela dupla. Várias passagens dramáticas da história mundial são remontadas com muita graça pelos atores, que não demonstram nenhum constrangimento ou culpa por fazer piada com o nazismo, comunismo, religião e que, como todos no mundo, buscam saber qual é o sentido da vida. Nas palavras dos próprios clowns: ¿pór qué?

"Cancionero Rojo" é uma ótima e inusitada aula de filosofia, sociologia e história - ainda que, por ser tão divertida, tais conteúdos passem de forma despercebida. Dario Levin e Lila Monti (Neto e Una, respectivamente) são cativantes e muito carismáticos - além de serem humoristas de primeira. Mesmo com uma platéia menos expressiva que de "Hamelin", tenho certeza que o público de "Cancionero Rojo" foi muito mais feliz que o do drama policial, fato expressado nas palmas ininterruptas recebidas pelos argentinos. Voltem sempre, hermanos!
Não perca hoje as peças Gaiola de Moscas, do Recife, às 20h no Teatro Pedro Parenti, e A Mulher Sem Pecado, de Caxias do Sul, às 21h15min no Teatro do SESC.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

12º Caxias em Cena: 'Hamelin'

Vladimir Brichta conseguiu lotar o Teatro Pedro Parenti na noite de ontem, quando apresentou com outros cinco atores o drama policial "Hamelin". Escrito originalmente pelo espanhol Juan Mayorga, adaptado para os palcos brasileiros por André Paes Leme - que também dirige a peça -, "Hamelin" é centrado no personagem de Brichta, juiz que tenta decifrar com poucas pistas um intrincado suposto caso de pedofilia.

"O flautista de Hamelin", conto infantil dos Irmãos Grimm, serve como metáfora em vários momentos do texto de Mayorga, que com ambiguidade coloca seu protagonista em um dilema moral e profissional que apenas aumenta enquanto ele se aprofunda no caso. O pedófilo consumou o suposto crime ou não? A criança mente ou foi realmente molestada? Tais questões dilaceram um homem que deixa de lado suas outras atribuições - inclusive as familiares - para se dedicar à solução de um crime que pode não ter sequer acontecido.

Em "Hamelin" há uma desconstrução do teatro convencional, onde cada ator interpreta mais de um personagem sem quaisquer caracterizações e com pouca distinção em suas performances. Há certo didatismo nas explicações e repetições inclusas na narrativa da peça, que delega a função de narrador à todos os atores (exceto Brichta) vez ou outra para esmiuçar determinada cena - artifício que acaba soando oportunista por servir como condução ao espectador. A utilização de um flashback em determinado momento apenas soma às falhas do espetáculo, que visa uma maior compreensão por parte do público para um texto que, contado de outra forma, poderia ser acusado de complexo ou ininteligível. Será mesmo? Por vezes até parece teatro tentando ser cinema.

Mesmo assim, "Hamelin" apresenta boas performances de seu elenco, e garanto que o público saiu satisfeito com a intensa construção de Brichta para o juiz Monteiro. Outro destaque fica com o cenário do drama, que ganha forças pelo monocromático preto e branco e pelas sóbrias roupas dos personagens - que com poucos recursos cênicos acabam por intensificar suas interpretações.


Infelizmente a plateia lotada de ontem comprova a eficácia dos globais no teatro - que na maioria das vezes pouco faz em um palco (vide Maria Maya e Sérgio Marone na péssima "Play - Sobre sexo, mentiras e videotape"). Assim é triste prever apresentações com poucos espectadores, mesmo sendo ótimas, para as próximas atrações do Caxias em Cena. Espero estar errado, já que hoje "Cancionero Rojo", com clows diretamente da Argentina, promete divertir e comover quem estiver às 21h15min no Teatro Pedro Parenti. Vejo você lá!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

12º Caxias em Cena: Rubros: Vestido - Bandeira - Batom

O público presente no Teatro Pedro Parenti na noite de ontem, domingo frio que marcava no calendário o dia 12 de setembro, foi agraciado com uma dramédia mineira tocante. "Rubros: Vestido - Bandeira - Batom", da Cia. Bárbara, foi apresentado para um teatro com poucas pessoas no primeiro final de semana do 12º Caxias em Cena, que acontece até o dia 26 de setembro na cidade de Caxias do Sul.

Conduzido com graça e controle pelas ótimas Ana Régis e Patrícia Reis, "Rubros..." aposta em seu texto para fazer rir e emocionar seus espectadores. A peça constrói uma relação de anos de amizade em pouco mais de 60 minutos, quando narra a história de Helô e Tereza - amigas que dividem tantas amarguras quando bons momentos.

Escrito por Adélia Nicolete, "Rubros..." consegue agarrar seu público através de um ritmo que nunca é excessivo, seja na comédia ou no drama, e que mesmo assim comove e alegra sem soar pretensioso. A complacência e identificação com suas personagens são muito compreensíveis, assim como o interesse que surge conforme a trajetória das duas personagens vai apresentando seus contornos.

Vencedora do prêmio USIMINAS-SINPARC em 2008 nas categorias Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Texto, "Rubros: Vestido - Bandeira - Batom" marca o início de uma interessante programação para o 12º Caxias em Cena, que hoje às 20h30min apresenta o drama policial "Hamelin", protagonizado pelo global Vladimir Brichta. Acompanhe a cobertura do festival de teatro pelo The Tramps.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O Lar da Intolerância


Confesso que não vi e nem quero ver Nosso Lar, por estes dias tão alardeado como o mais caro filme brasileiro. O orçamento, o lançamento, as expectativas de bilheteria, tudo é grandioso neste projeto que levou às telas a obra mais famosa psicografada pelo médium Chico Xavier. Já li muita coisa sobre o filme, muito crítico descendo a lenha no visual brega, nos diálogos declamados e em todo viés doutrinário da narrativa. Não tenho vontade de ver Nosso Lar por diversos motivos, entre eles os citados acima, mas nos quais não se encontra ligação entre o fato dele ser galgado em crenças religiosas e a inexistência em mim das mesmas. Não quero ver o filme por que acredito que não seja bom cinema, só isto.

O que é ridículo comprovar, mas infelizmente inevitável, é que as pessoas misturam as coisas. Tudo bem, que quem compartilha dos preceitos religiosos pregados pelo filme se sinta mais convidado ao cinema, eu entendo, é normal. O problema está em confundir as coisas, em achar que tudo relacionando a repercussão do filme (críticas, sejam elas positivas ou negativas, ou mesmo comentários mais superficiais) esteja ligado a crença, neste caso à doutrina espírita. Procure verificar em algum blog de qualquer crítico que teça linhas  desfavoráveis a respeito de Nosso Lar, e verá que nos comentários sempre há alguém a invocar o respeito pela fé como escudo para proteger o filme.

Não estou aqui levantando bandeira contra esta onda de filmes ligados ao espiritismo, que parece uma das pragas cinematográficas brasileiras do momento, mas que goste ou não, tem seu público, e contribui para a diversidade do cinema feito no Brasil. Custo a entender como alguém, com algum traço de racionalidade, possa ser portador de tal cegueira conspiratória que dissemina o “ódio” àqueles que não corroboram consigo - não na esfera religiosa, mas na esfera cinematográfica (embora eles embaralhem os dois) - do entusiasmo por Nosso Lar e sua visão "confortante" da vida após a morte. Parece que para estes, os críticos que falam mal de Nosso Lar deveriam todos arder no fogo do inferno. Alguém já ouviu falar em respeitar a opinião dos outros? O respeito, este tão em falta, não é um dos pilares de qualquer orientação espiritual?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Hemodiálise

Bom...quem já viu o primeiro, o segundo, como deixar de lado o terceiro? Estou falando do filme Eclipse da saga vampiresca Crepúsculo. O filme é chato demais! Nem mesmo a beleza do elenco que se mostrou um dos pontos fortes em sua estreia e que agora com o passar do tempo se transformou num elemento qualquer, salva. Na verdade não sei o que é mais chato: o enredo que gira em torno de um exército de vampiros "recém-nascidos" ou o conteúdo prá lá de meloso entre os protagonistas Jacob, Bella e Edward, um ménage a trois em que não rola nada, ficando no tipo “papai e mamãe”. Outro ponto é a virgindade da mocinha, que em alguns momentos até pretende se entregar aos desejos carnais, mas sem resultado efetivo. Desculpem-me os aficcionados, mas a atriz Kristen Stewart tem sempre a mesma cara em todos os momentos, sem interpretação alguma. Bah, minha....com dois bofes daquele, ainda não ter aproveitado – te decide garota...ou o cachorro ou o morcego. Em tempo: o título do filme faz juz ao enredo, eclipse total - melhor ficar no escuro. Ai que saudades de Béla Lugosi.

Raulino Prezzi, especial para o The Tramps

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Os filhos das ditaduras


Ao assistir o belo filme argentino Kamchatka, me indaguei sobre as formas com as quais o cinema latino-americano registrou, e ainda registra, os conflitos ocasionados pelas ditaduras que se proliferaram na América do Sul, principalmente nas décadas de 60 e 70. No Brasil ainda não fez um grande filme sobre a ditadura, sobre o golpe militar que vitimou tanta gente. Muita tortura, presos políticos, exilados, e nada de um filme nacional abordar dignamente o tema. Houve tentativas, confesso que não vi todas, mas, por exemplo, O Que é Isso Companheiro?, por mais que seja um filme de méritos, não dá conta da alcunha de “grande”, seja pela direção frouxa de Bruno Barreto ou outros motivos que não permitem ao filme refletir com mais consistência sobre o período tão doloroso de nossa história, não tão longínquo assim. Ainda no embalo do filme argentino, comecei a pensar, agora em âmbito latino, quais os filmes dos quais gostei, que têm como pano de fundo estes golpes militares, e cheguei a algumas conclusões que os colocam dentro de uma mesma característica: falam sobre crianças.

Tentar abarcar toda complexidade política, ideológica e social que permeia uma mudança tão radical quanto a instauração de um regime ditatorial ou totalitário, me parece um erro, já que os enredamentos de cada um destes elementos são tamanhos, que não haveria como querer abraçá-los todos sem parecer superficial. Inteligentemente, alguns cineastas reduzem seus focos para histórias pessoais, como maneira de mostrar num campo de ação diminuto, o que de fato acontecia com as pessoas de um modo geral. O foco, nestes casos de filmes mais intimistas, são as pessoas, e acredito que seja isto que os sobreponham aos exemplares que se prestam pura e simplesmente ao estudo histórico dos fatos por meio da ficção. Voltando ao tema das crianças, dos filhos da ditadura, recentemente em minha passagem pelo Festival de Cinema de Gramado, uma busca filial pelo não-esquecimento do período traumático, que vitimou seus pais, além de sua própria inocência, se mostrou sintomática, pela exibição de dois documentários que estabelecem diálogo justamente por esta necessidade de não deixar a memória esmorecer. O chileno Mi Vida Con Carlos e o brasileiro Diário de um Busca, são dirigidos por crianças da época que, de alguma maneira, ou pela perda precoce do pai, ou por uma vida de andanças acompanhando os pais no exílio, e posteriormente perdendo a figura paterna, desiludida com a política e com suas ideologias, de maneira trágica, sofreram e ainda sofrem na carne os efeitos do período nefasto.

No campo da ficção, as lentes voltadas às crianças das ditaduras resultaram em filmes interessantíssimos, justamente por evitar o tom político/armamentista como fio condutor, sem com isto tornar suas narrativas mais palatáveis ou “fofas”. O brasileiro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias me parece o mais pálido de uma boa leva recente. Mesmo com intenções louváveis, com narrativa interessante que mostra a infância dos filhos dos perseguidos políticos, que viviam sem saber os motivos das ausências intermináveis de pais exilados ou mesmo mortos, o filme se apresenta insípido, singelo demais. Machuca, filme chileno muito laureado desde sua estreia, mostra os abismos sociais entre duas crianças amigas, emolduradas pelos conflitos que marcaram a transição a fórceps do governo Salvador Allende para a traumática ditadura Augusto Pinochet. Este sim é um belíssimo filme, pois dá conta de desenvolver seus personagens de maneira íntima, colocando-os em perspectiva sobre um plano de fundo conflituoso, dando a ele enfoque paralelo que agiganta a história contada. Já Kamchatka, que formaria rico painel com os dois acima citados, fala sobre uma família que precisa largar tudo para morar num sítio afastado do centro nervoso e politicamente efervescente de Buenos Aires. Todo enfoque é direcionado aos filhos, o mais velho, que entende um pouco do que acontece e encontra alento nas histórias de Houdini, aquele que de tudo escapava, e o mais novo que parece um tanto quanto alheio a realidade, mesmo que sofra os efeitos do meio, fazendo xixi na cama todas as noites. Em Kamchatka sabemos pouco ou quase nada da política, dos conflitos ideológicos, a não ser por uma que outra notícia de alguém que foi pego e assassinado, ou pela tensão muito bem retratada através dos grandes Ricardo Darín e Cecília Roth, intérpretes dos pais da família. É um filme muito bonito, portador de um triste epílogo, que consegue materializar numa simples imagem a dor de quem cresceu naquela época, e que traz as cicatrizes de uma batalha desigual.

O período das ditaduras poderia ser explorado pelo cinema latino-americano, como bem faz o europeu e o americano em relação às grandes guerras. Claro, os orçamentos são muitas vezes entrave, mas como o período funesto da história latina é caracterizado por brigas políticas, embates sim, mas não em grandes escalas de ação, como numa guerra, soa mais do que interessante e acertado procurar saber, por meio de histórias intimistas, como estas situações afetaram as pessoas. Neste contexto, não me parece estranho que se busque o retrato infantil da época, afinal de contas, mesmo que alguns morram, sejam torturados e nunca mais voltem ao seio familiar, é nelas, nas crianças, que o conflito se configura como uma marca profundamente enraizada e indelével.