quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010: Viúvas Sempre às Quintas


Há mais de cinquenta anos, Billy Wilder derrubou barreiras no cinema ao fazer um cadáver narrar uma história. Tal corpo, presente no espetacular Crepúsculo dos Deuses, é apresentado logo na primeira sequência do filme, dentro de uma piscina. O argentino Marcelo Piñeyro faz uma explícita homenagem ao diretor com o seu Viúvas sempre às quintas, quando inicia seus créditos de abertura com a análise lenta e contemplativa de três corpos submergidos em uma piscina luxuosa – ponto de partida plasticamente incrível para o que se anuncia como um filme instigante.

Quando os corpos de três influentes moradores de um condomínio residencial são encontrados, temos de voltar no tempo para conseguir compreender o que pode ter acontecido para que tal trágico fato ocorresse. Analisando a vida dos habitantes do local logo fica claro que toda a aparente tranquilidade é apenas uma concha protetora - aqui metaforicamente representada com os muros do condomínio – para um universo de aparências, traições e corrupção.

“Por fora eu sou linda como o sol, mas por dentro eu estou apodrecida”, diz alguém em certo momento do longa, referenciando o próprio desenvolvimento do filme e de seus personagens de forma indireta. Quando Piñeyro passa a os apresentar, o faz com calma e ritmo crescente, fugindo de uma linearidade cronológica que poderia tornar o filme aborrecido. O diretor inclusive diz que resolveu essas questões na sala de montagem, quando decidiu quebrar a barreira do convencional para dar mais vida à sua produção.

Em Viúvas sempre às quintas acompanhamos a rotina aparentemente fácil de quatro casais repletos de problemas, mas sem nenhuma mancha danificando a superfície imaculada de suas vidas. Em uma cena chave, com um jantar de aniversário, Piñeyro condensa uma série de informações que guiam seu filme: há um duelo não confesso entre todos pela perfeição e harmonia, mas quando as portas de suas casas estão fechadas é que a podridão dessas pessoas, seres comuns que se mostram superiores uns aos outros, aparece.

O roteiro de Marcelo Piñeyro e Marcelo Figueiras, baseado em livro de Claudia Piñeiro, é pautado na desconstrução desse núcleo narrativo que funciona como um microcosmo de nossa sociedade. Cientes mas indiferentes aos problemas do mundo (aqui representados através de uma difícil crise financeira), seus personagens apenas passam a encarar esses infortúnios quando isso é inevitável – e ainda assim buscam a solução na cápsula protetora que é o local onde eles vivem.

Não é de hoje que a vida de aparência da classe alta é analisada com tanta crítica e parcialidade, sendo exemplos óbvios os filmes Felicidade, de Todd Solondz, Entre quatro paredes e Pecados íntimos, de Todd Field, Beleza americana e Foi apenas um sonho de Sam Mendes. Viúvas sempre às quintas pode ser reverenciado dentre os outros ótimos títulos supracitados justamente por fazer isso com originalidade e extrema competência.

Fazendo uso de uma série de recursos que reforçam sua trama, tendo no visual um importante fator que acrescenta à sua proposta, Piñeyro busca principalmente na fotografia e direção de arte uma aliança que torna o filme ainda mais deslumbrante. Os brancos e perolados impecáveis estão sempre presentes, saindo apenas para dar lugar às sombras e aos tons frios quando o clima do filme precisa disso. A direção, econômica, busca privilegiar justamente um roteiro completo e complexo, que não se propõe a dar soluções fáceis ou a buscar por elas para resolver sua trama.

Mostrando um amadurecimento elogiável desde seus bons Plata quemada e Kamchatka, Marcelo Piñeyro e seu Viúvas sempre às quintas merecem destaque por qualidades já pouco recorrentes no cinema atual. Quando um filme vai além do que poderia ser dentro de sua proposta, trazendo mais conteúdo do que apenas um belo trabalho audiovisual, merece reconhecimento – e esta verdade se encaixa perfeitamente ao filme de Piñeyro.

2 comentários:

  1. É, o cinema argentino é menos bissexto que o brasileiro na mostra de excelentes títulos. Não raro temos várias produções argentinas do topo da lista dos melhores filmes feitos no continente americano. Certamente temos algo a aprender com eles.

    Sobre o filme em questão, fiquei muito instigado a vê-lo, até por já ter conferido o talento de Piñero no citado "Kamchatka", que é outro belo exemplar do cinema feitos por nuestros hermanos.

    Abraços

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  2. Olá, Kon!
    Belíssimo texto. Aprecio muito filmes que abordam a face desnuda da sociedade, em aparência perfeita.

    Abraçosss

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