Se há cena que possa de alguma
maneira resumir Intocáveis é a do
senegalês Driss dançando Boogie Wonderland,
do Earth, Wind & Fire, defronte a
seu patrão, o tetraplégico Phillipe. Nos olhos marejados do homem branco,
típico francês amante das artes, a emoção de quem constata no outro a fortuna
de viver para além de todas as adversidades.
Driss é negro, pobre, mas mitiga as
desventuras de seu cotidiano difícil com largos sorrisos e uma sede de viver que
soa até ingênua ao cínico mundo de hoje, onde se julga depressão normal e
felicidade over. Driss ainda mostra
ao ricaço como devemos relativizar a arte. Claro, sua ignorância desbragada
provoca risos (periga uns, mais radicais, até se irritarem com esse “desprezo”
pelo erudito), mas tudo ali serve para comentar criticamente a sociedade francesa
estereotipada como pedante. Os cineastas parecem dizer que à França falta viver
mais e tentar menos parecer culturalmente superior.
A dupla de protagonistas pode ser
vista, também, como símbolo da relação entre a França e suas antigas colônias. A
imagem do “legítimo” francófono sendo empurrado pelo senegalês, metaforicamente
mostra a terra da Torre Eiffel, sempre tão arredia aos estrangeiros, cada vez
mais dependente dos filhos que outrora subjugou e ainda
hoje renega.
Amado por muitos, indiferente para
outros (algo a ver com o sucesso de público, segundo alguns, sinônimo de falta
de qualidade?), Intocáveis é um filme
que tem lá suas fragilidades, mas é apaixonante como poucos recentes, justo por
não envergonhar-se de edificar relação baseada em amizade, humanismo e
respeito, atributos hoje infelizmente meio fora de moda, eu sei.