sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Melhores, Piores, e considerações sobre o cinema em 2010


Mais um ano está acabando, neste fluxo inexorável e implacável do tempo. Não sejamos por demais filosóficos neste momento, nem piegas com aquelas mensagens do tipo “da boca para fora” que entopem nossas caixas de entradas do correio virtual. Falemos de cinema, pois, como sempre fazemos, estamos aqui para apresentar nossa lista de melhores e piores de 2010. Na verdade, este ano cada um seguiu uma linha, como poderão ver abaixo, balizados somente pelo critério de selecionar filmes lançados no ano que acaba depois das 23h59min e 59s. Alguns critérios como lançamento setorizado e relançamento permitem a entrada de alguns filmes, como podem constatar. O Conrado elegeu melhores e piores, eu (Marcelo, para os que não conhecem) resolvi eleger os apenas melhores, seguidos de um breve comentário e o Rafa resolveu não participar desta vez, até porque 2010 foi um ano de poucos filmes para o menino (atolado em estudo e outros compromissos, diga-se). Então vamos lá, esperamos que em 2011 consigamos manter o bom ritmo de postagens, sempre contando com os que nos leem.


CONRADO

Melhores 2010

3. Os Famosos e os Duendes da Morte
4. O Profeta
5. Hanami – Cerejeiras em Flor
6. Procurando Elly
7. O Segredo dos Seus Olhos
8. Mother – A Busca Pela Verdade
10. Guerra ao Terror

Piores 2010

1. A Caixa
2. Os Coletores
3. Os Normais 2 – A Noite Mais Maluca de Todas
4. Percy Jackson e o Ladrão de Raios
5. À Moda da Casa
6. Grace
7. Patrick 1.5
8. Ondine
9. Encontro Explosivo
10. Enterrado Vivo

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MARCELO

Melhores 2010

1. Ervas Daninhas - Alain Resnais e seu conto, sobre o amor torto entre duas pessoas, e o seu próprio pelo cinema.
2. Toy Story 3 - A Pixar não dá ponto sem nó, e a terceira parte desta impecável trilogia mostra, com muito humor e aventura, a dolorosa e imprescindível experiência dos ritos de passagem.
3. Vincere - Em tom operístico, Marco Bellocchio cruza história pública e pessoal para fazer um dos filmes mais impressionantes que a Itália gestou nos últimos tempos.
4. Ilha do Medo - Um filme instigante, o melhor exemplar recente do cinema scorsesiano. Só a abertura primorosa já valeria o ingresso e o deslocamento ao cinema.
5. A Fita Branca - Brilhantemente duro, seco e incisivo, aliás, como quase tudo dirigido por Michael Hakene.
6. O Escritor Fantasma - Polanski volta à velha forma com um filme claustrofóbico, que joga com as aparências e que ecoa sua recente experiência pessoal.
7. Tudo Pode Dar Certo - Woddy Allen, aqui interpretado magistralmente por Larry David, continua impagável. Este é seu filme mais engraçado desde Desconstruindo Harry.
8. Tropa de Elite 2 - Recordista de bilheteria do cinema nacional, a continuação do sucesso de José Padilha é filme político e thriller de ação, ainda com reverberação na sociedade, que se mobilizou para discutí-lo. Precisa falar mais?
9. A Rede Social - O novo filme de David Fincher fala sobre internet, alienação, solidão em tempos de redes sociais, tudo isto filtrado pela história de um Charles Foster Kane contemporâneo, utilizando um roteiro brilhante de Aaron Sorkin.
10. Os Famosos e os Duendes da Morte - Os anseios juvenis, as expectativas e projeções de um adolescente no meio de uma pequena comunidade, são as forças motrizes deste belíssimo filme que marca a estreia da promissora carreira em longas de Esmir Filho.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Os Trapalhões e a Nostalgia


Foi um impulso nostálgico que me fez comprar ontem o DVD de O Casamento dos Trapalhões, e prontamente não resistir à revisita. Como toda criança nascida e criada nos anos 80, cresci vendo as estripulias de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, entre a tela da Globo e a sala de cinema. No meu caso, bem mais na tela da Globo, na qual via o programa que tinham e seus filmes, exibidos com frequência nos áureos tempos da sessão da tarde.

No cinema propriamente dito, fui apenas uma vez assistir a um filme dos Trapalhões, e justamente esta se tornou inesquecível, pois foi a primeira vez que fui ao cinema, no finado Cine Central, na época uma já decadente sala bem no calçadão central de Caxias do Sul, num prédio que posteriormente abrigou um bingo, e que hoje sedia sei lá o que, não lembro no momento. O filme em questão era justamente O Casamento dos Trapalhões, e o ano que corria era o de 1988. Lembro até hoje da excitação de ir ao cinema pela primeira vez, então com seis anos, de mãos dadas com meu pai. A sala já denotava a deterioração que mais tarde viria a decretar seu melancólico fechamento, mas não importava, pelo menos não àquela criança que vibrou ao entrar e ficou ansioso enquanto o filme não começava. Como todas as “primeira vez”, foi uma experiência marcante, o que de repente explique o motivo de eu gostar tanto de O Casamento dos Trapalhões, um filme até meio ingênuo, nem o melhor da profílica carreira do quarteto, mas um exemplar que me fala direto ao espaço dedicado às emoções.

A história dos quatro irmãos (sim, mesmo Mussum sendo negro, não há nada de estranho na irmandade de sangue entre eles, filhos da mesma mãe e do mesmo pai, primeira piada) que moram numa fazenda bagunçada que só ela, é contada sem muitas invenções, bem ao gosto do cinema popular, comercial. Existe um contraste forte entre a cidade grande e o campo. As filmagens do campo foram feitas em locação natural, geralmente rendendo imagens bem iluminadas, exaltando a natureza, enquanto a cidade é sempre vista como um ambiente escuro, somente iluminado pelos néons e luzes artificiais. Temos aí um contraste, o único ponto que nos fornece algo para uma interpretação mais aprofundada.

Eu disse, O Casamento dos Trapalhões é um filme dos Trapalhões, assumidamente comercial (chega a exagerar em alguns merchans) e escapista, deliciosamente escapista, como a maioria de seus filmes. E então, como explicar meus olhos marejados quando a história foi se aproximando de seu clímax? Como envolver-se tanto com algo tão rasteiro e de feitura tão simples? Felizmente não somos máquinas programadas para pensar, racionalizar, peneirar até que os sentimentos sumam e fique apenas o substrato intelectual de todas as coisas. Quem sabe o envolvimento e a alegria de ver O Casamento dos Trapalhões novamente e rir das piadas, seja reflexo não só da admiração que sempre tive pela trupe, mas, e principalmente, por conta daquela primeira experiência no cinema, numa espécie de inconsciente gratidão pela porta que o filme abriu para aquela criança de seis anos, e pela qual o hoje adulto filtra algumas experiências e vislumbra sua paixão. Como diria o finado Renato Russo: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração, e quem irá dizer que não existe razão.”

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A temporada de séries da TV estadunidense

Nas duas últimas semanas foram ao ar os derradeiros episódios das temporadas dos seriados que acompanho da TV americana. Falando em séries de TV, esta nova indústria estadunidense parece que tende a crescer mais em mais, abrigando projetos um pouco mais ousados, encontrando seu público, um público que está se afastando do cinema, cada vez mais lotado de adolescentes barulhentos e filmes de temática e abordagem uniforme. Ser apocalíptico em relação ao cinema, principalmente o americano, guarda certa dose de exagero, é certo, mas desde o levante dos filmes evento, geração após geração vem sendo educada para consumir o que de mais rasteiro a sétima arte pode oferecer. Até mesmo bons entretenimentos (por que nem só de filmes profundamente relevantes vive o homem), estão rareando, frente a cortes rápidos, efeitos especiais e projetos sob encomenda. É claro que a TV americana não vive só de coisa boa e quem pinta este painel maniqueísta “TV é bom e cinema é uma porcaria” não lê as constantes notícias de cancelamentos e insucessos de projetos televisivos.

Não há, porém, como negar a qualidade dos produtos da telinha americana, ainda mais quando temos gente de grosso calibre envolvida, como Martin Scorsese, Frank Darabont, Michael Mann e Neil Jordan, só para citar os mais recentes oriundos do cinema a se aventurarem nos seriados. Sem dúvida este envolvimento de gente de renome é sintomático, e aponta para uma tendência crescente de bons projetos para a TV, onde mentes criativas têm mais tempo para desenvolver tramas e personagens, e onde, verdade seja dita, o inverso também é verdadeiro, ou seja, mentes medíocres têm mais tempo para fazer mais porcaria. Como em qualquer coisa, seja no consumo de cinema, TV e literatura, basta selecionar. Bem, vamos às considerações.


Dexter (Quinta Temporada): Como dar sequência a Dexter, quando a quarta temporada, além de apresentar um antagonista fascinante, encerrou-se de maneira tão inusitada e impactante? Parece que a equipe criativa da série (minha favorita) se ressentiu um pouco desta responsabilidade, e entregou uma quinta temporada que se não foi decepcionante, ficou bem aquém das possibilidades da trajetória de Dexter. Não faltaram boas tramas e a evolução psicológica do personagem central que, nesta temporada, se viu na condição de pai solteiro, e às voltas com um relacionamento afetivo dos mais profundos que já teve. Bons motivos não faltavam para uma temporada apoteótica, que, infelizmente, não veio. Tramas paralelas que dominaram os primeiros episódios, como o relacionamento conturbado de Angel e Laguerta, não foram muito bem exploradas, bem como o mistério da “Santa Muerte”, que pouco serviu para o todo. Isto, esta falta de profundidade de certos desenvolvimentos, diluiu um pouco meu interesse neste quinto ano, interesse este que só voltou a partir da entrada para valer do antagonista da vez: Jordan Chase. Felizmente o embate entre Dexter e o ardiloso líder dos estupradores e assassinos de mulheres, rendeu bons episódios, sacadas interessantes. Mesmo assim, no final, ficou uma sensação de que os responsáveis pela série precisam ligar o alerta vermelho.


The Walking Dead (Primeira Temporada): Baseada nos quadrinhos homônimos, a série produzida por Frank Darabont foi uma das mais esperadas do ano, pelo simples fato de tratar de zumbis, assunto inusitado quando pensamos em uma história serializada. O primeiro episódio, dirigido pelo próprio Darabont, foi empolgante, mostrando a infestação zumbi que tomou conta do mundo, transformando-o em local cheio de carne putrefata, moscas e serem errantes. A arte, o cuidado com as minúcias, a maquiagem zumbi e os animatrônicos hiper realistas, encheu os olhos de quem acompanhou o piloto. Darabont sabe o que faz. O segundo episódio não deixou a peteca cair. Porém, dentro de seus seis episódios, esta promessa de grandiosidade não se cumpriu por completo, em parte por que faltou um estofo dramático mais elaborado aos personagens. É normal que numa série, alguns episódios sejam “enrolativos”, mas quando isto acontece em pelo menos dois episódios de uma série com seis, ou seja, quando mais de 30% da temporada forma um painel um tanto quanto insosso, é de se pensar. Mesmo com estes poréns, The Walking Dead já garantiu sua segunda temporada, que acompanharei como atento espectador. Gostei, com ressalvas, mas gostei, em certos momentos com bastante entusiasmo. Não poderia Frank Darabont escrever e dirigir todos os episódios?


Boardwalk Empire (Primeira Temporada): A melhor série das três que acompanhei este ano, sem dúvida foi Boardwalk Empire, e sua figura central, Nucky Thompson, é o personagem mais interessante  do meio, desde o surgimento de Dexter Morgan. Nucky é o tesoureiro de Atlantic City, governa a cidade e suas cercanias, acima de tudo e de todos, como um autêntico gângster legitimado, controlando políticos, asseclas e pessoas próximas. A reconstituição de época é só um dos muitos acertos desta série, que conta ainda com um elenco homogeneamente inspirado. Steve Buscemi faz o papel de sua vida como Nucky Thompson, e seu trabalho merece todos os elogios que vem recebendo (espero que estes se transformem em prêmios). Mas não só de Buscemi vive Boardwalk Empire. Figuram com muito destaque, atores igualmente de primeiro escalão, tais como: Michael Shannon, Michael Pitt, Kelly Macdonald e Michael Stuhlbarg. Acerca do desenvolvimento, após um primeiro episódio vistoso (dirigido por Martin Scorsese) a série derrapou um pouquinho, pelo excesso de informação que, vez ou outra, confundiu o espectador. Mas, a partir do quinto episódio, ela desenhou uma rápida curva ascendente, com tramas bem escritas e dirigidas. Ao final de sua primeira e empolgante temporada, Boardwalk Empire, pelo menos sob a ótica deste que vos escreve, se apresentou como a melhor série de 2010, justamente pela inteligência com a qual misturou os jogos políticos e marginais de priscas eras (alarmantemente atuais) com o desenvolvimento gradual de relações e personagens instigantes. Aguardo muito ansioso a já garantida segunda temporada.

sábado, 11 de dezembro de 2010

A bem-vinda incorreção de Kick-Ass


Os filmes de super-herói tomaram de assalto a indústria americana de cinema nos últimos anos. Descoberto o filão e a máquina de fazer dinheiro, toda a engrenagem que movimenta financeiramente Hollywood se ajustou para seguir a direção do gosto popular, e até editoras de quadrinhos viraram estúdios, para poderem ganhar mais dinheiro com a galinha dos ovos de ouro que tinham em mãos. Alguns dos filmes desta tipologia são muito bons, a maioria nem tanto, mas como isto não é exclusividade dos heróis, e sim uma tendência triste de falta de criatividade, não iremos utilizar este argumento para minimizar os filmes do novo gênero.

Quando surgiu, Kick-Ass - Quebrando Tudo, baseado numa HQ que virou cult onde foi publicada, foi apontado por uma parte da crítica como sendo algo de reveladora importância, como se a história, cheia de sangue e incorreção, do menino que quer virar herói mesmo que não possua poder algum, fosse um tipo de evolução, ou mesmo a prova de que tendência violenta/sombria (lembram-se do alarido em torno de Batman - O Cavaleiro das Trevas?) estaria agradando ao público mais do que os valorosos e limpinhos antigos faróis da boa conduta. A crítica, principalmente a americana, gosta de pregar umas peças, de alçar alguns cineastas ou filmes a panteões que de direito não lhes pertencem. No caso de Kick-Ass - Quebrando Tudo, a crítica exagerou, concordo, não há nada que justifique demais este alvoroço, mas que é um filme divertidíssimo, ah isto é.

Dave quer ser herói, mas não perdemos muito tempo com explicações filosóficas para a gênese desta vontade. Ele quer e pronto. Compra uma roupa na internet e sai querendo fazer a coisa certa. É claro, se arrebenta, e logo percebe que não depende só de querer, mas de poder. Em seu caminho, ele encontra pessoas que, tampouco dotadas de poderes, lutam contra o crime, só que por vingança. Entram em cena então, Big Daddy e Hit Girl, a dupla que representa um ponto que me agrada muito em Kick-Ass - Quebrando Tudo: a falta de correção. Ok, dirão os detratores, é tudo da HQ, não é original, mas pensem em mostrar na tela uma menina de 11 anos decapitado pessoas, arrancando membros, assassinando a sangue frio, e agora vislumbrem o embate destas imagens com aquelas associações carolas que vivem buscando o pomo da discórdia, e castram as criações pelo bem da “moral e dos bons costumes”. Se o filme não fosse feito com financiamento independente, e se as exibições prévias e marketing preliminar não tivessem despertado no público a vontade de vê-lo no circuito, provavelmente Kick-Ass - Quebrando Tudo nunca teria saído das páginas da história originalmente concebida por Mark Millar e John Romita Jr.

Kick-Ass - Quebrando Tudo é sangue, personagens arquetípicos, citações pop, trilha sonora inspirada (em alguns momentos, especialmente inspirada), e uma direção muito segura de Mattew Vaughn. Impagável a interpretação de Nicolas Cage (fã inveterado de quadrinhos) como Big Daddy, fazendo referência a Adam West, o ator que envergou a capa de Batman no seriado televisivo sessentista. Aliás, o elenco está ótimo, e me cobrem no futuro se Aaron Johnson não será o novo queridinho de Hollywood, enquanto a preciosidade chamada Chloë Moretz será uma das mais interessantes atrizes de sua geração.  

Kick-Ass - Quebrando Tudo é o que promete: diversão, violência, que de tão absurda e recorrente vira elemento quase cômico, e uma boa dose de profundidade, se formos analisar as histórias familiares: a do homem que busca vingança, nem que para isto precise transformar a filha numa máquina de guerra, ou a do filho que faz de tudo para ficar ao lado do pai, nem para que isso precise virar um bandido. Kick-Ass - Quebrando Tudo não vai mudar os rumos do cinema, nem mesmo do gênero no qual está inserido, mas que é um entretenimento empolgante, antenado com a época em que foi realizado (atentem para a internet, quase personagem do filme) e com alguns momentos emocionantes (sim, eu derramei algumas lágrimas), não há como negar. Entretenimento sim, assumido e confesso, e por que passar o tempo, se entreter, com algumas porcarias vistas por aí, quando podemos nos envolver com uma narrativa absurdamente divertida como a de Kick-Ass - Quebrando Tudo?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Entrevista: David Fincher fala sobre "A Rede Social"


Entrevista realizada por David Jenkins (Time Out Sidney)
Tradução: Conrado Heoli

David Fincher atingiu algo com "A Rede Social" - e ele sabe disso. Seu vivaz estudo sobre a gênese do Facebook funciona como uma versão pontocom de O Grande Gatsby, com diálogos rápidos que remetem às comédias screwball dos anos 40. É um filme muito diferente daquilo que poderíamos esperar vindo do homem por trás de "Clube da Luta", "O Curioso Caso de Benjamin Button" e "Zodíaco", embora ainda seja centrado em um personagem - o milionário miserável co-fundador do Facebook, Mark Zuckenberg - que, ao contrário de seus maiores esforços, é incapaz de encontrar a felicidade através da construção de conexões humanas. O Time Out encontrou com o diretor, de 48 anos, em Paris, onde ele se apresentou com um bom humor enquanto fazia uma pausa antes das filmagens de "Os Homens que não Amavam as Mulheres", quando irá para o norte da Suécia.

Time Out Sidney: Por que fazer um filme sobre Mark Zuckerberg?
David Fincher: Ele é facinante, ele é vulnerável, ele é esperto e ele é incrivelmente intolerante. Ninguém chegou até mim e disse "Você gosta de Mark Zuckerberg?". Eles disseram "Nós temos um roteiro realmente ótimo, você gostaria de ler?". Mas este é Zuckerberg enquanto escrito por Aaron Sorkin, pois eu preciso afirmar que não o conheci, apenas o observei à distância.

TOS: Você se identifica com ele?
DF: Eu me identifico com quase todos os personagens do filme. Enquanto diretor, eu não sinto que devo me identificar com os meus personagens como um requisito para se fazer um filme.

TOS: Você acha importante que Zuckerberg não seja um personagem fácil de se gostar rapidamente?
DF: Olha, eu não sou um assistente de desenvolvimento que é serviçal do estúdio: muitas vezes as pessoas gostam de personagens que precisam ser amados ou admirados. Eu gosto desses personagens. Eu gosto de Jake LaMotta. Eu gosto de Travis Bicke. Eu até gosto de Rupert Pupkin. Eu gosto de personagens que não mudam, que não aprendem com seus erros. Charles Foster Kane era um garoto mimado de oito anos com um trenó, então ele se tornou um homem mimado de 76 anos que cresceu em seus últimos momentos na Terra. Mas ele não mudou. Se eu estou tentando separar você da sua carteira, então eu tenho que me preocupar se você irá gostar do que está vendo? Eu não faço isso. Eu gosto de pessoas que pensam "Foda-se!".

TOS: Você tentou fazer contato com Mark Zuckerberg?
DF: Quando me envolvi, o produtor Scott Rudin teve sua última discussão oficial com o Facebook e seus sócios. Eles tinham uma dúzia de requerimentos para a participação deles, e as duas primeiras eram: o filme não pode se passar em Harvard e você não pode chamar ele de Facebook. Então, Rudin, que não é um cara burro, apenas disse que aquelas discussões não precisariam ir adiante: nós faremos um filme sobre o processo, enquanto as deposições forem todas públicas e nós podemos juntar deles o drama que precisamos para fazer nosso filme.

TOS: Algum representante do Facebook foi convidado para ver o filme finalizado?
DF: Houve um contingente do Facebook Legal e do Facebook Corporate Communications que viu o filme, mas eu não sei as especificidades daquilo e eu não estive na sessão.

TOS: O que eles acharam?
DF: Novamente, eu não estive lá, mas foi relatado para mim pela pessoa responsável pela entrega do filme nessa sessão que eles estavam... apropriadamente chocados.

TOS: O filme foi lançado através de uma campanha de marketing bastante esperta.
DF: Sim, mas o problema com a campanha de divulgação foi que você não pode apenas dizer "Punk, gênio, bilionário" já que você está usando aquele flash narcisista da MTV para pegar crianças interessadas. Eu quis incluir "Judas", ou "traidor", porque você deve ter uma palavra ruim lá. "Punk, gênio, bilionário" é basicamente um boquete gigante.

TOS: Os diálogos do início do filme são extremamente rápidos.
DF: A primeira cena de um filme deve ensinar a audiência como o assistir. Eu tinha um contrato para 2 horas e 19 minutos. Eu tive um corte final de 2 horas e 19 minutos. Enquanto eu pudesse fazer o filme nesse tempo, eu poderia fazer qualquer merda que quisesse. Eu segurei esse roteiro de 166 páginas em minhas mãos, então peguei as primeiras nove páginas, entreguei para Aaron Sorkin e disse: "fale". Ele fez isso e foi engraçado, isso iria prender as pessoas, e você sabe o quê? Não irá começar com a tela preta como está escrito. Eles vão começar a falar sobre o maldito logo da Columbia Pictures! Se eu pudesse colocar as falas iniciais e diálogos sobre um trailer, eu teria feito isso. É um momento "cala-esta-maldita-boca": preste atenção, ou você perderá um monte.

TOS: Uma coisa que você disse sobre "A Rede Social" é que você temeu que as pessoas o vissem como um filme sem muito valor.
DF: É irrefletido, com certeza, mas nós estamos falando sobre um monte de grandes noções. Mas sim, quando eu vi o primeiro corte, eu pensei que era um pouco sem valor. Para mim, era uma interessante pílula amarga, e você precisaria de muitas colheres cheias de açúcar para o engolir. Mas eu não quis o açúcar para atrapalhar a grande tristeza no final do filme. Com "Benjamin Button", a maior preocupação era que ele fosse sentimental demais. Eu sinto que esta é a real versão deste filme. Mas eu gosto de me preocupar. Eu estive preocupado que "Seven" e "Clube da Luta" não fossem violentos o suficiente, então...

TOS: O filme está atraindo referências com diversos grandes filmes e livros, assim como Macbeth, O Grande Gatsby, Cidadão Kane. Você estava considerando alguma dessas referências com as quais você foi elogiado?
DF: Alguém me perguntou qual era minha intenção com este filme, e eu disse - muito alegremente - que eu queria fazer o Cidadão Kane dos filmes de John Hughes. Nós estamos falando de um filme sobre uma idade crescente que é também o reflexo dos últimos quatro anos de uma vida de 26 anos. Esta é a comicidade da era da informação. Algo que eu penso é que um dia na vida de uma baleia azul é diferente de um dia na vida de uma mosca.

TOS: Este é seu filme mais falante. Como um diretor reconhecido por seu senso visual distinto, você se divertiu esculpindo palavras e performances?
DF: Houveram duas coisas sobre as quais eu fui responsável. Uma foi estar ou não apresentando um comportamento crível, o que é totalmente subjetivo. A outra coisa que eu tive era a posição da câmera: de onde eu vou olhar para esta pessoa? Algumas pessoas pensam que dirigir é como O Grande Circo: sim, 90% de dirigir é pegar o dinheiro e escolher o equipamento adequado, as pessoas corretas e os departamentos certos para criar o sentimento adequado dentro do contexto correto. No cinema, nós esculpimos o tempo, esculpimos o comportamento e esculpimos a luz. O público apenas vê o que mostramos a ele e nesse momento eu controlo tudo o que eles vêem e ouvem. Eu estou torcendo para que esses elementos se traduzam em sentimento. Foi Louis B. Mayer que disse "O genial do ofício do cinema é que a única coisa que o freguês recebe é uma memória.". É isso o que dirigir é.


Leia a análise crítica feita por Marcelo Müller para o filme "A Rede Social" clicando aqui.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Vida dos Peixes

E se...? Talvez não exista uma interjeição mais infeliz tão utilizada quanto esta. Três letras que, quando combinadas, geram uma infinidade de sensações. Um misto de incerteza, nostalgia, aflição e indefinições nasce quando a questão é o que poderia ter sido se nossas escolhas fossem outras. As suposições intrínsecas ao “e se...?” são o tema no novo drama de Matías Bize, “A Vida dos Peixes”, onde um casal desfeito há anos se reencontra e toda a complexa teia de sentimentos que um possuía pelo outro volta a tona.

Começamos “A Vida dos Peixes” ao lado de Andrés e alguns amigos em uma festa de aniversário. As piadas e o clima de descontração são abandonados quando se revela ao espectador que Andrés está voltando para a Alemanha, e que sua rápida visita após 10 anos afastado está no fim. Andrés então é informado que Bea, uma antiga namorada, chegará logo. Decidido a evitar o possível conflito emocional do encontro, decide ir embora - quando já é tarde demais.

A partir daí acompanhamos o passado de Andrés sendo remontado em pequenas ações, diálogos pouco esclarecedores e muitas suposições por parte do espectador. Seu encontro com antigos amigos e todas as pessoas que habitaram seu universo há tanto tempo, assim como as vivências de um passado que não poderia estar mais presente, tornam a experiência com “A Vida dos Peixes” um exercício triste e nostálgico para com um mundo que não é o de quem assiste, mas que inevitavelmente passa a ser.

Não se deve revelar muito - ou o pouco que é dito - sobre Bea e Andrés. É um sôfrego prazer acompanhar como voyeur a complicada trama de relações que são ressuscitadas nesse reencontro. Eles são como os peixes que observam em um aquário, numa das mais belas cenas do filme. São expostos em uma redoma e seguem ocupando os espaços vazios do ambiente, nitidamente emanando o mistério que os mantêm absortos no local e em suas funções.

Enquanto revela cada pedaço da vida de seu protagonista, Bize e sua competente diretora de fotografia, Bárbara Álvarez (a mesma de “A Mulher sem Cabeça”), inserem em seus enquadramentos elementos sobrepostos em planos distintos – ora são luzes, objetos e até mesmo pessoas. Tal artifício passa a se justificar cada vez que ele se torna menos recorrente, quando se entende seu tom simbólico, que representa a história de Andrés ficando clara para o espectador – assim como a bela mise-en-scène do filme.

Filmes de retorno são comuns, mas poucos atingem a densidade e melancolia deste “A Vida dos Peixes”. Os recentes “Tudo Acontece em Elizabethtown” e “Hora de Voltar” rivalizam em tema com o filme de Matías Bize, mas ambos seguem através de uma perspectiva mais leve e cômica. No drama chileno, cada sequência é necessária para se construir uma imagem sobre seu protagonista, para que se entenda o motivo pelo qual sua volta é tão pesada e incômoda para si, ainda que agrade todos à sua volta.

Fica evidente a maturidade de Matías Bize como diretor e roteirista, capaz do difícil feito de substituir uma verborragia explicativa em diálogos excessivos por longos silêncios. Um realizador competente, como Bize aqui se mostra, tem a capacidade de escrever com a câmera, de mostrar que a contenção de recursos, simplicidade e naturalidade podem ser melhores que quaisquer aparatos técnicos e artifícios megalomaníacos. Bize ainda deve muito ao seu duo de protagonistas, dois maravilhosos atores que encontram na expressão e controle o tom certo para seus difíceis personagens. São eles: Blanca Lewin, que já trabalhou com o diretor no inferior “Na Cama”, e Santiago Cabrera, que é conhecido internacionalmente pelo personagem Isaac Mendez, da série “Heroes”.

E em dado momento do filme percebe-se que Andrés não consegue ir embora. São inúmeras as vezes que ele se aproxima da saída, ou que se despede de alguém dizendo que está indo, e que um magnetismo invisível o mantém preso ao lugar. Nesse ponto, “A Vida dos Peixes” lembra o magnífico “Os Famosos e os Duendes da Morte” - sensação reforçada por sua cena final. Há uma redenção, ou a libertação do personagem? Assim como em todo o filme, apenas a suposição pode nos fornecer as respostas – exatamente como acontece com Andrés e Bea.


sábado, 4 de dezembro de 2010

A Rede Social e o isolamento entre milhões


A Rede Social é um filme ágil. A analogia com os tempos internéticos em que vivemos, onde somos constantemente obrigados a assimilar o maior número possível de informações, num espaço cada vez mais reduzido de tempo, fica explícita pela forma como o diretor David Fincher conduz a narrativa, que se propõe a esmiuçar os controversos bastidores da gênese da maior rede social do mundo, e uma das empresas que mais se valoriza: o Facebook. Marc Zuckerberg era estudante de Harvard quando conheceu o brasileiro Eduardo Saverin e os gêmeos que queriam fazer um aplicativo social para unir virtualmente os estudantes da faculdade. Entre tentativas frustradas de se tornar popular, de fazer parte de final clubs, de sociedades excludentes, de irmandades hermeticamente fechadas que lhe conferissem status, Zuckerberg, um gênio, se aproveitou de algumas ideias, um que outro lance de sorte, a iluminação vinda de alguém, e juntou com sua capacidade incrível para programação, ainda contando com uma pitada de falta de escrúpulos e alienação, para acertar em cheio e se transformar no mais jovem bilionário do mundo..

Dizem alguns que A Rede Social é o Cidadão Kane da geração internet. Não é exagerado, até por que ambos os filmes versam sobre poderosas e controversas figuras que venceram (ou seria, perderam?) capitalizando para si importantes veículos, cada qual referente à sua época: no caso de Kane, a imprensa escrita, no caso de Zuckerberg, a internet. Pode-se então, dizer que, pelo menos no que tange ao entorno social, Zuckerberg é sim o nosso contemporâneo equivalente a Charles Foster Kane. Sua persona é vista com uma complexidade que enche a nós, espectadores, de dúvidas quanto a quantidade de vilania que existe neste solitário, e quanto de problemático existe na vida deste rapaz que passa por cima de leis e amizades, em busca de algo, algo que, aliás, todos buscamos: aceitação.

A forma como Fincher desvela personagens é um dos muitos acertos do filme. Tanto Zuckerberg como a maioria dos envolvidos na gestação e nascimento do Facebook, são vistos sob diversos ângulos, que nos permitem, senão simpatia total, uma reflexão a posteriori sobre suas reais contribuições para o todo. Sean Parker (interpretado com uma surpreendente segurança pelo cantor Justin Timberlake) é um dos pivôs da separação dos amigos Saverin e Zuckerberg, mas onde estaria o Facebook não fosse sua visão de negócios, meio inconsequente, meio arrojada? Saverin fez mesmo tudo que podia, se esforçou como deveria? Os gêmeos atléticos e com futuro garantido pela frente, mereciam mesmo crédito, e dinheiro, por suscitarem em Zuckerberg, vendo nele alguém que os pudesse ajudar, por conta do sucesso de seu aplicativo de comparação de mulheres, a ideia de uma rede social? Zuckerberg é um alienado, um carente, um canalha, arrogante, autista, meio maluco, ou todas as alternativas acima?

Além de habilidoso no trato de seus personagens, A Rede Social tem linguagem visual inventiva (a utilização de pouca profundidade de campo reforça o isolamento das figuras dramáticas, mesmo quando lidam com milhares de seguidores no reino virtual), ritmo acelerado (desaconselhado para pessoas que não conseguem absorver muita informação em pouco tempo), e uma opção pela alternância do tempo (que mostra as audiências de julgamento e conciliação entre as partes em litígio) que reforça o caráter multifacetado dos personagens que foram protagonistas deste imbróglio. Dizer que é um dos grandes filmes americanos do ano não seria exagero, nem mesmo que é um dos favoritos à algumas categorias em premiações importantes, como o Oscar (eu apostaria em Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator Coadjuvante para Andrew Garfield, outra gratíssima surpresa, e, por que não, Melhor Ator para Jesse Eisenberg).

David Fincher conseguiu mais uma vez, acertou em cheio, não se rendendo às tentações de uma história que, em mãos menos habilidosas, poderia render um filme apenas sobre intrigas no mundo corporativo, mas que nas dele se transformou em algo maior, com muitas linhas de abrangência e significação. Por fim, se Zuckerberg é nosso Kane, e no personagem de Welles temos o mistério de Rosebud, que se revela depois como sendo uma lembrança de infância que afetivamente o persegue, em A Rede Social o “rosebud” de Zuckerberg é mais vivo, mais independente, mas ainda assim ligado a algo que ele perdeu, ou que nunca conseguiu conquistar. Se a Kane não restam escolhas, a Zuckerberg falta, no final, coragem para testar a aceitação de quem se tornou, não só fardo emocional, mas exemplo de que nem todos nós somos suscetíveis a fama, dinheiro ou qualquer outro fator de deslumbramento. Filmaço.