quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Luz nas Trevas, A Volta do Bandido da Luz Vermelha


De que maneira se continua um filme do porte de O Bandido da Luz Vermelha? Como ecoar no presente questões político-sociais altamente identificadas com os anos 1960, sem parecer um resmungão parado no tempo? Helena Ignez e Ícaro Martins, baseados no roteiro do já falecido Rogério Sganzerla, conseguem, a meu ver, superar esses e outros desafios em Luz nas Trevas, A Volta do Bandido da Luz Vermelha. Eles capturam a essência do antecessor, reverenciando-o em cena aberta com originalidade.

O bandido está na cadeia, mitigando sua estadia com boas refeições, visitas íntimas e o alcance de uma consciência superior. Continua aquele iconoclasta inconfundível, bradando contra o sistema penitenciário com a mesma verborragia empregada no desagravo aos políticos. Surge Tudo-ou-Nada, seu herdeiro. Paramentado tal o pai, ele parte numa jornada existencial e delinquente, na qual enreda a namorada. Tudo-ou-Nada é o personagem de Paulo Villaça retrabalhando para nossa época, paradoxalmente com os mesmos signos que fizeram de O Bandido da Luz Vermelha um dos mais importantes do cinema brasileiro. Enquanto isso, o Luz original (vivido agora por Ney Matogrosso) amadurece seu plano de fuga, profetizando novos tempos.

Luz nas Trevas, A Volta do Bandido da Luz Vermelha é homenagem desbragada, consegue retomar questionamentos sem anacronismo e atualiza o mito ao promover transição entre o velho e o novo. Entretanto, segue esquadrinhando o círculo vicioso impingido ao terceiro-mundista, este dominado por diversos poderes. O fogo expurgatório e a música que lava a alma sinalizam anárquica luminosidade no fim do túnel, em contraponto ao suicídio da retórica no filme de Rogério Sganzerla. Otimismo próprio de nossa época, em tese, mais branda. Bela realização, sem dúvida. 

sábado, 27 de outubro de 2012

Jorge Mautner – O Filho do Holocausto


O músico, compositor e escritor brasileiro Jorge Mautner (nome artístico de Henrique George Mautner) é um homem de alma livre que, paradoxalmente, como ele mesmo diz, faz psicanálise por pressão pública. Não iremos longe no estudo da música popular brasileira se omitirmos sua obra, repleta de letras bem humoradas e melodias contagiantes. A veia de escritor é menos alardeada, mas basta lembrar o prêmio Jabuti de literatura recebido por Deus da Chuva e da Morte para se ter a real dimensão do artista completo que Mautner de fato é. O filho do holocausto assim nominou-se num livro de memórias, basilar do roteiro fílmico, por ser fruto de pai judaico e mãe vienense, herdeiro do êxodo empreendido por muitos quando do nazismo. Enfim, é mais que bem-vindo algo como Jorge Mautner – O Filho do Holocausto, exatamente por lançar luz sobre este brasileiro essencial.

Dirigido por Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, o filme é todo captado em estúdio, seja na atmosfera em que Mautner lê trechos da própria biografia, depois local de encontros reveladores, ou mesmo no palco onde celebra seus principais sucessos, não abdicando das performances que o caracterizam. O início é bastante esquemático, Mautner se lê e logo após vem uma de suas canções. Apenas o fato de ouvir boa música no cinema já é alentador, mas o filme quase cai no marasmo nessa primeira e engessada parte. Felizmente logo se infiltram no tecido narrativo alguns momentos cuja diversidade ajuda a sublinhar com mais riqueza esse tipo, feito de muitos.

Figuras carimbadas de nossa arte desfilam na tela, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nelson Jacobina (falecido recentemente). Eles contam as peripécias de Mautner e reeditam parcerias. Das filmagens de O Demiurgo, dirigido por Mautner na casa do amigo Arthur de Mello Guimarães, em Londres, com participação de Gil, Caetano, José Roberto Aguilar, Péricles Cavalcanti, Leilah Assunção, entre outros, às passagens nebulosas, tudo passa pelo palco em música. Pode-se objetar o bom gosto estético dos cenários montados, e principalmente seu caráter restritivo. Aos diretores parece importante criar um universo paralelo e inadvertidamente falso para acolher um tipo tão sui generis como Mautner.

Sem dúvida o ponto alto de Jorge Mautner – O Filho do Holocausto é o encontro afetivo entre o artista e sua filha, Amora Mautner. A mulher reclama de seu nome (feminino de amor), causador de muitos infortúnios, sobretudo na época da escola, e lembra passagens constrangedoras como a nudez constante dos pais e a vestimenta inusitada com a qual a buscavam na escola, porém sem esconder o orgulho de ser filha de quem é. Jorge Mautner apenas ri, concorda e, eventualmente, complementa, sempre com o olhar terno rebatido na mesma medida por Amora. Então, mesmo estanque e formalmente desfavorável à personalidade libertária de seu biografado, Jorge Mautner – O Filho do Holocausto oferece um recorte ilustrador desse artista crente na profundidade eterna da alegria. Alguém que diz "ou o mundo se brasilifica ou vira nazista”, é ou não um tipo para lá de interessante?


Publicado originalmente no Papo de Cinema

domingo, 21 de outubro de 2012

O Som ao Redor


Experiente enquanto crítico de cinema, Kléber Mendonça Filho também é tarimbado na realização de filmes, pois construiu ao longo dos anos uma sólida carreira como curta-metragista. São dele alguns títulos como Recife Frio, no qual faz a insólita dedução de como seria a capital pernambucana caso o calor fosse subitamente trocado pelo frio mais comum aos brasileiros do Sul. Aliar sua erudição cinéfila à vontade e ao talento para produção iria, hora ou outra, desembocar na seara do longa-metragem ficcional (ele já havia dirigido o longa documental Crítico). Dessa maneira, O Som ao Redor é o debut de Kléber no formato. Vem angariando prêmios e aplausos em diversos festivais pelo mundo. Será que “perdemos” um crítico arguto e “ganhamos” um cineasta não menos interessante? 

Em O Som ao Redor, há a observação do cotidiano de uma vizinhança recifense, com todas as diferenças existentes entre seus moradores. Na verdade, o foco se estreita sobre uma rua que passa a ser monitorada por determinado serviço particular de vigilância, conseqüência da necessidade de proteger-se contra a violência urbana desenfreada das cercanias e do próprio vandalismo de alguns moradores. Mesmo calcado num choque social evidenciado pelas relações de trabalho e também por alguns (e reveladores) planos aéreos que delineiam na tela os limites entre a classe média amedrontada e a vida pobre crescente no entorno dessas propriedades duramente supervisionadas, O Som ao Redor passa ao largo do mero choque, até por que não se restringe formalmente ao contraponto social. Então não espere algo como “ricos versus pobres”, pois a observação dos desníveis dessa natureza apenas sublinha a construção. 

Estamos novamente diante das diversas histórias amalgamadas, tão caras ao cinema contemporâneo. A estrutura multiplot funciona em O Som ao Redor, pois Kléber não busca criar ou investigar rigorosamente seus personagens (mesmo que de alguma forma o faça), mas registrar à sua maneira um “estado das coisas”. É percorrendo essa corda bamba, sem perder o equilíbrio, que o filme instaura-se na deliciosa zona de risco habitada enquanto lhe convém, para logo a transpor quase com habilidade de veterano. Assim sendo, não devemos atentar em demasia aos núcleos encerrados em si, mas sim entendê-los como frações indivisíveis de um todo. O rapaz que cuida dos imóveis do avô, um anacrônico senhor do engenho enclausurado em suas propriedades, é tão importante ao filme quanto a mulher de cotidiano perturbado por um cachorro que late intermitentemente, afeita a cigarros de maconha e simples afazeres domésticos. 

Chama a atenção o desenho sonoro de O Som ao Redor, aliás, título mais que pertinente a um filme construído muito fora do quadro, justamente por meio dos sons e ruídos de um bairro orgânico mesmo que inserido num contexto puramente cinematográfico. O uso expressivo da sonoridade mostra a pulsão da vida na rua e confere um tom acima do real ao encenado. O filme, então, fica circunscrito num espaço físico determinado, mas o transcende pelos barulhos externos infiltrados nos planos. Numa cinematografia como a nossa, pelo menos me valendo de olhar retrospectivo recente, não lembro algo empenhado dessa maneira em utilizar as sonoridades, sobretudo os ruídos, com caráter tão significativo. 

O Som ao Redor é uma obra madura, impressionante tecnicamente, assim como exemplar no rigor proposto por seu diretor que, mesmo ainda tateando a identidade criadora, mescla experiências com sensibilidade. O filme é bastante pensado, mas não soa distante como muitos por aí, e isso se deve, em grande parte, à maneira como os personagens são dinamizados na trama. As referências a alguns filmes que volta e meia passeiam na tela, não apoiam o criador como se fossem muletas ou elementos de afago aos espectadores, surgindo mais como piscadelas discretas àqueles que compartilham paixão pelo cinema. O final evoca de maneira engenhosa a tradição nordestina do coronelismo e dos jagunços vingativos que tanto povoam nosso imaginário relacionado àquela região do país. Kleber Mendonça Filho quase chega a ser brilhante em O Som ao Redor, certamente um belo cartão de vistas (como se precisasse) de alguém que ajuda a construir cinema enquanto escreve e desempenha a crítica quando filma. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

sábado, 20 de outubro de 2012

CineAnglo #02 - 18/10/2012


Ambientada pelos acordes da trilha memorável que John Williams compôs para um dos filmes mais importantes de Steven Spielberg, aconteceu na última quinta-feira, dia 18, a segunda edição do CineAnglo, projeto de cinema sediado na Faculdade Anglo-Americano/IDEAU de Caxias do Sul. Tubarão foi conferido por uma atenta plateia que testemunhou a permanência da capacidade de entretenimento e impacto dessa obra que mostra os constantes ataques de um tubarão-branco descomunal na pacata Amity.

Na conversa conduzida por Ale Martins, Marcelo Müller e Rafael Müller, foram discutidas curiosidades de produção, os respingos do longa na indústria do cinema e no imaginário popular acerca do animal, a engenhosa construção narrativa de Spielberg e os motivos pelos quais um filme como Tubarão seria amenizado em sua violência (visual e psicológica) caso produzido nos dias de hoje.

Apoiado pela ACCIRS (Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul), o CineAnglo retorna em novembro. Filme, data e convidado ainda serão definidos.

Acompanhe as novidades em www.facebook.com/CineAnglo
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Faculdade Anglo-Americano/IDEAU
Rua Feijó Junior, 1049 - São Pelegrino - Caxias do Sul – RS
Fone: (54) 3536.4404

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Adeus (e obrigado), Sylvia Kristel


Lembro bem de meu período adolescente, dos hormônios fervilhantes que resultavam, entre outras situações constrangedoras, em ereções involuntárias, comuns a todo garoto imberbe.  Meninas deixaram de ser “grupo rival”, passando a “objetos de desejo”. Sessões da tarde, poucos compromissos, amores “incontroláveis” (ou seja, nuvens passageiras), amigos de escola, televisão, e tudo aquilo que arrefece quando chega a vida adulta.

Também como a maioria dos guris da minha idade, eu era vidrado no Cine Band Privê, sessão dedicada ao chamado soft pornô nas madrugadas da Rede Bandeirantes. Um peito revelado parecia o máximo da transgressão. Na era pré-internet (popularizada) era assim: burilar nossa imaginação sexual ainda soava como ato deliciosamente infrator. Hoje está tudo no google.

Na época, dava um jeito de meu irmão mais novo, o Rafa, adormecer cedo (geralmente aconselhando-o descansar para a plena recuperação de suas forças infantis), me posicionava confortavelmente na cama e esperava iniciar o Privê. As práticas onanistas nem precisariam ser mencionadas, pois implícitas.

Meus filmes prediletos naquelas antemanhãs da Band eram os da longeva série Emanuelle. E a mais icônica das Emanuelles, Sylvia Kristel, morreu na noite de ontem, aos 60 anos, vítima de um câncer na garganta. Então, a rememoração afetiva transcorrida até aqui, é uma homenagem a essa mulher que me ajudou a descortinar a beleza do olhar, do corpo, enfim, da sensualidade feminina. Obrigado, Sra Kristel.

domingo, 14 de outubro de 2012

Um Tira Acima da Lei


Um Tira Acima da Lei é daqueles bons filmes que chegam ao Brasil diretamente em DVD, ou seja, na tese mercantil, abaixo de inúmeras porcarias que “contaminam” nosso circuito exibidor. Fruto da recente (e boa) safra de diretores americanos menos preocupados em gestar apenas sucessos de público, Oren Moverman, cuja credencial mais expressiva enquanto realizador era, até então, O Mensageiro (confesso, ainda não vi, mas li maravilhas a respeito) dá claros sinais de talento nesse longa-metragem que foge do amplamente comercializável por ser violento, seco e complexo à sua medida.

Nele, o tira do título (quem no Brasil chama policiais de “tiras”?) é um sociopata que dimensiona bem a truculência da lei no condado de Rampart. Veterano do Vietnã, David Brow, ou simplesmente “Estuprador” – como seus colegas o chamam, possui uma ficha repleta de inconstâncias e acusações, legítimas defesas não tão autênticas assim. No plano pessoal, tem filhas de casamentos falidos com duas irmãs, uma após a outra, como bem frisa frente à dúvida da herdeira mais nova sobre o imbróglio familiar. Acusado de racismo depois de espancar um cidadão negro, se mostra bastante articulado e meticuloso para alguém supostamente desorientado por lembranças da guerra.

Moverman não parece lá muito disposto a investir em psicologismos e tentativas de justificar as atitudes do protagonista pela via do trauma. David se assemelha mais ao tipo “alistado pela vontade de matar com licença no front” do que próximo ao “regresso sequelado”. Através da abordagem, calcada no roteiro escrito em conjunto com o grande literato James Ellroy, o cineasta reforça esse caráter irascível de David, valendo-se do acúmulo de situações para fazer emergir alguém só não totalmente abominável, pois construído de camadas reveladoras.

É um crime (desculpem o trocadilho) Woody Harrelson, em desempenho irrepreensível, não ter colhido maior reconhecimento na temporada de prêmios por seu trabalho em Um Tira Acima da Lei. O onipresente David parece sempre no fio da navalha, entre o céu não almejado e o inferno ao qual se resigna, e Harrelson é o maior responsável por essa sensação limite que guia a trama. A narrativa volta e meia ameaça descarrilar, ser tragada pelo turbilhão da figura central e perder-se em questionáveis enquadramentos e outras opções fotográficas. Felizmente há tato suficiente para manter o filme na esteira das produções americanas que não trilham o rastro de mediocridade deixado por alguns de seus conterrâneos. Melhor assistir algo como Um Tira Acima da Lei em casa do que ir ao cinema ultimamente.


Publicado originalmente no Papo de Cinema 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Panorama do Cinema Mundial: "Pietà"


Com a crescente tendência de que filmes tenham os títulos alterados por suas distribuidoras quando lançados no mercado nacional, minha sugestão para a Califórnia Filmes é que Pietà, 18º filme de Kim Ki-Duk, seja rebatizado como Piegas. Não soa muito distante do original e seria mais honesto com seus espectadores. 

Cineasta que coleciona prêmios, Ki-Duk tem entre suas obras mais incensadas filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, O Arco e A Ilha. Após um pequeno hiato afastado dos grandes festivais, ganhou os holofotes novamente – sabe-se lá porque – com uma obra manipuladora, tendenciosa e repleta de seus maneirismos cinematográficos. Interessado em discorrer sobre as consequências do capitalismo extremo, segundo suas próprias palavras, Pietà fica longe disso e demonstra apenas a destreza do diretor em retratar dramas existenciais com extrema superficialidade.

Pietà se inicia com uma sucessão de pequenas sequências que apresentam o “implacável” Gang-Do, que trabalha cobrando devedores de um agiota e os amputando, quando os mesmos não possuem recursos para pagar suas dívidas. Cada pequena história é introduzida com uma apresentação prévia do devedor para que o espectador crie uma empatia com o mesmo – o que serve para que a tortura posterior infligida pelo protagonista seja mais revoltante. Quando uma misteriosa mulher bate em sua porta, no entanto, toda sua rotina se desestabiliza e a violência deixa de servir como escapismo para sua realidade.

Kim Ki-Duk abandona seus recorrentes questionamentos filosóficos e referências orientais para apostar em sensações rasas e desinteressantes. Pouco inspirado na direção, as maiores surpresas, no entanto, ocorrem a partir de seu roteiro, que enfatiza frases risíveis como “Eu não me importaria de morrer por suas mãos” e “Não culpe ele, ele cresceu sem amor”. As resoluções morais do filme, de que vivemos em um mundo impiedoso, vingativo e que não deixa espaço para redenção, são óbvias e colaboram para que o drama central de Pietà se torne tedioso e repleto de inconsistências. Como se não bastasse, o protagonista perde toda sua força quando tem sua personalidade transformada de forma brusca e nada crível a partir da chegada da supracitada mulher.

A partir do segundo ato, Pietà é desenvolvido ao redor de um mistério de resolução que pode ser antecipada facilmente. Ki-Duk insere alguns indicativos que podem levar seu espectador a prever a solução de sua história – o que, uma vez ocorrido, faz com que o filme perca ainda mais sua força narrativa. Sem a surpresa - talvez um dos trunfos reservados por Kim Ki-Duk para sua obra - o grande vencedor do Festival de Veneza deste ano surpreende apenas pelo sentimentalismo excessivo e banalidade com que o cineasta retrata seus temas.

sábado, 6 de outubro de 2012

Esquecíveis: "Colegas" e "Terra Esquecida"


Marcelo Galvão tem entre seus longas os divisores de opiniões Quarta B, Rinha e Bellini e o Demônio, então nada mais curioso que seu projeto seguinte resultasse em Colegas, uma comédia sensível protagonizada por três jovens com Síndrome de Down. Stalone, Aninha e Márcio são os garotos que fogem de um instituto inspirados pelo filme Thelma & Louise e partem para uma jornada que transforma suas vidas e o próprio road movie em algo muito distante do Na Estrada de Walter Salles. 

Sensação no Festival de Gramado, onde recebeu o prêmio de Melhor Filme, Colegas quase funciona como um ótimo entretenimento juvenil, não fossem os constantes desvirtuamentos de valores, ou como um bem sucedido feel-good movie – título que escapa da obra de Galvão pelos apelos óbvios, inconsistências do roteiro e convencionalismos do gênero. Ainda assim, pelo carisma do trio de atores principais e boas referências ao cinema, uma sessão despretensiosa de Colegas é mais que indicada. 




Em 1986, um acidente nuclear na usina de Chernobyl transformou a bela paisagem local em uma sofrida região-fantasma. Terra Esquecida acompanha o drama de Anya, Valery e Nikolai, que tiveram suas vidas drasticamente alteradas pela catástrofe e que, independente do ocorrido, não conseguem se distanciar de seu passado na cidade abandonada. 

Primeiro longa-metragem ficcional de Michale Boganim, mais conhecido pelo documentário Odessa... Odessa!, Terra Esquecida apresenta uma tríade de histórias paralelas bastante tristes com as cores opacas do local que retrata. Com a bela Olga Kurylenko como protagonista, o filme peca por não aprofundar adequadamente nenhum de seus núcleos, tornando as supostamente complexas experiências de seus personagens desinteressantes e pouco envolventes. Destaque para a pálida fotografia de Yorgos Arvantis e Antoine Heberlé, que conseguem extrair imagens impressionantes fazendo uso de uma cartela de cores tão limitada.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Première Latina: A Sorte em Suas Mãos


Daniel Burman e A Sorte em Suas Mãos. Sempre grata surpresa assistir a um filme desse diretor que tanto amo. Mas admito, desta vez a visceralidade passou mais longe do que de costume. Visto seu estilo anteriormente em Ninho Vazio, Dois Irmãos entre outros, esperava mais emoção nas cenas sensíveis e sutis, bem a cara do cineasta argentino. 

O enredo é muito bem bolado e se utiliza de humor inteligente, ora ácido, ora bem engraçado. A começar pelo protagonista, figura única e com talento indescritível. Jorge Drexler, ator uruguaio escalado por Burman, dá show como Uriel, pai de dois filhos, divorciado, jogador de pôquer, conquistador e galanteador barato que foge dos sentimentos. Ao arriscar a sorte nos jogos de azar, Uriel reencontra Gloria (antiga namorada) e, a partir daí, precisa lançar mãos dos recursos que conhece para decidir o que fazer. Sorte e azar no amor e no jogo são as apostas de Daniel Burman nessa história muito simpática e pitoresca. 

Infelizmente, a cópia do filme não estava das melhores, bem como a projeção, incluindo falha no som e legenda, culpa do cinema e/ou equipe do FestRio 2012, não sei. Lamentável, pelo simples fato de que se esquecemos um simples crachá, mesmo estando com o ingresso na mão, não entramos, somos barrados literalmente. Já o cinema pode deixar os espectadores aguardando indefinidamente “a pessoa responsável pela legenda da película”, tendo como argumento que estavam sendo muito sinceros, mas não sabiam quando a moça retornaria. Nessa enrolação, decidimos assistir ao filme mesmo sem legenda, e até esse momento já tinham se passado uns bons 15 minutos. Durante a exibição a legenda voltou. A sorte do cinema é que a sessão estava vazia, senão eles teriam bem mais problemas.

Mostra Expectativa: Noor


Noor foi um filme curtinho da Mostra Expectativa do FestRio deste ano, com apenas 78 minutos. Impactante pela temática, mas nem tanto por seu desenrolar um pouco arrastado, acaba menos interessante do que parecia ser. 

Noor é uma mulher que nunca se entendeu como tal, ela deseja ser homem e não se sente parte da comunidade transgênero Paquistanesa. Em certa altura ela começa a trabalhar como homem e decide encontrar uma menina que a aceite como ela é/está.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Destaques: "Cor da Pele: Mel" e "Tudo o Que Você Tem"


Uma das tarefas mais difíceis em um festival de cinema com mais de 400 filmes em sua programação consiste em acertar nas escolhas de obras do qual pouco ou nada se conhece. Cor da Pele: Mel foi um dos meus mais gratificantes acertos até o momento e já se destaca entre os melhores filmes que vi este ano.  

Baseado nas memórias do ilustrador Jung, que dirige o filme ao lado de Laurent Boileau, este suave misto de animação e documentário resgata as passagens mais marcantes da vida do artista cinebiografado, ilustradas com cores e traços deslumbrantes. Emocional e complexo nos temas que aborda, como a adoção e a sensação de não pertencimento ao lugar no qual se vive, Cor da Pele: Mel é um recorte verídico bem sucedido em todas as suas intenções – funcionando como drama, documentário, animação, cinebiografia e um excepcional filme.


O cinema canadense contemporâneo, em especial o realizado na província de Quebec, ganha cada vez mais abrangência com uma série de competentes realizadores que se destacam em festivais pelo mundo. Seja pelas mãos de Denis Villeneuve, Xavier Dolan ou pelo já consagrado Denys Arcand, deve-se atentar cada vez mais para a cinematografia exportada por este país. Depois de assistir a Tudo o Que Você Tem, somo aos cineastas supracitados o nome de Bernard Émond.

Destaque no Festival de Toronto, Tudo o Que Você Tem apresenta o solitário e deprimido Pierre Leduc, professor de literatura que abandona as salas de aula para se dedicar à tradução da obra de Edward Stachura – autor que pontua toda a narrativa do filme com seus poemas existencialistas. Em suas investidas para se afastar de todos, um encontro com o passado faz com que as prioridades de Pierre sejam repensadas. Melancólico e muito maduro, o filme analisa a alienação do mundo contemporâneo com uma delicada abordagem, onde se destaca, além do piano que conduz o sôfrego período da vida de Pierre, a atuação magistral e contida de Patrick Drolet.

Uma joia cinematográfica pouco conhecida e que dificilmente ganhará distribuição no Brasil – o filme sequer está cadastrado no IMDB – Tudo o Que Você Tem permanece com o espectador muito além de seus 90 minutos. Um filme que imprime sensações cada vez mais difíceis de serem obtidas a partir do cinema moderno.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Première Latina: La Playa D.C.


La Playa D.C., de Juan Andrés Arango, filme da Première Latina, apresentado na Mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2012, veio com tudo e entusiasmou os poucos espectadores que se prestaram a comprar ingressos para esse longa colombiano cheio de vigor e vitalidade. E muito embora trate de um tema depreciativo, triste e realista (infelizmente), o diretor foca na força que ainda resta naqueles que sofrem preconceito racial. 

Muito bonito e bem intencionado La Playa D.C. apresenta a história de Tomas, um menino negro, colombiano, que precisa lidar com sua própria exclusão e de seu irmão, um adicto que desaparece e deixa Tomas em desespero para encontrá-lo. O filme mostra essa busca incessante do rapaz comprometido com o destino de sua família e com seu próprio rumo, frente às perdas, os ganhos e o preço que se paga apenas por viver com dignidade. 

Um panorama cultural e social da Colômbia nos tempos de hoje com uma bela fotografia e ótimas atuações. Super valeu a pena ter escolhido o pouco aplaudido La Playa D.C.!!

Première Brasil: Meu Pé de Laranja Lima e O Primeiro Dia de um Ano Qualquer

MEU PÉ DE LARANJA LIMA


Baseado no clássico romance juvenil de mesmo título, esta nova adaptação da obra de José Mauro de Vasconcellos apresenta de forma visualmente pouco inventiva a história de Zezé, garoto de família pobre e numerosa que se refugia à sombra de sua árvore para se esquecer dos abusos que sofre do pai, enquanto se perde em seu universo lúdico. 

Dirigido por Marcos Bernstein (um dos responsáveis pelo roteiro de Central do Brasil e diretor de O Outro Lado da Rua), Meu Pé de Laranja Lima se apoia no texto emocional de Vasconcellos, já adaptado ao cinema por Aurélio Teixeira em 1970, porém não o desenvolve de maneira satisfatória para o cinema – entregando um filme monocórdico e até mesmo cansativo. Destaque para a estreia do pequeno João Guilherme Ávila, que encanta como Zezé, e pela performance de José de Abreu como o carismático Portuga. 


O PRIMEIRO DIA DE UM ANO QUALQUER


Ainda apontado por muitos como o Woody Allen brasileiro, Domingos de Oliveira possui pelo menos duas características do cineasta nova-iorquino: filma com uma frequência impressionante e nem sempre entrega obras de muita relevância. Em O Primeiro Dia de um Ano Qualquer, mais uma vez Domingos se cerca de amigos para contar tramas e traumas contemporâneos com o tom cômico e sarcástico que lhe é característico. 

Protagonizado por Maitê Proença, que emprestou sua charmosa casa de campo para servir de locação ao filme, O Primeiro Dia de um Ano Qualquer apresenta um discurso machista e burguês como há muito não se via no cinema nacional. Ainda que certamente faça uma crítica aos mesmos temas, Domingos de Oliveira não se mostra muito preocupado em desenvolver as questões e as entrega em pequenos núcleos que beiram a banalidade. Com uma fotografia errática, o filme não se posiciona muito bem entre o muitas vezes brilhante texto do cineasta e uma novela das seis da Rede Globo.